O globo, n. 30945, 28/04/2018. Páis, p. 3

 

Mesada, bônus e reforma

Chico Otavio e Daniel Biaseto

29/04/2018

 

 

Delator diz que Pezão recebia R$ 150 mil mensais e teve obra em sua casa paga com propina

Em delação homologada pelo ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), o economista Carlos Emanuel de Carvalho Miranda, apontado como o principal operador do esquema do ex-governador Sérgio Cabral, declarou que o governador do Rio, Luiz Fernando Pezão (PMDB), recebeu propina regularmente, de 2007 a 2014, que incluía “décimo terceiro” salário e dois bônus, cada qual no valor de R$ 1 milhão. O depoimento, contido do anexo 21 da colaboração, já encaminhado pelo STF ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), corte competente para julgar o governador, sustenta que, além de um mensalão de R$ 150 mil, uma propina extra de R$ 300 mil pagou os serviços prestados por uma empreiteira na casa de Pezão em Piraí, município na região do Vale do Paraíba.

Na delação, Miranda envolve Pezão com o consórcio responsável pela instalação de placas de energia solar nos postes ao longo dos 72 quilômetros do Arco Metropolitano, que custaram ao governo R$ 96,7 milhões. Ele contou que recebeu ordem Cabral para pagar R$ 300 mil à empresa High End, especializada em painéis solares, como remuneração por serviços prestados na casa de Pezão, em Piraí. Para efetuar o pagamento, acionou Renato Chebar, doleiro do esquema, que entregou o dinheiro a Luiz Fernando Amorim, dono da empresa. Ainda de acordo com a delação, Luiz Fernando é irmão de César Amorim, empresário que instalou os painéis do Arco Metropolitano.

 

CABRAL RECEBEU MESADA APÓS DEIXAR GOVERNO

A delação de Miranda é considerada a acusação mais contundente até o momento levantada contra o atual governador do Rio. O operador disse que, no início do governo Cabral, em 2007, foi encarregado pelo governador de pagar R$ 150 mil mensais a Pezão. Ele disse que, depois de Cabral deixar o Palácio Guanabara, os pagamentos se inverteram, e o ex-governador passou a ser beneficiário de mesada de R$ 400 mil.

A entrega dos recursos a Cabral era feita, segundo o delator, pelo ex-secretário de Obras do governo do Rio Hudson Braga, que ficava com R$ 100 mil como comissão.

Antes de passar o cargo, contou Miranda, Cabral se reuniu com os empreiteiros e acertado que o esquema de corrupção continuaria na gestão de Pezão. Em nota, porém, o governador fluminense disse que repudia “com veemência essas mentiras”.

Até então, a Operação Calicute (Lava-Jato no Rio) mostrava que a função de Miranda era recolher, junto a empreiteiros e empresários de ônibus, a propina destinada a Cabral. Mas Miranda disse ao STF que também era caixa pagador. Em outros anexos, ele cita nomes de políticos e ex-colaboradores do governo que recebiam propina regularmente. Por decisão do ministro do STF Dias Toffoli, a delação seguiu para o STJ, onde já existe um inquérito em andamento relativo a pagamentos de propina pela Odebrecht a Pezão, sob a relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, desde setembro do ano passado. O governador do Rio é acusado de receber R$ 20,3 milhões via caixa dois na campanha de 2014. O caso tramita em sigilo.

Pela delação de Miranda, se somados os oito anos de propina mensal de R$ 150 mil, os dois bônus, o “décimo terceiro” salário e a obra da casa, Pezão teria recebido um total de R$ 18,8 milhões em pagamentos indevidos. Este mensalão, de acordo com o delator, era repassado por ele a Sérgio de Castro Oliveira, o Serjão, outro operador do esquema, para que fosse entregue a Pezão: “(Serjão) era utilizado para transportar o dinheiro até o Palácio Guanabara, em razão de Serjão ser funcionário comissionado na Secretaria de Governo e dispensar registros na portaria”.

Os recursos, de acordo com Miranda, eram acondicionados em três envelopes azuis para não chamar a atenção. A parte de Pezão era separada, afirmou no depoimento, após o recolhimento de propina nas empreiteiras e outros prestadores de serviços ao estado. Esses pagamentos, de acordo com o delator, começaram em março de 2007 e perduraram até março de 2014, quando Cabral saiu do governo. E foram “religiosamente cumpridos”.

O acordo de Miranda com o STF prevê o cumprimento de um total de sete anos de prisão, da seguinte forma: dois anos em regime fechado na Cadeia Pública José Frederico Marques, em Benfica; dois anos em regime fechado domiciliar; um ano e meio em regime semiaberto em casa; e outro ano e meio em regime aberto, também em casa. Preso em 16 de novembro de 2016, junto com Cabral, Miranda sairá da cadeia em 16 de novembro deste ano.

Enquanto cumpre o regime fechado, ele optou por permanecer na cadeia de Benfica, onde também estão alguns dos delatados no depoimento. Além disso, Miranda vai pagar uma multa de R$ 4 milhões e perderá todos os bens adquiridos após 2007, início do governo Cabral, incluindo a fazenda Três Irmãos, em Paraíba do Sul.

O esquema de pagamento a Pezão, sustenta o delator, incluiu em 2013 dois prêmios cada um no valor de R$ 1 milhão, que eram pagos a membros da organização criminosa em algumas oportunidades. O primeiro bônus, segundo ele, foi repassado em quatro parcelas no escritório do lobista Paulo Fernando de Magalhães Pinto, em Ipanema. Magalhães chegou a ser preso com Cabral, mas hoje vive sob regime de prisão domiciliar. O dinheiro também foi providenciado pelo doleiro Renato Chebar, que enviou o assessor Vivaldo Filho. Já o segundo prêmio, ele aborda em outro anexo da delação, referente a Construtora JRO.

Miranda também detalhou como Cabral passou a receber propina no governo de Pezão. A entrega dos recursos, segundo ele, era feita pelo ex-secretário de Obras Hudson Braga, que arrecadava o dinheiro junto à Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio (Fetranspor) e ficava com R$ 100 mil do valor recolhido. Hudson se comunicava com Miranda pelo aplicativo Wickr. Em seguida, Miranda passou a enviar os operadores Luiz Carlos Bezerra e Serjão para recolher os recursos para Cabral com José Orlando Rabello, homem de confiança de Hudson, no terminal Menezes Cortes, no Centro do Rio.

 

DELATOR APONTA DOIS OPERADORES

Miranda disse que tinha conhecimento de que os operadores de Pezão eram o subsecretário adjunto de Comunicação Social do governo, Marcelo Santos Amorim, o Marcelinho, casado com uma sobrinha do governador, a quem estima como se fosse uma filha, e Luiz Carlos Vidal Barroso, o Luizinho, considerado um assessor de confiança do governador. Em reportagens do GLOBO, ambos já foram citados. Amigo de Pezão há mais de 30 anos, Luizinho foi apontado como operador de Pezão pelo doleiro Álvaro Novis em outra delação homologada pelo STJ.

Procurados, os advogados de Miranda, Daniel Andres Raizman e Fernanda Freixinho, não quiseram comentar as acusações de seu cliente.

Ontem, a coluna Radar da revista “Veja” afirmou que há uma proposta de delação do ex-secretário de Obras do Rio Hudson Braga, na qual o braço direito de Pezão em 2007 afirma ter feito pagamentos mensais de R$ 100 mil ao governador do Rio. A força-tarefa da Calicute, porém, está reticente sobre a possibilidade de acordo, pois desconfia que Hudson não está contando tudo o que sabe sobre o esquema envolvendo os últimos governos do PMDB no Rio.