O globo, n. 30945, 28/04/2018. Economia, p. 17

 

Ameaça à recuperação

Daiane Costa

28/04/2018

 

 

Redução de empregos com carteira e renda estagnada freiam consumo e travam crescimento do PIB

O número de trabalhadores com carteira assinada no primeiro trimestre, 32,9 milhões de pessoas, é o mais baixo patamar desde o início da série histórica, em 2012. A renda não cresce há um ano. Enquanto o emprego formal perdeu quatro milhões de postos, o sem carteira teve acréscimo de dois milhões. A taxa de desemprego está em 13,1%. O número de trabalhadores com carteira assinada no país atingiu o menor patamar desde 2012. Somou apenas 32,9 milhões de pessoas no primeiro trimestre deste ano, uma perda de quatro milhões de postos formais desde o início de 2014. A renda não cresce há um ano, e a totalidade da população empregada voltou a cair depois de três trimestres de alta. Segundo analistas, os dados, divulgados ontem pelo IBGE, podem representar uma trava à recuperação da economia, principalmente pelo enfraquecimento do potencial de consumo da população, motor do crescimento. O Brasil ainda tem 13,7 milhões de pessoas buscando emprego e uma taxa de 13,1% no primeiro trimestre.

Enquanto o emprego com carteira assinada foi reduzido em quatro milhões de postos, o sem carteira (contando os que estão na informalidade no setor privado, o trabalhador por conta própria e as empregadas domésticas) cresceu em dois milhões. O trabalhador informal ou conta própria, no entanto, costuma ser mais reticente na hora de tomar empréstimos ou voltar a consumir. Só para se ter uma ideia, a média salarial de um empregado formal é de R$ 2.074 e a do sem carteira, de R$ 1.231.

— O diferencial do emprego com e sem carteira não está no valor do salário nominal que existe entre esses dois mercados, mas no fato de somente o primeiro credenciar o consumidor a tomar crédito. E hoje temos uma parcela considerável de trabalhadores sem condições de parcelar a compra, o que faz com que ele adie esse consumo, prejudicando uma retomada mais consistente da atividade. Uma compra de TV que poderia ser feita agora vai ficar só para daqui a dez, 12 meses, até esse trabalhador juntar o dinheiro necessário — exemplifica Luis Otávio Leal, economista-chefe do Banco ABC.

 

JUROS E INFLAÇÃO BAIXOS SEM EFEITO NO CONSUMO

Segundo economistas, o desemprego minimizou os efeitos positivos que os juros baixos — a taxa básica Selic está em sua mínima histórica, 6,5% ao ano — e a queda da inflação poderiam ter sobre o consumo.

A redução do emprego com carteira e o aumento da informalidade explicam, em parte, a estagnação da renda média, que não cresce há um ano. No primeiro trimestre deste ano, foi estimada em R$ 2.169. A última mudança significativa nesse valor, segundo o IBGE, ocorreu no primeiro trimestre do ano passado, quando foi registrada alta de 1,4%.

— Os empregos informais pagam menos do que os formais, mas também temos a inflação perto dos 2% do ano passado limitando os reajustes salariais. Em 2017, as negociações se deram a partir de uma indexação muito mais alta, pois a inflação cresceu quase 7% em 2016 — explica Thiago Xavier, economista da Tendências.

Com menos pessoas empregadas e com salários menores, a massa de rendimentos — que representa a soma da renda do trabalho de todos os ocupados e o que há disponível para o consumo — também estabilizou em R$ 191,5 bilhões nos primeiros três meses de 2018.

— Um ano depois do início da retomada já era para o desemprego estar caindo de forma mais consistente e o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) estar com resultados melhores. O quadro geral está melhorando, mas esperávamos uma recuperação mais rápida e mais consistente — avalia Artur Passos, economista do Itaú, referindo-se à taxa de desemprego do primeiro trimestre ter ficado em 13,1%, enquanto o mercado esperava 12,9%.

A taxa é inferior à registrada no mesmo período do ano passado, quando ficou em 13,7%, mas avançou frente aos 11,8% registrados no últimos três meses de 2017.

Cimar Azeredo, coordenador de Trabalho e Rendimentos do IBGE, explica que essa alta é sazonal e já era esperada devido às dispensas dos trabalhadores temporários que ocorrem tradicionalmente no começo do ano.

— Preocupa o fato de ainda não termos recuperado sequer uma vaga formal, pois temos quatro milhões a menos de pessoas empregadas no mercado formal em relação ao período pré-crise — destacou Azeredo.

 

PROJEÇÕES PARA O PIB NO TRIMESTRE CAEM À METADE

O desemprego alto, junto com os desempenhos aquém do esperado da indústria e do comércio e as dificuldades de recuperação da construção civil e dos serviços, neste início de 2018, foram as razões que levaram o mercado a reduzir as projeções à metade para o crescimento do PIB neste primeiro trimestre. Estavam entre 0,9% e 0,8% e caíram para entre 0,4% e 0,5%. Os dados divulgados ontem reforçaram também o viés de baixa para o PIB fechado do ano nas estimativas dos bancos Itaú e ABC e da Tendências, que hoje giram entre 2,8% e 3%.

— É curioso como na economia temos efeitos que se retroalimentam. Eu acho que a população ocupada perdeu esse dinamismo de crescimento porque a atividade econômica também perdeu força. A atividade mais fraca reduz a capacidade de contratação de trabalhadores, ao passo que o desemprego, se mantendo alto, reduz a capacidade de crescimento da atividade, porque as pessoas consomem menos — avalia Xavier.

A maior parte das projeções para a taxa média de desemprego no ano estão na casa dos 12%. Mas, se as estimativas para o PIB forem revisadas para baixo, as do desemprego devem aumentar, sinalizam os economistas.