O globo, n. 30944, 27/04/2018. País, p 3.

 

Lula, Dilma e PT no alvo

Jailton de Carvalho e Robson Bonin

27/04/2018

 

 

Em delação, Palocci narra esquema de arrecadação do partido e cita os dois ex-presidentes

-BRASÍLIA- O acordo de delação premiada assinado pelo ex-ministro Antonio Palocci com a Polícia Federal, revelado ontem pelo GLOBO, é uma reunião de fatos que envolvem, em grande parte, o esquema de arrecadação do PT com empreiteiras citadas na Lava-Jato e a atuação dos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff nos crimes apurados pela operação. Por se tratar de uma colaboração negociada na primeira instância, os temas abordados pelo ex-ministro dizem respeito a fatos investigados — ou passíveis de investigação — pela 13ª Vara Federal de Curitiba, comandada pelo juiz Sergio Moro, que terá o papel de homologar o acordo.

Palocci está preso em Curitiba desde setembro de 2016. Ele foi condenado por Moro a 12 anos, dois meses e 20 dias de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Nas últimas semanas, além de fixar as bases dos benefícios concedidos ao ex-ministro — ainda sob sigilo —, os investigadores concluíram a fase de depoimentos. O acordo estaria na fase de homologação por Moro, o que deve acontecer em até duas semanas.

O GLOBO apurou ontem que boa parte das histórias abordadas por Palocci — que ainda poderão ser detalhadas no curso das investigações — reconstitui o esquema de corrupção na Petrobras, as relações das empreiteiras com políticos do PT e a forma como Lula e Dilma se envolveram nas tratativas que resultaram em um prejuízo de cerca de R$ 42 bilhões aos cofres da estatal, segundo estimativa da própria PF. Durante o processo de delação, Palocci também poderá apresentar anexos suplementares com novos casos considerados relevantes pelos investigadores.

 

LULA E DILMA NEGAM ACUSAÇÕES

Ao falar de Lula, Palocci detalhou ocasiões em que foi pessoalmente levar pacotes de dinheiro vivo ao ex-presidente e relacionou datas e valores entregues por um de seus principais assessores, Branislav Kontic, na sede do Instituto Lula. Segundo Palocci, os pagamentos a Lula, feitos nos últimos meses de 2010, quando ele se preparava para deixar o Planalto, chegavam a somar R$ 50 mil. Dinheiro que seria usado pelo ex-presidente para bancar despesas pessoais.

Na ocasião das entregas, relata o ex-ministro, ele e Lula combinavam o local de encontro para o pagamento. Como o ex-ministro não dirigia o próprio carro, costumava levar um auxiliar ao volante que agora, na delação, poderá ser chamado a testemunhar sobre o caso. Além do assessor, cuja identidade é mantida em sigilo, Palocci listou datas e horários das entregas de dinheiro a Lula como parte do conteúdo probatório. A partir dessas informações, investigadores teriam condições de atestar encontros, por meio de ligações telefônicas entre Lula e Palocci, e pela posição dos aparelhos celulares no mapa de antenas.

Ao falar da relação de Lula com empreiteiras, o ex-ministro disse que parte do dinheiro entregue nas mãos do ex-presidente e na sede do instituto teria saído diretamente da “conta Amigo”, a reserva de propina atribuída ao petista no Departamento de Operações Estruturadas da Odebrecht. Já ao citar Dilma, Palocci afirmou aos investigadores que ela teria atuado para atrapalhar as investigações da Lava-Jato no episódio da nomeação de Lula para ministro da Casa Civil, em março de 2016.

O ex-ministro narrou ainda pelo menos uma conversa com Lula no Palácio do Planalto na qual teria tratado do esquema envolvendo a construção de sondas para exploração de petróleo em águas profundas. O objetivo da negociação, feita na presença de Dilma, seria levantar dinheiro para bancar a eleição da ex-presidente, em 2010.

Em nota divulgada ontem, Dilma afirmou que “o ex-ministro mente para sair da cadeia e não tem provas para sustentar acusações a ela ou Lula”.

Advogado de Lula, Cristiano Zanin negou envolvimento de seu cliente nos fatos narrados:

— Qualquer afirmação de entrega de dinheiro ao ex-presidente Lula é mentirosa e, por isso mesmo, desacompanhada de qualquer prova. Lula jamais pediu ou recebeu vantagens indevidas.

