O globo, n. 30933, 16/04/2018. pAÍS, p. 4

 

Sai a toga, entra a urna

Fernanda Krakovics e Thiago Prado

16/04/2018

 

 

 Em momento de indefinição e com desgaste de políticos tradicionais, ex-juízes entram na corrida eleitoral e se dividem sobre defesa de benefícios polêmicos da magistratura

Na esteira da Operação Lava-Jato e com a rejeição do eleitorado à política tradicional, ex-juízes apostam alto em suas candidaturas nas eleições deste ano. Muitos deles, com argumentos que visam o combate à corrupção e o investimento em segurança pública. No entanto, uma vez que a Constituição proíbe que magistrados tenham atividades político-partidária, eles precisam se desligar da carreira para entrar na disputa.

Se Joaquim Barbosa se aposentou do STF, em 2014, e só agora surge como eventual candidato — ele ainda não assumiu a condição — outros mudaram de vida com o propósito específico. É o caso do ex-juiz Wilson Witzel, do Rio, que atuou em varas de Execuções Penais no estado e no Espírito Santo. Decidiu largar a magistratura para disputar o governo. Sua exoneração foi publicada no início do mês. Sem acolhida no PSDB, ele se filiou ao PSC. Witzel diz que cansou de “enxugar gelo".

— No Judiciário, você corrige erros. Na política, você pode impedir que eles sejam cometidos — disse o ex-juiz, com o discurso já ensaiado.

Como o PSC é um partido pequeno e com pouco tempo de TV, Witzel negocia alianças. Ele tem conversado com a juíza aposentada e ex-deputada Denise Frossard na tentativa de conquistar apoio do PPS.

Apesar de usar sua carreira na magistratura como ativo eleitoral, Witzel se irritou quando o GLOBO questionou sua opinião a respeito de benefícios recebidos pelo Judiciário, que muitas vezes ultrapassam o teto do funcionalismo, de R$ 33,7 mil, e sobre a greve dos juízes, no dia 15 de março, que reivindicava reajuste salarial e manutenção do pagamento indiscriminado de auxílio-moradia. Ele disse que não comentaria os temas citados porque é advogado, embora, na campanha, irá concorrer como “Juiz Wilson". Ele já foi presidente da Associação dos Juízes Federais do Rio e Espírito Santo.

PROMESSAS DE MELHORA

Em Mato Grosso do Sul, o juiz federal Odilon de Oliveira se aposentou em outubro passado, após 30 anos de magistratura, e pretende disputar o governo do estado pelo PDT. Com atuação focada no combate ao narcotráfico, Odilon se tornou um dos juízes mais ameaçados do país. Ele condenou, por exemplo, o narcotraficante brasileiro Jorge Rafaat, conhecido como “o rei da fronteira", a 47 anos de prisão em 2014. Rafaat foi assassinado, em 2016, a tiros de metralhadora calibre .50, capaz de derrubar aeronaves, em uma emboscada no Paraguai.

— O país está em situação muito ruim em todos os sentidos. Há um descrédito. Quero engrossar uma fileira de pessoas honestas, decentes, e não de políticos profissionais. Quero colocar o país no rumo certo — disse o juiz aposentado.

Questionado, Odilon disse ser contra a greve dos juízes e os penduricalhos que ultrapassam o teto constitucional.

— Isso traz prejuízo moral à imagem do Judiciário.

Depois da repercussão da Lei da Ficha Limpa, da qual foi um dos idealizadores, o ex-juiz Márlon Reis se filiou à Rede e é précandidato ao governo do Tocantins. Ele faz parte do movimento “Agora!” e da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps), que defendem a renovação da política.

— Não deixei a magistratura para ser candidato. Deixei em abril de 2016 para advogar. já havia cumprido minha missão. A partir daí, comecei a receber convites para a política — disse ele, que também afirmou ser contrário a greve de magistrados, embora reconheça que a categoria segue sem reajuste há anos.

Em Mato Grosso, depois de concorrer para prefeito de Cuiabá, em 2016, o ex-juiz Julier Sebastião (PDT) está disposto a concorrer novamente, embora a definição do cargo ainda dependa do partido e das negociações com aliados.

Sebastião disse considerar um momento “absolutamente inadequado" para os juízes fazerem greve, tendo em vista que o Congresso Nacional aprovou proposta do governo federal de congelar por 20 anos os gastos público.

Há 12 anos na política, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), que já foi juiz federal, pretende disputar a reeleição. Ele deixou a magistratura em 2006 para concorrer para deputado federal e foi eleito.

Apesar de avaliar que há um nicho para egressos da magistratura disputarem as eleições deste ano, Dino ressalta que, nas pesquisas de intenção de voto para Presidência, os chamados outsiders não têm se destacado.

