O globo, n. 30936, 19/04/2018. País, p. 6

 

Empresário diz à PF que coronel captava dinheiro para Temer

Aguirre Talento e Bela Megale

19/04/2018

 

 

Dono do grupo Libra, Gonçalo Torrealba contradiz versão dada por presidente É a primeira vez que um dos investigados no caso dos portos confirma que o coronel Lima pediu dinheiro em nome de Michel Temer

-BRASÍLIA- O empresário Gonçalo Torrealba, investigado sob suspeita de pagar propina ao presidente Michel Temer (PMDB), afirmou em depoimento à Polícia Federal que o coronel aposentado da Polícia Militar João Baptista Lima Filho atuava como arrecadador de dinheiro para o peemedebista. É a primeira vez que a PF obtém a confirmação de um dos investigados do caso de que o coronel Lima, amigo do presidente há mais de 30 anos, pediu dinheiro, em nome de Temer, a empresas do porto de Santos (SP), tradicional área de influência política do peemedebista.

As declarações do empresário, se forem verdadeiras, indicam que o presidente da República não revelou a sua verdadeira relação com Lima ao afirmar, em depoimento prestado por escrito à Polícia Federal, que o coronel nunca havia atuado na arrecadação de recursos.

Torrealba foi ouvido pelos investigadores nos dias 2 e 3 de abril, após a deflagração da Operação Skala, que prendeu temporariamente Lima e outros amigos de Temer. Mesmo sem delação premiada, o dono do grupo Libra deu diversos detalhes sobre sua relação com Temer e com o coronel Lima, como a realização de diversos encontros com ambos. O depoimento ainda está sob sigilo.

Torrealba disse aos investigadores que o coronel Lima esteve pessoalmente na sede do grupo Libra para solicitar o repasse de recursos financeiros a uma campanha eleitoral de Temer. O empresário frisou que, como o encontro ocorreu há mais de 15 anos, não se lembrava da data exata, mas explicou que o pedido tinha objetivo de financiar uma das candidaturas de Temer ao cargo de deputado federal. Torrealba confirmou que o papel do coronel Lima era de arrecadador financeiro em nome do peemedebista. A versão corrobora a delação do grupo J&F, que apontava Lima como recebedor de propina para Temer, e confirma as suspeitas dos investigadores.

DOAÇÕES AO PMDB

O empresário, no entanto, afirmou no depoimento que recusou, à época, fazer o repasse a Temer. Ante o pedido de dinheiro feito por Lima, Torrealba disse ao coronel Lima que a empresa não tinha o hábito de realizar doações para candidaturas individuais, mas somente para partidos políticos — dentre eles o PMDB. Torrealba destacou à PF que este foi o primeiro de diversos contatos que manteve com o coronel Lima ao longo desse período. Descreveu que esteve várias vezes com Lima em eventos sociais e confirmou que solicitou ajuda do amigo de Temer, em 2015, para que marcasse uma reunião com o então ministro da Secretaria dos Portos, Edinho Araújo, peemedebista próximo de Temer.

Também ouvido pela PF, Araújo disse não se recordar de encontros com o coronel, mas confirmou ter recebido Torrealba para tratar de um pleito de prorrogação dos contratos da empresa. Na ocasião, o grupo Libra travava uma disputa judicial com o governo federal para prorrogar a duração de seus contratos, mesmo possuindo dívida de R$ 2,8 bilhões junto à União. Em setembro de 2015, a empresa teve seus contratos estendidos até 2035 em decisão assinada justamente por Edinho.

No depoimento que prestou por escrito, em janeiro deste ano, respondendo a 50 perguntas da PF, Temer havia apresentado uma versão diferente sobre a atuação de seu amigo coronel: “O Sr. João Baptista me auxiliou em campanhas eleitorais, mas nunca atuou como arrecadador de recursos (…) Conheço o Sr. João Baptista Lima Filho desde a época de minha primeira gestão como Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, em 1984, oportunidade em que o Sr. João Baptista foi meu assessor militar”, escreveu o presidente.

Nas perguntas, a PF não questionou Temer sobre sua relação com Torrealba, porque o inquérito investigava somente o favorecimento indevido à empresa Rodrimar, por meio de um decreto presidencial do ano passado que prorrogou a duração de contratos no porto de Santos. O dono do grupo Libra entrou na mira depois que a PF recuperou uma investigação antiga, que havia sido arquivada em 2011, na qual o peemedebista era suspeito de receber propina das empresas portuárias.