Em nota, o PT afirmou que Palocci “rendeu-se às chantagens da Lava-Jato” e faz “falsas acusações” contra Lula para receber benefícios.

Além de detalhar os casos de corrupção dos quais participou ou teve conhecimento, o ex-ministro terá de apresentar provas do que diz. Se mentir ou quebrar algumas das cláusulas firmadas, poderá perder os benefícios negociados. Não está claro se Palocci irá apresentar anexos tratando dos casos de corrupção envolvendo clientes de sua consultoria, a Projeto. Também não há sinal de que ele irá citar casos que estão fora da jurisdição de Moro, como o caso dos pagamentos de propina pela J&F ao PT e fatos relacionados a antigas campanhas eleitorais do partido.

Fundador do PT, ex-prefeito de Ribeirão Preto, ex-ministro da Fazenda do governo Lula e ex-chefe da Casa Civil de Dilma, Palocci participou das decisões mais importantes do partido nas últimas duas décadas. O PT sempre negou irregularidades nas doações de campanha do partido.

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Acordo de Palocci com a PF reacende discussão inacabada no Supremo

Carolina Brígido e André de Souza

27/04/2018

 

 

Corte não decidiu se delações são exclusividade do Ministério Público

-BRASÍLIA- A colaboração premiada firmada entre Antonio Palocci e a Polícia Federal (PF) aumentou a pressão para que a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, marque uma data para o retorno do julgamento em plenário do processo que definirá se esse tipo de acordo é permitido. A presidente foi alertada sobre a importância de concluir a votação logo e ainda avalia se vai pautar o caso neste semestre.

O julgamento começou no dia 13 de dezembro do ano passado. Até agora, sete dos 11 ministros votaram. Apenas Edson Fachin, justamente o relator da Lava-Jato e de delações como a da JBS, é contra a polícia firmar acordos. E somente Marco Aurélio Mello é totalmente a favor, dependendo apenas da homologação do Judiciário. Os demais atestam a legalidade desse tipo de delação, mas impõem restrições, como, por exemplo, a necessidade da anuência do MP.

A ação em análise no STF foi proposta em 2016 pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Para ele, somente o MP pode receber delação. Janot pediu que os acordos já feitos com a polícia tivessem sua validade mantida, para não atrapalhar investigações. A atual procuradora-geral, Raquel Dodge, concorda. Assim, é possível que a delação de Palocci não enfrente resistências.

Na sessão de 13 de dezembro, Fachin ficou do lado do MP. Para ele, a polícia até pode atuar na construção da delação premiada, fazendo, por exemplo, “pré-validação da relevância das informações a serem prestadas pelo pretenso colaborador”, mas nunca formalizar os acordos. A posição da autoridade policial teria caráter “meramente opinativo”.

 

GILMAR MENDES FALTOU

Fachin criticou ainda o comportamento de candidatos a delator que buscam na polícia um acerto após serem rejeitados pelo MP. Ele não citou nomes, mas já era o caso, por exemplo, do marqueteiro Duda Mendonça. O acordo de Palocci, celebrado agora, seguiu o mesmo roteiro.

— O acordo em âmbito policial não pode se transformar numa nova oportunidade para que o candidato a colaborador, cujos elementos de convicção de que dispunha tenham sido considerados insuficientes por um agente estatal, possa submeter sua proposta a uma segunda análise — disse Fachin no ano passado.

O julgamento seria retomado na sessão seguinte, em 14 de dezembro. Mas o STF adiou a conclusão em razão da ausência de dois ministros: Gilmar Mendes, que estava em viagem, e Ricardo Lewandowski, de licença médica. O tribunal já está completo, mas até agora o julgamento não foi retomado. Também faltam os votos dos ministros Celso de Mello e Cármen Lúcia.

O argumento de Janot e Dodge é que a polícia não pode assegurar ao delator a diminuição da pena ou perdão judicial, medidas que só podem ser propostas pelo Ministério Público, titular da ação penal no Brasil. O delator fecharia, assim, um acordo sem garantias de seu cumprimento, uma vez que poderiam ser ignoradas pelo MP. Em dezembro do ano passado, o relator, Marco Aurélio, rebateu esse ponto. Para ele, um delegado pode, sim, firmar acordo de delação, que depois passaria pelo controle de um juiz.