O globo, n. 30934, 17/04/2018. Rio, p. 6

 

Meia-volta, volver

Fábio Teixeira e Gustavo Goulart

17/04/2018

 

 

Secretaria de Segurança ordena volta de 87 PMs cedidos à Alerj; apenas 40 se reapresentam

A Secretaria de Segurança bateu o pé e, conforme havia sinalizado na semana passada, exigiu ontem a devolução de 87 dos 146 PMs cedidos à Assembleia Legislativa (Alerj). Em uma resolução publicada no Diário Oficial do estado, o órgão determinou que o grupo comparecesse à Diretoria Geral de Pessoal da Polícia Militar, no quartel-general da corporação, no Centro. A ordem, porém, foi ignorada por 47 convocados. À noite, por meio de nota, a PM endureceu o tom: avisou que os policiais que não se apresentarem poderão responder por deserção, crime cuja pena varia de dois meses a dois anos de prisão. Os PMs cedidos chegam a ganhar comissões que elevam seus salários em quase três vezes.

— Ao fim de oito dias, prazo estabelecido pelo Código Penal Militar, o policial faltoso é excluído da folha e passa a ser procurado por cometer crime de deserção — informou o porta-voz da PM, major Ivan Blaz.

A Secretaria de Segurança justificou a ordem para devolução de parte do efetivo alocado na Alerj alegando que precisa reforçar urgentemente o policiamento nas ruas. A PM tem 2.044 homens cedidos à Casa, ao Ministério Público, a prefeituras, à Justiça e aos tribunais de Contas do Estado e do Município. Com exceção do Legislativo, todos os órgãos concordaram em mandar de volta parte dos agentes ou negociam a medida. O estado chegou a prorrogar por três vezes o prazo para a Assembleia Legislativa devolver 87 PMs.

 

MINISTRO SUGERE CONTRATAÇÃO DE SEGURANÇA

De acordo com um decreto de 2009, os vencimentos de servidores emprestados devem ser pagos pelos órgãos que os recebem. O estado afirma que a Alerj não repassou à PM R$ 59 milhões referentes a salários de policiais cedidos que continuaram sendo pagos pela corporação. A Casa, no entanto, nega o débito, dizendo que emprestou muito mais dinheiro ao Executivo. A postura da Assembleia foi criticada ontem pelo ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, durante um evento no Rio.

— Pela informação que eu tive, aproximadamente 700 policiais foram devolvidos por diversos órgãos. Todos colaboraram. Realmente não consigo entender por que essa colaboração não tem se estendido à Alerj. É uma colaboração para o Rio. Os deputados foram eleitos pelos cariocas. Eles deveriam entender que estamos em um momento que todos precisam colaborar — afirmou o ministro, que sugeriu à Casa a contratação de segurança privada. — Ela tem autonomia e orçamento para isso.

A Mesa Diretora da Alerj se recusou a comentar a declaração de Jungmann. Ao longo da semana passada, o presidente interino da Casa, André Ceciliano (PT), argumentou que muitos deputados precisam de proteção policial porque denunciam atividades criminosas. Além disso, ele cancelou uma reunião agendada para ontem com o gabinete da intervenção na segurança pública do Rio.

Parte dos policiais militares cedidos à Alerj trabalha na Casa desde 2008. Irritado com o fato de a PM considerar a Assembleia inadimplente, o deputado André Ceciliano (PT) se encontrou ontem com técnicos da Secretaria estadual de Fazenda para discutir o assunto.

 

PARTE DO GRUPO RECEBE BENEFÍCIOS

Também ontem, um levantamento feito pelo GLOBO em cima da folha de pagamento de fevereiro da Alerj mostrou que 56 dos 87 PMs convocados pela Secretaria de Segurança recebem comissões por suas atividades no Legislativo. Um deles, um cabo que tem soldo de R$ 2.437,70, ganhou um adicional de R$ 6.495,23 líquidos. Em um ano, a Assembleia chega a gastar mais de R$ 3 milhões com o grupo, sem incluir as despesas com benefícios como bolsas de estudo e auxílioalimentação. Os 31 policiais restantes, segundo a Casa, recebem apenas os salários da PM.