Em 2014, a família Torrealba repassou R$ 1 milhão para a direção nacional do PMDB, à época comandada por Temer. Em 2010, a família doou R$ 500 mil ao PMDB nacional. Em 2006, há doações no valor de R$ 75 mil.

O empresário disse à PF que suas doações não buscaram contrapartida com o governo e que manteve apenas relações dentro da lei. Procurada pela reportagem, sua advogada, Ilcelene Bottari, disse que não poderia comentar porque o caso está sob sigilo. Em nota, o grupo Libra diz que não estava inadimplente com o governo e que estava depositando em juízo a parcela mensal referente à concessão, porque travava uma disputa com a Companhia de Docas do Estado de São Paulo (Codesp) na qual alegava que a Codesp estava descumprindo suas condições contratuais.

Os advogados do coronel Lima afirmaram que só vão se manifestar após ter acesso ao depoimento. O advogado de Temer, Antonio Mariz, afirmou que não teve acesso ao depoimento e, por isso, não poderia comentar.

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Maioria do STF quer dar a réus novo recurso após condenação

André de Souza e Carolina Brígido 

19/04/2018

 

 

Ministros admitem embargo ao plenário quando há votos por absolvição na turma

-BRASÍLIA- O Supremo Tribunal Federal (STF) deve dar hoje a réus condenados nas turmas do tribunal o direito a um novo julgamento. Seis dos 11 ministros já votaram ontem no sentido de que condenados possam apresentar embargos infringentes — um tipo de recurso que, na prática, permite nova análise de provas e abre a porta para reverter o resultado do julgamento em absolvição. Terá direito a esse recurso quem for condenado sem unanimidade, com ao menos um voto pela absolvição. A decisão sobre o tema sai hoje.

O resultado vai repercutir diretamente na Lava-Jato. Os réus eventualmente condenados pela Segunda Turma, que conduz os processos relativos ao esquema de desvios da Petrobras, poderão ficar em liberdade por mais tempo, aguardando o recurso final. O tribunal ainda não decidiu quantos votos contrários à condenação seriam necessários para a apresentação do recurso, nem se o novo julgamento seria na própria turma, ou em plenário.

A discussão surgiu a partir de um recurso do deputado afastado Paulo Maluf (PP-SP), que pediu o direito a apresentar embargos infringentes. Ele foi condenado por unanimidade pela Primeira Turma do STF, em maio de 2017. Mas, na época, o ministro Marco Aurélio Mello declarou que os crimes tinham prescrito. Depois, diante da contrariedade da maioria, ele votou pela condenação. Para a defesa, esse voto pode ser considerado favorável ao deputado.

CINCO MINISTROS VOTAM HOJE

Embora já tenha sido formado um placar pela possibilidade de apresentar embargos infringentes a condenações das turmas, o caso específico de Maluf deve ser definido apenas na sessão de hoje. Se o parlamentar conseguir convencer a Corte, ele deverá ficar em liberdade — porque, afinal, a condenação não teria transitado em julgado.

Votaram pela possibilidade dos embargos infringentes Dias Toffoli, Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Luís Fux. Os três primeiros defendem a necessidade de apenas um voto pela absolvição para justificar a apresentação do recurso extra. Os outros três pensam que seria melhor haver dois votos a favor do réu. Outros cinco ministros votarão hoje.

Barroso atacou a existência dos embargos infringentes, que atrasam o fim do processo. Mas destacou que estão previstos regimentalmente.

— São um anacronismo no sistema penal brasileiro. Porém, já que subsistem no regimento interno, não há tese jurídica aceitável para excluí-los das turmas — afirmou.

No caso de Maluf, o placar está em quatro votos a três. Até agora, a maioria afirma que o deputado não tem direito aos embargos infringentes, porque não haveriam os dois votos pela absolvição. A minoria diz que seria injusto subtrair do réu o direito a esse recurso, já que está previsto no Código de Processo Penal.

Pelo Regimento Interno do STF, os embargos infringentes são possíveis quando um réu é condenado em plenário com no mínimo quatro votos pela absolvição. Quando terminou o julgamento dos recursos do mensalão, em 2014, os ministros decidiram que as ações penais deveriam ser julgadas pelas turmas, e não pelo plenário. Desde então, o STF não debateu se esse tipo de recurso valeria também para condenações em turma. Atualmente, só são julgados em plenário o presidente da República, presidentes do Senado e da Câmara, além do procurador-geral da República e ministros do próprio STF.