O globo, n. 30945, 28/04/2018. País, p. 6

 

Delação da Odebrecht: Dodge cogita ir ao STF

Fernando Eichenberg

28/04/2018

 

 

Procuradora diz que avalia recorrer contra decisão que tirou provas de Moro

 

-PARIS- A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, afirmou que trata como uma de suas “prioridades” a possibilidade de entrar com um recurso contra a retirada das delações da Odebrecht sobre o ex-presidente Lula da alçada do juiz Sergio Moro. Esta decisão foi tomada na última terça-feira pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou a transferência dessas provas para a Justiça Federal de São Paulo.

— Eu determinei estudos para que esse recurso seja feito e, tão logo retorne ao Brasil, examinarei. O ajuizamento está sendo estudado, há possibilidades de haver recurso sobre o assunto, e assim que retornar ao Brasil essa será uma das minhas prioridades — disse Dodge em entrevista à imprensa brasileira em Paris, onde se reuniu ontem com autoridades francesas num painel de cooperação no combate à corrupção e ao terrorismo e na proteção ambiental.

A procuradora ressaltou que não leu o acórdão da decisão da Segunda Turma do STF, ainda não publicado, e que, portanto, prefere não comentar seu conteúdo, mas garantiu que os estudos sobre quais os recursos possíveis já estão em andamento:

— O conteúdo da decisão e suas consequências é o que nós estamos estudando. No sistema jurídico brasileiro, é preciso analisar qual é o recurso cabível, qual é o limite da impugnação que é possível fazer em uma situação como essa. A possibilidade recursal agora é pequena, e tenho de saber exatamente o que é possível fazer. A minha expectativa é a de que caiba um recurso, e que nós consigamos apresentar um argumento cabível de ser examinado nesta fase processual — completou.

 

ACORDO DE PALOCCI

Dodge evitou comentar a delação premiada assinada pelo ex-ministro Antonio Palocci com a Polícia Federal (PF), sem a participação do Ministério Público. O STF ainda não decidiu se a PF tem a possibilidade de fechar acordos de delação sozinha ou se precisa do aval do Ministério Público. A procuradora-geral disse desconhecer detalhes do acordo, mas que em breve examinará com “muito cuidado”:

— Também não conheço o caso, não foi feito na jurisdição de Brasília e oportunamente o meu gabinete certamente estará examinando este documento. Aí, a manifestação será feita. Mas eu não posso adiantar nenhum ponto de vista porque não examinei como foi feito, qual a extensão das cláusulas. Tudo precisa ser avaliado com muito cuidado.

A procuradora — que participou ontem da conferência internacional sobre o financiamento do terrorismo, com a presença de representantes de cerca de 70 países —, definiu sua viagem a Paris como um “agradecimento à disposição do governo francês de cooperar com o Brasil”.

Ela explicou que há sete investigações abertas em conjunto com a França. Entre estes casos, há suspeitas de corrupção na venda de submarinos franceses ao Brasil; no contrato da empresa francesa Areva para a construção do reator de Angra 3; e na compra de votos no Comitê Olímpico Internacional (COI) na votação que definiu o Rio de Janeiro como cidade-sede das Olimpíadas de 2016.

Dodge reafirmou a determinação da PGR na repatriação de recursos públicos brasileiros desviados pela corrupção:

— Em toda a Europa e Estados Unidos há uma série de ativos que foram desviados dos cofres públicos brasileiros e nós estamos com uma agenda muito forte para recuperálos. Recentemente, fiz um pedido cautelar ao ministro (Edson) Fachin, e isso foi deferido no tocante a uma verba desviada da Transpetro no valor de US$ 20 milhões. Consegui há poucos dias uma liminar para bloquear a incorporação no governo de outros países desse dinheiro desviado do Brasil. Recuperamos até o momento um pouco mais de 10% daquilo que já foi identificado como valor desviado e que se encontra no exterior. Mais ou menos o mesmo percentual foi recuperado daquilo que foi desviado mas permanece no Brasil, e nossa expectativa é ampliar isso — completou.

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Extradição de operador foragido opõe Moro a TRF-1

Cleide Carvalho 

28/04/2018

 

 

Juiz diz que tribunal ‘usurpou competência’ ao dar liminar e mantém prisão de Raul Schmidt

-SÃO PAULO- O juiz Sergio Moro e o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) deram decisões contrárias ontem em relação ao operador Raul Schmidt, acusado na Lava-Jato de pagar propinas a executivos da Petrobras, como os ex-diretores Renato Duque e Nestor Ceveró. Schmidt está foragido desde 2015. A extradição foi deferida pela Justiça de Portugal neste mês, e a Polícia Federal aguardava a sua chegada ao país para efetuar sua prisão.

Ontem, porém, a defesa conseguiu um habeas corpus junto ao TRF-1. O juiz Leão Aparecido Alves concedeu a liminar impedindo a extradição com base em suposto ato ilegal do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional, do Ministério da Justiça.

Horas depois, Moro emitiu um despacho reafirmando a ordem de prisão e contestando a competência do TRF-1 para analisar o caso. Dizendo-se “surpreendido” com a liminar do TRF-1, Moro afirmou que o Tribunal não tem jurisdição sobre o assunto e usurpou competência da 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba, que ele comanda, e do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que analisa em segunda instância os casos da Lava-Jato.

“O Tribunal Regional Federal da 1ª Região, apesar de todo o respeito que lhe cabe, não tem jurisdição sobre o assunto. (...) A liminar exarada interfere indevidamente, com todo o respeito, na competência deste Juízo e no cumprimento de ordem de prisão já mantida à unanimidade pelo Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região e do Egrégio Superior Tribunal de Justiça”, escreveu Moro em sua decisão. “Espera-se, com todo o respeito, a revogação imediata da liminar, por incompetência absoluta e usurpação da competência”, prosseguiu.

O juiz afirmou no despacho que cogita a possibilidade de a defesa de Raul Schmidt ter ocultado fatos relevantes à decisão do TRF-1. Segundo ele, a liminar do Tribunal interfere indevidamente no cumprimento de ordem de prisão determinada pelo TRF-4 e pelo Superior Tribunal de Justiça.

Schmidt é acusado de atuar como operador e preposto de empresas internacionais em contratos de exploração de plataformas da estatal. Na 13ª Vara Federal de Curitiba ele responde a dois processos por corrupção, organização criminosa e lavagem de dinheiro. As ações aguardam a extradição. O Supremo Tribunal de Justiça de Portugal revogou decisão que mantinha o empresário em liberdade e determinou sua extradição para o Brasil, com a condição de que ele responda apenas por crimes cometidos anteriormente à obtenção de sua cidadania portuguesa, em 2011.