O globo, n. 30956, 29/04/2018. País, p. 4

 

O inédito resgate de diamante e ouro do esquema de Cabral

Bruno Abbud

29/04/2018

 

 

Sem seguro, bens estão retidos na Suíça; MPF vai pagar transporte

O Ministério Público Federal vai ter de arcar com o pagamento de transporte especializado, além de um seguro, para trazer de volta ao Brasil o ouro e os diamantes atribuídos por delatores ao ex-governador Sérgio Cabral. Avaliados em R$ 9,6 milhões, os bens permanecem há mais de um ano guardados em dois cofres em Genebra, na Suíça.

Valores em espécie desvendados pela Operação Eficiência, da Polícia Federal, já foram repatriados, mas 4,5 quilos de ouro e 27 pedras de diamantes ficaram emperrados na Suíça porque as empresas contatadas para transportar as joias ao Brasil exigem a contratação de um seguro para o caso de extravio. Essa negociação é conduzida pela Secretaria de Cooperação Internacional (SCI) e pela Secretaria-Geral da ProcuradoriaGeral da República (PGR), em Brasília.

— Estamos desenvolvendo a parte burocrática para repatriar esses bens. Não é muito simples, há um seguro a ser contratado e precisa ter a transportadora especializada. A empresa pede o seguro e tem que ver a questão aduaneira lá e aqui — disse o procurador da República Leonardo Cardoso de Freitas, que integra a força-tarefa da Lava Jato no Rio de Janeiro.

Segundo ele, os valores do traslado e do seguro obrigatório sairão dos cofres públicos, por meio da Procuradoria-Geral da República.

— Quem vai pagar somos nós. O MPF, em princípio. A procuradoria está vendo isso. A gente está cotando, mas confesso que não sei os valores. São transportadoras de renome internacional.

Sem previsão de chegada ao Brasil, o ouro e os diamantes deverão ser trazidos por um avião e armazenados em um cofre no Banco Central, à disposição do juízo da 7ª Vara Criminal Federal do Rio, segundo o procurador. Cardoso creditou à falta de precedentes a demora na repatriação dos bens.

— Encontrei uma certa dificuldade porque é muito nova essa coisa de internalizar ouro e diamantes — disse, acrescentando: — Não encontramos nenhuma rotina existente e nenhum precedente para seguir. Trazer fisicamente complica um pouco. Como ninguém tinha feito, estamos tendo que desenvolver uma rotina do começo.

A PGR não informou o valor do seguro nem a empresa que fará o serviço de entrega dos minerais preciosos. Procurada pela reportagem, a secretáriaadjunta Denise Neves Abade, da Secretaria de Cooperação Internacional, disse que “não é possível adiantar nenhum dado sobre o assunto porque o procedimento é sigiloso”.

As empresas Brinks Global e Prosegur, duas líderes do ramo, não quiseram informar o valor cobrado por esse tipo de contratação. Além de farta documentação, o transporte de diamantes e pedras preciosas, de acordo com as empresas, exige descrições da carga, do tipo de embalagem em que está acondicionada e a inspeção obrigatória de gemólogo na origem.

 

O CAMINHO DO DINHEIRO

No início do ano passado, em delação premiada, o doleiro Renato Chebar afirmou que adquiriu 4,5 quilos de ouro e 27 pedras de diamantes — 86 quilates, o equivalente a 20 gramas — com dinheiro de propina, que saiu, em parte, de contas que operava para Cabral em paraísos fiscais.

Segundo contou aos procuradores, em novembro de 2011 recebeu US$ 250 mil de um portador enviado à Europa por Carlos Miranda, então operador de Sérgio Cabral preso na Operação Calicute. O encontro aconteceu no hotel Schweizerhof, um dos mais luxuosos de Zurique. Depois de transportar o dinheiro de trem até Genebra, o doleiro decidiu comprar o ouro no banco BNP Paribas, “pois vislumbrava dificuldade de depositar o ouro em espécie”, segundo a denúncia do MPF.

As aquisições dos diamantes seguiram o mesmo raciocínio. Parte das pedras adquiridas em maio de 2016 por 1,2 milhão de euros está armazenada em um cofre particular na esquina da Place de Chevelu com a Rua Russeau, na cidade suíça. Comprados por US$ 1 milhão em setembro do mesmo ano, o restante permanece em outro cofre na zona franca do aeroporto de Genebra. O dinheiro saiu de duas contas no banco BSI, nas Bahamas.

As delações dos irmãos Marcelo e Renato Chebar garantiram a repatriação de cerca de US$ 102 milhões — o que corresponde a R$ 354 milhões, em valores atualizados. O dinheiro foi movimentado pelos doleiros por meio de nove contas em paraísos fiscais registradas em nome de empresas offshore. Do montante, cerca de US$ 80 milhões pertenciam a Cabral, segundo os delatores.

— Ao longo do ano foram chegando mais valores que foram recuperados, que compõem aqueles 102 milhões de dólares, como cerca de R$ 100 mil que estavam em um cartão de viagens — disse, em conversa reservada, um outro integrante da força-tarefa da Lava Jato.

Atualmente em Lisboa, os irmãos Chebar vêm ao Brasil para prestar depoimentos no MPF. A última vez foi em março.