Os policiais que não tiveram seus nomes publicados no Diário Oficial continuarão trabalhando na Alerj para “garantir a proteção pessoal dos deputados estaduais e o exercício de outras atividades”, informou a Secretaria de Segurança, acrescentando que o critério adotado para a escolha dos convocados foi a maior aptidão do grupo para ações de policiamento. A Alerj informou, em nota, que não teve qualquer papel na seleção. “A posição da Mesa Diretora era devolver 10% dos agentes, assim como foi solicitado aos outros poderes do estado, o que não foi aceito”, destacou. O comunicado diz ainda que o estado não definiu que medidas poderão ser tomadas para garantir a segurança dos deputados afetados pela decisão.

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Deputados criticam retirada de policiais

17/04/2018

 

 

Em reunião com Marcelo Freixo, general Richard Nunes acerta permanência da escolta do parlamentar

Vivendo sob escolta policial por conta de ameaças que recebe desde a época em que presidiu a CPI das Milícias da Alerj, há dez anos, o deputado Marcelo Freixo (PSOL) soube ontem pelo Diário Oficial que os quatro policiais militares lotados em seu gabinete foram convocados pelo gabinete da intervenção federal. Dois cuidavam de sua segurança pessoal, e os outros acompanhavam o dia a dia do delegado Vinícius George, que atuou como braço direito do parlamentar durante os trabalhos da comissão.

Muitos deputados reclamaram da decisão do governo, mas o estado só reconsiderou o caso de Freixo. Ele se reuniu com o secretário de Segurança, general Richard Nunes, e, no encontro, ficou acertado que o parlamentar terá sua escolta restabelecida, mas formada por outros agentes. Os quatro PMs que faziam o trabalho serão substituídos, provavelmente por policiais civis.

Concluído em 2008, o relatório final da CPI das Milícias pediu o indiciamento de 225 pessoas, incluindo políticos, policiais, agentes penitenciários e bombeiros. Na ocasião, foram apresentadas 58 propostas para enfrentamento do crime organizado.

 

CONVERSA SOBRE INVESTIGAÇÃO

Citando o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL), que, de acordo com uma linha de investigação da Divisão de Homicídios (DH) da Polícia Civil, pode ter sido cometido por milicianos, Freixo disse ontem que correria risco se ficasse sem escolta.

— Não é possível que, diante desse momento, dessa situação, a gente tenha que parar para resolver isso — criticou o deputado antes da reunião com o secretário.

Freixo também se reuniu ontem com o chefe da Polícia Civil, delegado Rivaldo Barbosa. Ele e parentes de Marielle e do motorista Anderson Pedro Gomes, morto com a vereadora no dia 14 de março, conversaram sobre a investigação do crime. O deputado manifestou confiança no trabalho da DH.

Para o deputado Paulo Ramos (PDT), que perdeu um policial que trabalhava em seu gabinete, a decisão da Secretaria de Segurança de ordenar a saída de 87 PMs da Alerj foi tomada sem considerar os gabinetes nos quais estavam lotados e o impacto da medida no funcionamento da Casa.

— A secretaria publicou a resolução aleatoriamente, sem critério algum. Foi açodamento, da mesma forma que grande parte das decisões tomadas pelo gabinete da intervenção. Cada um sabe o risco que corre. Agora, o general (Richard Nunes) que se responsabilize caso algum deputado se torne alvo de violência.

De acordo com Ramos, o policial lotado em seu gabinete não fazia trabalhos burocráticos, cuidava exclusivamente da sua segurança. Para o deputado, a medida tomada pela Secretaria de Segurança foi uma afronta ao Legislativo:

— General é general, pode desafiar a Casa da forma que achar melhor. É um ato típico dos tempos do Império, nós já vivenciamos isso. Estão fragilizando a segurança da Alerj, a atuação de vários órgãos.

O também deputado estadual Carlos Roberto Osorio (PSDB) enfatizou que a segurança de colegas que sofreram ameaças deve ser prioridade:

— Se algum deles teve policiais militares retirados de sua escolta é preciso que a Secretaria de Segurança faça uma reavaliação da medida. Sou a favor do retorno de policiais militares que estão em gabinetes de parlamentares que não necessitam de escolta. Eu, por exemplo, não tenho PM lotado no meu porque não preciso.

Outro deputado que não tem policial em seu gabinete, Luiz Paulo (PSDB) também criticou a decisão da Secretaria de Segurança.

— Os nomes dos 87 policiais convocados foram definidos pela secretaria. Acredito que muitos tenham a função específica de proteger um parlamentar. Por que não houve, antes da medida, uma conversa sobre isso com a Casa? — questionou Luiz Paulo. — No meu entendimento, faltou habilidade por parte do gabinete da intervenção para negociar um número ideal e definir com clareza quem poderia ser chamado.