Título: Apetite de gigante
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Fonte: Correio Braziliense, 09/04/2012, Economia, p. 7

Washington e Brasília — Se o dólar barato é visto como inimigo por boa parte da indústria, tornou-se um aliado de peso às empresas nacionais que veem boas oportunidades de crescimento fora do país, seja por meio da aquisição de fábricas, seja pela construção de unidades produtivas. Dados do Banco Central mostram que o avanço das multinacionais brasileiras tornou-se um processo irreversível. E é nos Estados Unidos, que enfrentam um forte processo de desaceleração da economia desde 2008, onde o capital verde-amarelo mais está ficando raízes.

Nos primeiros dois meses do ano, US$ 1 bilhão deixaram o Brasil. Desse total, US$ 252 milhões, ou 25%, foram para a terra do Tio Sam, na qual a presidente Dilma Rousseff desembarcou ontem para um encontro oficial com o presidente Barack Obama. Em 2011, dos US$ 15 bilhões enviados ao mercado internacional, US$ 2,6 bilhões foram aplicados em negócios nos EUA — pouco mais de 1% dos US$ 228 bilhões em investimentos recebidos pela maior economia do mundo.

Pode parecer pouco. Mas os especialistas reforçam: o processo de internacionalização das empresas brasileiras está se dando em setores estratégicos, especialmente nos Estados Unidos, que têm o maior mercado consumidor do mundo e uma legislação trabalhista mais flexível que a da Europa. Para alguns setores da indústria brasileira, estar nos EUA também é uma forma de driblar as pesadas restrições comerciais impostas por aquele país, frutos de pesados lobbies.

São os casos, por exemplo, da Siderúrgica Gerdau e do Frigorífico JBS, que enfrentavam barreiras ao aço e às carnes exportadas do Brasil. Com o setor siderúrgico norte-americano em frangalhos, a Gerdau comprou e modernizou várias unidades país afora. O JBS, por sua vez, tornou-se o maior produtor de carnes do mundo ao arrematar o controle acionário da Swift — fato que causou comoção nos EUA quando o negócio foi fechado.

Também provocou polêmica a compra, por US$ 4 bilhões, do Burger King, a segunda maior rede de fast-food do mundo, pela 3G, dos empresários Jorge Paulo Lehman, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira. Coincidentemente, os três participam do controle acionário da Inbev, dona da Ambev , que incorporou ao seu patrimônio, por US$ 52 bilhões, um dos maiores símbolos do capitalismo norte-americano: a Anheuser-Busch, fabricante da cerveja Budweiser. Em contrapartida, é importante frisar que, de longe, os Estados Unidos detêm o maior volume de investimentos estrangeiros no Brasil: um estoque de US$ 104,7 bilhões.

Diante desse histórico, o diretor executivo do Centro de Estudos Brasileiros da Universidade Colúmbia, Thomas Trebat, é taxativo: "Apesar de o Brasil estar sob os olhares do mundo inteiro, a relação com os Estados Unidos ainda é a mais importante". Para ele, a visita de Dilma é uma oportunidade para que o presidente norte-americano dê prioridade às relações com o governo brasileiro.

"Espero que Obama tenha tempo para uma conversa séria com Dilma. O Brasil pode ser um aliado muito importante no atual quadro mundial, de conflitos e crise econômica", aponta. Ele diz mais: do Brics (grupo que também reúne Rússia, Índia, China e África do Sul), o Brasil tem a democracia mais fortalecida. "O país é um aliado e voz independente ao mesmo tempo. Do Brics, é o mais próximo dos EUA e os políticos norte-americanos não enxergam isso."