O globo, n. 30938, 21/04/2018. País, p. 6

 

Delator: 'Passarinho' Funaro preocupava PMDB

André de Souza

21/04/2018

 

 

Executivo da JBS diz que Temer e ministros tentaram comprar o silêncio do doleiro, que fechou delação

-BRASÍLIA- O complemento da delação premiada de Francisco Assis e Silva, diretor jurídico do grupo J&F, dono da JBS, revela novos detalhes da acusação de envolvimento do presidente Michel Temer, do ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, e do ex-ministro Geddel Vieira Lima na tentativa de comprar o silêncio de Lúcio Funaro, apontado como operador de políticos do PMDB em esquemas de corrupção. Em um dos anexos de sua colaboração, Francisco relatou que Geddel, atualmente preso no Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília, lhe perguntou se “Joesley estava cuidando do passarinho”.

Segundo o delator, Geddel também teria informado que “Eliseu Padilha havia sido destacado pelo presidente Michel Temer para cuidar desse assunto”. O silêncio de Funaro não durou muito e ele acabou firmando um acordo de delação premiada. Em sua própria colaboração, o operador relatou que Padilha tentou monitorar sua delação.

Já Joesley Batista diz que, na conversa que teve com Temer, em março de 2017, no Palácio do Jaburu, ele recebeu o aval do líder peemedebista para comprar o silêncio não apenas do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, mas também de Funaro. Naquele diálogo, gravado por Joesley, Temer diz a frase “tem que manter isso, viu?”, depois que o empresário afirma que estava “de bem” com Cunha.

“Eu ouvi do presidente, claramente, que era importante manter isso (ajuda financeira a Funaro e Cunha). Enfim, a primeira missão minha lá (na reunião no Palácio Jaburu) era essa: saber dele (Temer) se o compromisso (pagamento de propina) ainda era necessário, e ele (Temer) me disse de pronto que sim”, relata em trecho do depoimento.

TEMER NEGA ACUSAÇÕES

Francisco Silva contou que, em abril de 2016, quando o processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff estava adiantado e havia perspectiva de Temer assumir o cargo, Joesley Batista, dono da JBS, o chamou e o apresentou a Geddel, que viria a ser ministro no novo governo. Entre setembro e novembro daquele ano, ele viria a ter mais alguns encontros com Geddel, já ministro da Secretaria de Governo.

“Nos primeiros encontros, o assunto tratado foi: Lúcio Funaro, seu estado físico, o estado de sua família e pagamentos realizados por Joesley para que ele se mantivesse em silêncio. O então ministro Geddel me perguntou se ‘Joesley estava cuidando do passarinho’. Eu perguntei sobre a estratégia de defesa e libertação de Lúcio. Ele me informou que o ministro Eliseu Padilha havia sido destacado pelo presidente Michel Temer, para cuidar desse assunto em favor de Lúcio”, escreveu Francisco em anexo da delação.

Em depoimento prestado em 15 de agosto do ano passado, Francisco deu outros detalhes da preocupação de Geddel com o silêncio de Funaro.

“O que eu informava a Geddel é que Joesley havia me dito que os assuntos entre Joesley e Lúcio estavam sob controle. Estava tudo certo, e tudo dentro dos conformes. O Geddel falava assim: “Ó, tem que cuidar do passarinho, tem que manter a família bem cuidada”. Ele me falou que falava com a esposa do Lúcio: “Ó, eu de vez em quando falo com a esposa dele, tal, fala para o Joesley ficar tranquilo que a gente acredita que vai soltar ele brevemente” disse o diretor jurídico.

Em nota, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência diz que a acusação de que Temer tenha atuado para manter Funaro calado é “falsa” e já foi “desmentida reiteradamente".

“Essa mentira foi lançada como tentativa de validar depoimentos inverídicos de delatores que tinham como único objetivo tentar prejudicar a imagem do Presidente Temer. E o diálogo no qual se baseia a acusação falsa nunca aconteceu da forma narrada pelo jornal", diz trecho da nota.

O advogado Daniel Gerber, que defende Padilha, negou que ele estivesse preocupado com a delação de Funaro. “Desconhecemos qualquer designação em tal sentido, e mais uma vez reforçamos que jamais houve qualquer preocupação do ministro com a delação de Funaro — tanto é que, em sua delação, nada fala sobre ele", informou.

Eduardo Carnelós, advogado que defende Temer em processos que também envolvem Funaro, disse que a acusação não é nova e que a resposta dele para isso está na defesa apresentada num dos inquéritos que já investigam o presidente. Na época, Temer negou qualquer irregularidade. O GLOBO entrou em contato com a defesa de Geddel e não obteve resposta.

___________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

 

Geddel pediu a Joesley projeto de anistia ao caixa 2

André de Souza e Eduardo Bresciani

21/04/2018

 

 

Diretor jurídico do grupo J&F diz que elaborou texto por encomenda do ex-ministro

Além de citar episódios de doações eleitorais não registradas e dinheiro diretamente para vários políticos, a delação dos executivos do grupo J&F trouxe uma revelação: um pedido de assessoria jurídica para um projeto de lei que pudesse beneficiar aqueles enrolados com a prestação de contas com a Justiça Eleitoral. Entre os documentos enviados pelo diretor jurídico do grupo J&F, Francisco de Assis e Silva, como complemento de sua delação premiada, está uma proposta de anistia ao caixa dois.

