Título: Passo a passo da vida em Cuba
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Fonte: Correio Braziliense, 08/04/2012, Política, p. 4
Citado várias vezes no relatório confidencial do Exército, o ex-deputado Fernando Gabeira, que hoje se dedica a escrever para jornais, não conhecia o documento. Gabeira fez parte do grupo que seguiu para a Argélia, se radicando na Suécia até a redemocratização do Brasil. No país, fez programas de rádio, mas desconhecia que seus passos eram constantemente monitorados pelo regime militar. "Eu sabia que alguns fatos foi possível eles acompanharem, como uma manifestação na Rússia, da qual participei. Mas o cotidiano eu não sabia", revela Gabeira, que também seguiu para Cuba. "Fui lá para preparar a ida dos outros companheiros", explica o ex-deputado.
No documento, os militares relatam a ida de Gabeira para Havana, onde acompanharia as comemorações da revolução cubana, além de outros fatos relacionados ao ex-esquerdista, que não sabe que ajudava no monitoramento. "Eu acredito que eles tinham apoio das embaixadas, mas desconheço de onde vinham as ordens e a vigilância. Pode ser que eles tenham contratado alguém de fora para isso", observa Gabeira. Para o também ex-deputado Ricardo Zarattini, a tarefa deveria ser feita pelos adidos militares que serviam no exterior. "Eu não sei se o relatório foi feito por informantes ou arapongas, mas acredito que seriam os adidos", diz Zarattini.
Segundo Zarattini, era possível também que o governo militar mantivesse pessoas infiltradas entre os brasileiros asilados no exterior, assim como ocorreu no país envolvendo os movimentos de esquerda da época. Em um trecho do relatório confidencial, por exemplo, o ex-deputado é citado durante sua estada em Havana. "Quanto a Zarattini, era um homem que Marighela muito apreciava e teve ótimo comportamento quando "caiu", nada abrindo", descreve o documento do Centro de Informações do Exército (CIE), ao se referir à prisão do militante.
Prazo para retorno "Quando chegou em Cuba, entretanto, mostrou-se politiqueiro, criando uma série de inimizades, chegando finalmente a declarar que dava um prazo para que a ALN acertasse seu retorno ao Brasil, mas como dirigente máximo", acrescenta o documento dos militares. Zarattini estranhou o relato constante no documento, mas confirma que o fato existiu. "A verdade é que Câmara Ferreira (Joaquim Câmara Ferreira, ex-integrante da ALN, morto em outubro de 1970) mandou uma carta para Cuba dizendo que eu tinha que retornar para preparar a volta dos companheiros. Alguém deve ter ouvido o galo cantar e compreendeu errado", conta o ex-deputado, se referindo à informação distorcida contida no relatório. (DR, EL e RB)