O globo, n. 30946, 29/04/2018. País, p. 8

 

Em 4 anos, tudo mudou na política nacional

Flávio Freire e Tiago Dantas

29/04/2018

 

 

Políticos poderosos foram do céu ao inferno entre 2014 e 2018, um período divisor de águas no país

 

Nem os analistas mais antenados poderiam imaginar no que se transformaria o cenário político nacional nesses últimos quatro anos. Desde 2014, a crise política, forjada em sucessivos esquemas de desvio de dinheiro público, escanteou da cena eleitoral quem antes batia no peito, orgulhoso da própria popularidade. E são as pesquisas de opinião pública que hoje não só referendam, mas alimentam ainda mais o imaginário coletivo quando se procura uma resposta para o que provocou o sobe e desce dos poderosos do país: a corrupção.

— Vivemos uma enorme crise de representatividade, e, pior, por causa da corrupção, algo que não será possível sanear rapidamente — afirma o cientista político Rubens Figueiredo.

O vaivém da maré fez muita gente nadar contra a correnteza nesse período. Sem enfrentar qualquer tipo de investigação, Lula tinha como maior saia-justa, quatro anos atrás, o apelo de seus correligionários para que fosse candidato à Presidência no lugar de Dilma Rousseff. A campanha “Volta, Lula” dominava o eleitorado de esquerda. Hoje, preso na carceragem da Polícia Federal, em Curitiba, o líder petista tem sofrido um revés atrás do outro na Justiça, que manteve sua condenação de 12 anos e um mês de prisão.

Quem lá atrás quase assumiu a Presidência, caso do tucano Aécio Neves, agora vive à sombra de ter se tornado réu em acusação de corrupção no Supremo Tribunal Federal (STF). Aécio testemunhou a prisão da irmã, Andrea, acusada de envolvimento numa negociata com Joesley Batista, antes um dos mais respeitados empresários do país, hoje personagem da trama policial que parece roteirizar a política.

Dilma, até 2016 sob efeito de uma reeleição vitoriosa, tenta hoje uma vaga no Senado por Minas Gerais, o mesmo estado de Aécio, seu principal adversário. Nesse período, ela sofreu impeachment e teve seu nome citado por delatores.

O tucano Geraldo Alckmin viu também sua onda de popularidade perder força desde a campanha vitoriosa de 2014 para o governo de São Paulo. Lá atrás, Alckmin trabalhava com folga sua reeleição numa campanha em que tinha 55% das intenções de voto, o que o fez vencer ainda no primeiro turno. O tempo passou, e a nuvem sobre o ex-governador parece cada vez mais carregada. Atualmente, o tucano, que enfrenta investigação de caixa dois, tem sido atacado ainda pela acusação de que foi beneficiado por propina arrecadada por seu cunhado.

Nem só presidenciáveis tiveram de lidar com os os altos e baixos. Então líder da bancada do PMDB na Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha atuava em 2014 de forma desenvolta na Casa, onde liderava um grupo importante que votava contra o governo como forma de pressionar por seus próprios interesses. No ano seguinte, Cunha fora eleito presidente da Câmara. Está preso desde 2016.

 

 

LULA: Sem investigação, a maior saia-justa era conter o coro do “Volta, Lula” feito por petistas. PRESO: Condenado a 12 anos e um mês por corrupção e lavagem de dinheiro.

 

DILMA: Tinha posição confortável nas pesquisas e chegava a 43%. Foi eleita.

APAGADA: Reapareceu ao lado de Lula. Tenta o Senado por Minas Gerais.

 

JOSÉ DIRCEU: O primeiro respiro: foi autorizado pelo STF a sair da cadeia para trabalhar.

CADEIA: O ex-ministro está prestes a ser preso de novo, desta vez na Lava-Jato.

 

TEMER: Vivia a rotina de “vice decorativo”, termo que mais tarde ele mesmo viria a cunhar. INVESTIGADO: Virou presidente, mas foi alvejado pela Lava-Jato e quase perdeu o mandato.

 

CUNHA: Tinha desenvoltura na Casa e liderava um grupo significativo de deputados.

DETENTO: Preso em Curitiba desde 2016, condenado por corrupção pelo juiz Sergio Moro.

 

AÉCIO: Foi o candidato a presidente. Perdeu, mas com 51 milhões de votos.

RÉU: Vive inferno astral, acusado de receber R$ 2 milhões de Joesley e agora é réu no Supremo.

 

ALCKMIN: Trabalhava pela sua reeleição no governo de SP. Venceu no primeiro turno.

OBSTÁCULOS: Dificuldades para deslanchar na campanha e enfrenta denúncias.

 

BARBOSA: Anunciou que pretendia se aposentar do STF após mensalão.

COTADO: Entrou no PSB e pode ser candidato a presidente. Tem 10% nas pesquisas.

 

MARINA: Virou candidata a presidente depois da morte de Eduardo Campos.

