O globo, n. 30934, 17/04/2018. Economia, p. 15

 

Caixa reduz juros

Geralda Doca, Roberta Scrivano e Pollyanna Bretas

17/04/2018

 

 

Banco tenta recuperar mercado e aumenta limite de financiamento de usados para 70%

-BRASÍLIA, SÃO PAULO E RIO- Em busca de novos clientes e de aumento das receitas com tarifas para recuperar mercado, a Caixa Econômica Federal reduziu ontem os juros dos financiamentos da casa própria em 1,25 ponto percentual e elevou o limite do financiamento de imóveis usados de 50% para 70%. Para quem é cliente do banco, a taxa caiu de 10,25% para 9% ao ano nos empréstimos com recursos da poupança — feitos dentro do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), destinado a imóveis de até R$ 950 mil em Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Distrito Federal. No restante do país, o teto para essa modalidade de crédito é de R$ 800 mil. Para quem não tem relacionamento com a instituição, o percentual ficou em 10,25% ao ano.

A taxa caiu em igual proporção para os financiamentos de imóveis mais caros, dentro do Sistema Financeiro Imobiliário (SFI) — de 11,25% para 10% ao ano. Ainda assim, o percentual supera o custo do crédito imobiliário em alguns bancos privados.

Em outra frente, a Caixa reabriu a modalidade chamada interveniente quitante (quando o consumidor compra com a construtora e transfere a dívida para o banco), aumentando a fatia de 50% do empréstimo para 70%.

Segundo o presidente do banco, Nelson de Souza, essas medidas têm potencial para estimular o setor da construção e, por consequência, dar um empurrão na atividade econômica, criando um ciclo “virtuoso na economia”.

— São taxas competitivas, mas de maneira responsável e sustentável. O objetivo foi acompanhar o mercado em relação ao movimento de queda na Taxa Selic — afirmou Souza.

 

DECISÃO CHEGA ATRASADA

A decisão da Caixa, no entanto, chegou atrasada em relação aos concorrentes. Desde outubro de 2016, quando o Banco Central começou a reduzir a Selic, as instituições financeiras vieram repassando os ganhos para os mutuários. Na Caixa, os percentuais permaneceram inalterados durante todo esse tempo sob o argumento de que era preciso obter melhores resultados. Em 2017, o banco registrou lucro recorde de R$ 12,5 bilhões. A Caixa também opera recursos do FGTS, mas os juros são tabelados.

— É fundamental para a Caixa ampliar a base de clientes nesse momento a fim de melhorar o resultado. Isso vai permitir ganhos com receitas de outros produtos, como cheque especial, cartão de crédito e seguros, além do habitacional — disse uma fonte ligada ao banco.

Ao persistir com juros mais elevados, a carteira de financiamentos com recursos da poupança fechou 2017 em R$ 194 bilhões — abaixo dos R$ 198 bilhões registrados em 2014. Em 2015 e 2016, estava acima de R$ 200 bilhões.

De acordo com dados da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), em novembro de 2017 a Caixa perdeu a liderança na concessão de financiamentos com recursos da poupança, as chamadas linhas do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE). A instituição que mais emprestou no segmento naquele mês foi o Itaú, seguido por Santander e Bradesco. A Caixa ficou na quarta colocação. Em fevereiro deste ano, o banco público havia recuperado algumas posições e já aparecia em segundo lugar, atrás apenas do Bradesco.

O presidente da Caixa minimizou essa questão, alegando que as taxas do banco público são competitivas. Ele explicou que a instituição demorou a aderir ao movimento do mercado porque o custo do funding (mix com recursos da poupança e Letras de Crédtio Imobiliário-LCI) estava elevado. Essas condições melhoraram com a queda na Selic, além do comportamento da poupança, que aponta para resultados positivos em 2018, depois de dois anos seguidos de saldos negativos.

 

ECONOMIA DE ATÉ R$ 250 MIL EM FINANCIAMENTO

Outro fator que contribuiu para o recuo na carteira foi o corte, em setembro do ano passado, no limite de financiamentos de usados para 50%. A medida derrubou a demanda de crédito no segmento.