Segundo ele, Joesley Batista, dono do grupo, lhe pediu que fizesse uma minuta de um projeto de lei. Chegou a ser elaborado até mesmo um modelo de termo de colaboração a ser celebrado entre o candidato em busca de anistia e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em um dos anexos da delação, Francisco contou que o texto foi entregue ao ex-ministro da Secretaria de Governo Geddel Vieira Lima, mas não soube dizer o que ocorreu depois.

A minuta elaborada pelo delator também alterava a lei que trata do crime de lavagem de dinheiro. O objetivo era deixar claro que quem recorre ao caixa dois não pode ser enquadrado também no delito de lavagem. Por outro lado, a proposta deixaria inelegíveis os condenados por caixa dois.

No começo do ano passado, antes da delação da JBS, que viria a se tornar pública em maio de 2017, circulou no Congresso uma proposta de anistia ao crime. Mas, na época, nenhum parlamentar quis assumir sua autoria.

“Joesley havia me pedido que minutasse um projeto de lei de anistia do caixa dois e, após dias de trabalho no assunto, concluí por fazer uma emenda a um projeto que já existia. A emenda permitia o agravamento da pena de caixa dois e, ao mesmo tempo, possibilitava a retificação de eventuais doações não registradas no TSE (chamado caixa dois). Assim, conforme pedido de Joesley, entreguei este projeto de lei ao ministro Geddel Vieira Lima e nunca mais soube do assunto”, escreveu o diretor jurídico.

O GLOBO entrou em contato com a defesa de Geddel e não obteve resposta até o fechamento desta edição.

“É concedida anistia a todos que efetuaram ou receberam doação eleitoral ou pagamento de despesas eleitorais ou partidárias, em desacordo com a lei, desde que cumpridas as condições estipuladas abaixo”, diz trecho da proposta. Entre as condições, estava o pagamento de multa de 35% do valor doado, pago ou recebido, e a realização em até 90 dias de um termo de colaboração com o TSE.

O modelo do termo de colaboração traz até o nome do tribunal no cabeçalho, como se já fosse um documento do próprio TSE. Nele, o político que quisesse anistia teria de informar o valor e também quem foi o doador. Caso fosse o doador o que busca a anistia, ele precisaria informar o candidato beneficiado. Por fim há um campo intitulado “Descrição da conduta irregular”, para poder dar mais detalhes.

____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

 

Wesley diz que pagava R$ 350 mil mensais a Kassab

Mateus Coutinho

21/04/2018

 

 

Segundo dono da JBS, mesada servia para contar com influência do ministro, que nega acusação

 

-BRASÍLIA- Em depoimento à Polícia Federal, no último dia 20 de março, o empresário Wesley Batista revelou ter encontrado sigilosamente com o ministro de Comunicações, Ciência e Tecnologia, Gilberto Kassab (PSD), para discutir pagamentos mensais “sem a efetiva prestação de serviços" ao político. Em três páginas, Wesley detalha como foi organizado o esquema de repasses, de modo que a JBS pudesse contar com a influência do político em “alguma necessidade futura". Kassab, afirmou o empresário, recebeu pagamentos mensais de R$ 350 mil entre 2010 e 2016. O dinheiro era pago por meio de uma empresa de consultoria da qual Kassab é sócio, a Yape Assessoria e Consultoria.

Os detalhes do depoimento do dono da JBS foram revelados pelo jornal “Valor”. O GLOBO também teve acesso aos documentos, que mostram como se deu a negociata entre Wesley e Kassab, na sede da JBS em São Paulo.

“Em 2011, quando retomou ao Brasil e assumiu a presidência da JBS, (Wesley) foi procurado por Gilberto Kassab na sede da JBS em São Paulo, ocasião em que trataram sobre os contratos relacionados ao aluguel dos caminhões; Gilberto Kassab solicitou expressamente que os pagamentos referentes ao aluguel dos caminhões e ao “Over price" (a mesada de R$ 350 mil) continuassem a ser pagos pela JBS; Que aceitou manter a realização dos pagamentos que já vinham sendo feitos para contar com a influência de Gilberto Kassab em alguma necessidade futura”, disse Wesley ao delegado da PF Leandro Alves Ribeiro.

No período em que era remunerado secretamente pela empresa dos irmãos Joesley e Wesley Batiasta, Kassab foi prefeito de São Paulo, fundou o PSD, chegou ao Ministério das Cidades no governo Dilma Rousseff e depois à pasta das Comunicações na gestão de Michel Temer.

Em nota, a assessoria do ministro negou a existência de irregularidades: "Como já respondido em outras oportunidades, a assessoria do ministro destaca que os valores movimentados pelas empresas são compatíveis com os contratos e com os serviços, que foram efetivamente prestados e são facilmente comprováveis, numa relação comercial mantida dentro da estrita legalidade. Não houve nenhuma reciprocidade por esses contratos, e nunca houve nenhum pedido de favor ao ministro. O ministro entende que, na vida pública, as pessoas estão corretamente sujeitas à especial atenção do Judiciário e ressalta sua tranquilidade e confiança na Justiça".