DE NOVO: Na Rede, tenta a Presidência, mas tem dificuldades. Chega a 15% nas pesquisas.

 

BOLSONARO: Tentava presidir a Comissão de Direitos Humanos da Câmara.

LARGADA: Pré-candidato a presidente, subiu nas pesquisas e nas redes: chega a 17%.

 

CIRO: Declarou apoio a Dilma Rousseff mas não deixou de criticar o governo do PT.

NO PÁREO: É candidato pelo PDT à Presidência, e chega a 9% nas pesquisas.

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Um ano depois, fim do foro deve reduzir em 95% ações no STF

Cleide Carvalho

29/04/2018

 

 

Julgamento a ser retomado 4ª feira pode agilizar punições de políticos

 

Pela primeira vez, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) vai se debruçar, na próxima quarta-feira, sobre a restrição do foro privilegiado a políticos, atingindo 594 parlamentares da Câmara e do Senado. Pelo novo entendimento da maioria dos ministros, o foro especial deve passar a valer apenas para atos praticados durante o mandato e em decorrência dele. Apenas o ministro Alexandre de Moraes votou até agora pela inclusão também de crimes comuns.

O caso em discussão na Corte é o de Marcos da Rocha Mendes (PMDB), três vezes prefeito de Cabo Frio. Ele é acusado de distribuir carne às vésperas da eleição de 2008, e seus correligionários foram flagrados trocando notas de R$ 50 por votos. Desde então, Mendes foi prefeito e deputado federal e a denúncia transitou entre o Tribunal Regional Eleitoral (TSE) e o Supremo.

O relator do processo de Mendes no STF é o ministro Luís Roberto Barroso, que viu no caso uma oportunidade de mudar a questão do foro.

— O sistema é feito para não funcionar. Mesmo quem defende a ideia de que o foro por prerrogativa de função não é um mal em si, na sua origem e inspiração, não tem como deixar de reconhecer que, entre nós, ele se tornou uma perversão da Justiça — escreveu o ministro Barroso.

O julgamento da Ação Penal 937 no STF dura um ano. A proposta de Barroso foi apresentada em maio do ano passado. Dos oito ministros que votaram, seis acompanharam o relator. Dois ministros pediram vista — Alexandre de Moraes e Dias Toffoli. O ministro Marco Aurélio Mello apenas divergiu quanto à parte final da tese. Para ele, caso a autoridade deixe o cargo, a prerrogativa cessa e o processo-crime permanece, em definitivo, na primeira instância da Justiça.

O STF tem hoje cerca de 500 processos contra parlamentares. De acordo com o quinto relatório Supremo em Números, da Fundação Getúlio Vargas, apenas 5% das ações penais contra autoridades que tramitaram de 2007 a 2016 permaneceriam na corte caso o plenário confirme a tese de Barroso.

 

FUGINDO DE MORO

A decisão, porém, alcança apenas uma fração dos mais de 54 mil detentores de foro privilegiado no país. O foro é, em si, uma fonte inesgotável de manobras de políticos para atrasar processos. O ex-deputado João Alberto Pizzolatti Junior (PP-SC) tem um caso sui generis. Logo no início das investigações da Lava-Jato, ele surgiu como um dos beneficiários do esquema de propina da Petrobras. Foi denunciado pelo Ministério Público Federal por ter amealhado R$ 460 milhões em propina, em conjunto com os colegas de partido como Pedro Corrêa, Pedro Henry, Mário Negromonte e Nelson Meurer.

Quatro anos depois do início da Lava-Jato, apesar das várias provas acumuladas, a situação de Pizzolatti está indefinida. Ele não tentou se reeleger em 2014, perdeu o foro, mas conseguiu ser nomeado secretário extraordinário do governo de Roraima, onde nunca morou, apenas para escapar do juiz Sérgio Moro.

Nem precisou. Seu caso nunca saiu do Supremo, mas pouco andou. No último dia 20, foi enviado à seção judiciária do Distrito Federal, por determinação do ministro Edson Fachin, que desmembrou o inquérito da cúpula do PP. O advogado de Pizzolatti, Michel Saliba, afirma que ainda não decidiu se vai ou não interpor recurso à decisão de Fachin. Mesmo sem cargo, Pizzolatti tem foro no Supremo porque seu caso está ligado ao de ex-colegas beneficiados.

A governadora Suely Campos, do PP, fez a nomeação, garantindo assim foro privilegiado em segunda instância — Tribunal Regional Federal da 1ª Região ou Tribunal de Justiça do Estado. Desde então, Suely nomeou Pizzolatti três vezes, mudando apenas o nome da secretaria. Seu salário era de R$ 23 mil. Pizzolatti já não trabalha para o governo de Roraima desde outubro de 2017.

Seu ex-colega Nelson Meurer não teve a mesma sorte. Deve ser julgado em 15 de maio pela Segunda Turma do STF. Meurer deverá ser, assim, o primeiro alvo da Lava-Jato sentenciado na Suprema Corte.