Título: O amigo de infância de Cachoeira
Autor:
Fonte: Correio Braziliense, 10/04/2012, Política, p. 6

Um amigo de infância, colega de partidas de futebol e ex-vizinho do bicheiro Carlinhos Cachoeira exerceu por quatro meses, em 2011, o mandato de senador e se prepara para assumir o posto nos próximos anos. Ataídes de Oliveira (PSDB-TO), primeiro-suplente do senador João Ribeiro (PR-TO) e empresário do ramo de construção civil, foi incluído pela Polícia Federal (PF) na lista de políticos ligados ao contraventor, preso na Operação Monte Carlo. Numa conversa com o titular do cargo sobre as suspeitas, Ataídes confirmou a amizade e a recorrência dos contatos com o bicheiro. "Não houve somente um contato, não. O Ataídes falava várias vezes por dia com o Cachoeira. São amigos de infância", diz o senador João Ribeiro ao Correio.

João Ribeiro licenciou-se do cargo — a alegação foi tratamento de saúde, uma prática recorrente no Senado — para dar espaço ao suplente. O amigo de Cachoeira assumiu o mandato em 3 de maio e deixou o posto em 31 de agosto. Ataídes espera que João Ribeiro dispute o governo de Tocantins em 2014 para, então, retomar o mandato, que prossegue até janeiro de 2019. "Ainda tenho esse mandato de suplente até 2019. O titular é a pessoa mais cotada ao governo em 2014. O meu projeto é o de Deus", declarou o suplente quando deixou o cargo.

Três empresas de Ataídes e o próprio suplente, como pessoa física, que declarou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) um patrimônio de R$ 15,4 milhões em 2010, foram os principais doadores da campanha de João Ribeiro ao Senado. O dinheiro foi repassado ao comitê financeiro único do PR em Tocantins, que por sua vez abasteceu a campanha de João Ribeiro, conforme a prestação de contas oficial ao TSE. Ataídes doou R$ 305 mil ao comitê. As três empresas contribuíram com mais R$ 400 mil.

Apartamento O senador afirma que o suplente tem uma relação muito próxima a Cachoeira, inclusive de vizinhança. "Estive com ele na semana santa e perguntei sobre essa relação, que só fiquei sabendo agora. Ele falou: "Sou amigo dele há muitos anos, morávamos no mesmo prédio, mas não temos relação de negócios"." A declaração do patrimônio de Ataídes ao TSE informa a existência de um apartamento no Edifício Excalibur, um dos mais caros de Goiânia, situado num bairro nobre da capital. Conforme a declaração, o apartamento do suplente vale R$ 1,8 milhão. Cachoeira tem um imóvel no mesmo edifício e usou a residência para diversas negociatas do jogo, conforme a investigação da PF. Numa das conversas telefônicas grampeadas pela PF, o bicheiro diz que seu apartamento vale entre R$ 4 milhões e R$ 4,5 milhões.

Ataídes é goiano e já morou em Anápolis (GO), cidade natal de Cachoeira. O Correio tentou falar com o suplente, mas ele não retornou as ligações. João Ribeiro sustenta não ter nenhum envolvimento político com o bicheiro: "Nunca vi nem falei com Cachoeira, pessoalmente ou por telefone". A escolha de Ataídes para a primeira-suplência, segundo o senador, se deu por se tratar de "um nome bom, respeitado em Tocantins, empresário bem-sucedido".

A lista da PF de envolvidos com o bicheiro traz ainda o prefeito de Anápolis, Antônio Gomide (PT), que diz nunca ter encontrado ou conversado com Cachoeira em 15 anos de vida pública, e o prefeito de Aparecida de Goiânia, Maguito Vilela (PMDB), que se recusou a comentar a "especulação" da PF. "Não há um fato concreto. Não há com o que se preocupar em relação a Cachoeira", afirma o prefeito, por meio de sua assessoria de imprensa.

O advogado do bicheiro, o ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, protocolou ontem, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), pedido de habeas corpus a Cachoeira, que permanece detido no presídio federal de segurança máxima de Mossoró (RN). Até o fechamento desta edição, a Corte não havia se manifestado sobre o pedido.

Incra afasta superintendente A presidência do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) decidiu afastar por 30 dias o superintendente do órgão no Distrito Federal, Marco Aurélio Bezerra da Rocha, suspeito de ter favorecido o grupo de Carlinhos Cachoeira na tentativa de grilagem da Fazenda Gama, em Brasília. O afastamento vale tanto para o exercício do cargo efetivo, de agente de portaria, quanto para o cargo comissionado, de superintendente. O servidor receberá o salário no mês de afastamento, decisivo para que "não venha a influir na apuração das irregularidades mencionadas", diz o instituto. Ontem, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, voltou a dizer que a produção de provas para a Operação Monte Carlo foi legal, ao contrário dos argumentos usados pela defesa jurídica do senador Demóstenes Torres.