Para analistas, a decisão da Caixa de baixar os juros do crédito habitacional sinaliza que o banco público deve recuperar a liderança das concessões de empréstimo feitos com recursos da poupança. Já a diminuição das taxas do SFI — que financia imóveis a partir de R$ 950 mil e em que não é permitido o uso do FGTS — é um indicativo de que a Caixa quer atrair mais clientes neste segmento. Mesmo com a redução de ontem, para 10% ao ano, a Caixa continua tendo a segunda maior taxa nesse mercado, atrás apenas do Banco do Brasil, que cobra juro a partir de 10,15% anuais na modalidade.

— A vocação da Caixa não é o cliente com alta renda e mais sofisticado. Mas essa redução sinaliza que eles estão mais competitivos — avaliou José Carlos Martins, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC).

Na visão do economista-chefe do Sindicato da Habitação (Secovi), Celso Petrucci, a redução do juro pela Caixa vem no momento ideal:

— Tendo em vista que o mercado imobiliário em muitas cidades, como São Paulo, já iniciou seu processo de retomada, essa medida potencializa o círculo virtuoso da recuperação do setor.

Luiz Antônio França, presidente da Associação Brasileira das Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), concorda que a redução do juro trará um “efeito muito positivo” para o mercado imobiliário:

— A Caixa é o maior player do mercado, e essa redução de juro era fundamental para ajudar na retomada dos negócios. Mesmo assim, procurados, Bradesco, Itaú, Santander e Banco do Brasil afirmaram que não há previsão de retração do juros de suas linhas habitacionais.

Simulação feita pelo diretor de economia da Associação Brasileira de Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), Miguel José Ribeiro de Oliveira, mostra que, levando-se em conta o novo teto de financiamento de 70% para usados, a redução na taxa de juros da Caixa vai gerar uma economia de R$ 257 mil, no caso de um imóvel avaliado em R$ 1,5 milhão e financiado ao longo de 30 anos. Já para um imóvel usado no valor de R$ 950 mil, a economia com o corte na taxa de juros chegaria a R$ 164 mil, no final do financiamento em três décadas. Para imóveis de R$ 450 mil, a redução no valor total seria de R$ 77 mil.

 

PROJEÇÃO DE R$ 85 BI EM CRÉDITO HABITACIONAL

Pedro Seixas, pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV) e especialista em negócios imobiliários, defende que a redução é significativa:

— Cada ponto percentual que se reduz nos juros representa redução de 5% no custo total do financiamento. O movimento feito pela Caixa é um pouco tardio, mas, como o banco detém quase 70% do mercado, pode estimular mais a concorrência.

Para Martins, presidente da CBIC, com a queda das taxas, a competição vai aquecer as vendas:

— Embora a Caixa tenha 69% do mercado geral de crédito imobiliário, desde novembro vinha financiando menos que os bancos privados. Ou seja, a Caixa perdeu espaço, mas quer recuperar terreno. Esse efeito vai ser imediato.

Para o consultor e ex-vice-presidente de Habitação da Caixa, José Urbano Duarte, as medidas de maior impacto são a elevação na cota de financiamento de imóveis usados e a reabertura das operações interveniente quitante. Ele observou, no entanto, que o banco tem limites para elevar a carteira por causa das exigências internacionais de solvência do setor financeiro, que ficaram mais rígidas neste ano. A Caixa enfrentava risco de desenquadramento, porque estava com uma margem apertada, mas obteve uma folga ao se apropriar de 75% do lucro auferido em 2017, de R$ 12,5 bilhões. Os 25% restantes foram repassados ao Tesouro Nacional na forma de dividendos, mas o banco negocia a devolução destes recursos.

Segundo o presidente da Caixa, com isso, será possível atender a demanda por empréstimos até meados de 2019. Ele disse que com as medidas anunciadas ontem, o banco vai elevar de R$ 82 bilhões para R$ 85 bilhões a projeção para o empréstimo habitacional neste ano.