— Nicho existe, mas menor do que se imagina. Há um vazio na política de modo geral. Muitos estados estão com total indefinição de candidaturas ao governo. Há um cansaço, um exaurimento de velhas estruturas, e não houve uma renovação por dentro da política. Isso, somado ao efeito Lava-Jato, sustenta esse nicho — avalia o governador.

Para além de Joaquim Barbosa, que entrou no PSB, a presidenciável da Rede, Marina Silva, tentou convencer o também ex-ministro do STF Ayres Britto a se filiar e disputar as eleições, mas não foi convenceu o magistrado.

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Tribunal investiga conduta de servidores

Luís Lima

16/04/2018

 

 

Funcionários de TJ-SP atacaram em redes sociais o pagamento de auxílio moradia

-SÃO PAULO- O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) abriu uma sindicância para investigar a conduta de funcionários que criticaram, em redes sociais, o auxíliomoradia pago a magistrados. Proprietários ou não de imóveis, juízes e desembargadores recebem cerca de R$ 4,3 mil mensais de benefício. Pelo menos 62 pessoas que trabalham no tribunal são alvo da investigação, iniciada a pedido da Associação Paulista de Magistrados (Apamagis), a entidade da classe.

Os comentários eram feitos numa página do Facebook chamada “Tribunal de Justiça de São Paulo – Funcionários”, alimentada por servidores do TJ. Ali, ganharam evidência em fevereiro, logo após a posse do presidente do tribunal, Manoel Pereira Calças. Na cerimônia, irritado com as perguntas em torno da discussão sobre o pagamento de auxílio moradia a juízes, Calças foi irônico: “Eu acho muito pouco. É isso que você (repórter) queria ouvir? Agora, coloca lá: ‘o desembargador disse que é muito pouco’”.

Na primeira postagem, em 5 de fevereiro, o funcionário público José Geraldo da Silva publicou a frase de Calças, acompanhada de um comentário irônico. “Auxílio-moradia não dá nem pra CALÇAS de casimira em Miami”, escreveu. Diversas pessoas comentaram na sequência. Havia também ataques diretos à frase de Calças. “Grosseiro, insolente e desrespeitoso”. Ao GLOBO, Silva disse que preferia não se manifestar.

Em 12 de fevereiro, o funcionário Eluando Cascardo divulgou um quadro que batizou de Bloco dos Togados. A letra, uma inevitável paródia da marchinha “Me dá um dinheiro aí”, dizia: “Ei, você aí, me dá um auxílio aí, me dá um auxílio aí. Não vai dar? Não dar não? Vou lhe prender só por convicção”. Nos comentários, mais críticas dos escreventes aos juízes. “Todos não vão ser presos, valeu a marchinha. Mas com eles ninguém pode. Estão acima da lei”, disse uma funcionária.

Cascardo afirma que o texto não é dele. Diz que seu computador foi furtado e atribuiu a postagem a “um hacker”.

A Apamagis registrou no dia 16 de fevereiro uma ata notarial — documento que atesta a fidedignidade das postagens — num tabelião de notas. Trata-se do primeiro documento desse modelo em 26 anos, segundo Fernando Figueiredo Bartoletti, presidente da entidade. O documento serviu de prova para a abertura de uma sindicância.

A Apamagis encaminhou ainda um ofício relatando o caso ao presidente do TJ-SP e ao corregedor, Geraldo Francisco Pinheiro Franco. “Encaminhamos a ata notarial anexa para que Vossa Excelência tome as providências que entender cabíveis na esfera administrativa e correcional nos termos do Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado de São Paulo.”

Bartoletti afirma que a entidade não tomou a medida em virtude das críticas dos funcionários ao sensível tema do auxílio moradia, mas devido às afirmações “pejorativas” e “ofensivas” sobre Calças, o presidente do TJ-SP, e outros magistrados.

 

DE ADVERTÊNCIA A SUSPENSÃO

Os funcionários estão sendo ouvidos em sindicância. A investigação pode resultar na abertura de um processo administrativo, e as punições podem variar de advertências brandas à suspensão temporária do cargo sem recebimento de salário.

José Gozze, presidente da Associação dos Servidores do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Assetj), disse que está a par das investigações e afirmou que uma das principais preocupações é a de separar críticas de ofensas.

A assessoria do TJ-SP confirmou que a Corregedoria Geral da Justiça, provocada pela Apamagis, encaminhou um pedido de apuração de “ofensas” e das “circunstâncias dos fatos”, para decidir se a conduta dos funcionários envolvidos pode caracterizar falta funcional. A página dos funcionários no Facebook, que era pública, agora é fechada.