O globo, n. 30944, 27/04/2018. País, p. 4

 

Moro mantém em Curitiba processo contra Lula por sítio

Cleide Carvalho

27/04/2018

 

 

Juiz diz ser preciso avaliar extensão da decisão da 2ª Turma do STF

-SÃO PAULO- O juiz Sergio Moro decidiu manter em Curitiba o processo em curso contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que trata do sítio de Atibaia, até que seja julgado o recurso já apresentado em primeira instância pela defesa do petista há oito meses. Após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de retirar das mãos de Moro as delações da Odebrecht que tratam das denúncias referentes ao sítio, a defesa de Lula reforçou anteontem um pedido que já havia feito há oito meses ao próprio magistrado para que essa investigação fosse para São Paulo ou Brasília.

Em despacho, Moro afirmou que há precipitação das partes, tanto da defesa, que pediu o envio dos processos à Justiça de São Paulo, como da forçatarefa da Lava-Jato, que defendeu sua permanência em Curitiba. Segundo ele, o “respeitável acórdão” da 2ª Turma do STF “sequer foi publicado”, o que é necessário para que seja avaliada a extensão da decisão do colegiado. Moro afirmou, porém, que o recurso da defesa (alegação de incompetência) não tem efeito suspensivo da ação, que deve prosseguir.

“Pelas informações disponíveis acerca do respeitável voto do eminente relator Ministro Dias Toffoli, redator para o acórdão, não há referência direta nele à presente ação penal ou alguma determinação expressa de declinação de competência desta ação penal. Aliás, o eminente ministro foi enfático em seu respeitável voto ao consignar que a decisão tinha caráter provisório e tinha presente apenas os elementos então disponíveis naqueles autos”, escreveu Moro.

 

RECURSO NÃO FOI JULGADO

O juiz disse que avaliar a competência dele próprio nas ações penais em andamento “não é algo automático”, e que tal pedido deve ser decidido por meio do recurso chamado “exceção de incompetência”. O juiz reconheceu que não julgou o recurso feito pela defesa há oito meses e atribuiu a demora ao “acúmulo de processos perante este Juízo e da própria sucessão de requerimentos probatórios das defesas na presente ação penal”.

Ele deu prazo para que a defesa de Lula apresente, em dez dias, novos argumentos ao recurso de exceção de incompetência. Em seguida, a força-tarefa do Ministério Público Federal será intimada e terá mais dez dias para se manifestar.

“A rigor, essas decisões mostram que o juiz de primeiro grau pretende abrir um incidente processual para decidir se o Supremo agiu corretamente, o que é incompatível com a hierarquia judiciária”, afirmou, em nota, o advogado de Lula , Cristiano Zanin.

Moro lembrou ainda que, no caso do sítio de Atibaia, a Odebrecht não é a única envolvida, já que as obras tiveram participação da OAS e do pecuarista José Carlos Bumlai, amigo de Lula.

Para dar curso à exceção de incompetência, Moro afirmou que reabrirá os prazos para que ela seja avaliada à luz da decisão da 2ª Turma do STF. Segundo ele, serão abertos prazos para acusação e defesa se manifestarem. “Assim, as partes poderão formular todos os argumentos possíveis e a questão poderá ser examinada considerando a decisão e todos os elementos probatórios constantes na presente ação penal. Observo, contudo, que a reabertura da questão e dos prazos na exceção precisam aguardar, por todo evidente, a publicação do acórdão para melhor análise do julgado”.

Apesar do envolvimento de Bumlai e da OAS, que bancaram obras no sítio avaliadas em R$ 300 mil, cabe à Odebrecht a maior parte do gasto na reforma. A empreiteira entrou com R$ 700 mil. Segundo o empresário Emílio Odebrecht, o pedido para que a empreiteira assumisse a reforma foi feito em 2010 por dona Marisa Letícia (já falecida), durante a festa de aniversário de Lula, no Palácio do Planalto. Dona Marisa teria feito o pedido para Alexandrino Alencar, amigo de Lula e braço-direito de Emílio Odebrecht.

 

PRÉDIO DO INSTITUTO LULA

Emílio disse que, na ocasião, Alexandrino afirmou que dona Marisa pediu que não falassem nada a Lula porque a reforma seria uma surpresa para ele. Porém, no penúltimo dia do mandato de Lula — 30 de dezembro de 2010 — o empresário foi ao Palácio do Planalto para uma visita e disse a Lula que cumpriria os prazos de entrega da obra do sítio.

Lula não teria dito nada, mas não manifestou surpresa, segundo Emílio, que concluiu que o expresidente já sabia da reforma.

Além da transferência do processo do sítio de Atibaia, a defesa de Lula pediu também que Moro encaminhe à Justiça de São Paulo o processo em que o ex-presidente é acusado de receber benefícios da Odebrecht para um prédio do Instituto Lula, que nunca foi utilizado, e uma cobertura vizinha à do ex-presidente em São Bernardo do Campo. Moro ainda não se manifestou.

O prédio, comprado pela Odebrecht por cerca de R$ 12 milhões, teria sido descontado de uma conta de propina com o PT, chamada de “planilha italiano” e cujo saldo era controlado pelo ex-ministro Antonio Palocci. A cobertura foi comprada em nome de Glaucos Costamarques, primo de José Carlos Bumlai, e o dinheiro, segundo a força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba, saiu da conta de propina da empreiteira.

 

Perguntas e respostas

– O STF tirou algum processo contra Lula da alçada do juiz Sergio Moro?

– Não. A Segunda Turma do STF decidiu que depoimentos de oito delatores da Odebrecht devem ser encaminhados para a Justiça Federal em São Paulo por não terem ligação direta com crimes da Petrobras, investigados por Moro. Mas os processos continuam em Curitiba.

– Qual juiz paulista será responsável por receber esses depoimentos?

– Isso ainda não foi decidido. Ao contrário de Paraná e Rio, onde os juízes Moro e Marcelo Bretas cuidam exclusivamente de ações da Lava-Jato, São Paulo não tem juiz responsável pela operação.

– O que será feito com as delações enviadas a São Paulo?

– A força-tarefa da Lava-Jato de São Paulo pode usar as delações para abrir novas investigações. Como uma colaboração não pode ser utilizada como prova, serão precisos novos depoimentos.

– As delações da Odebrecht não poderão mais ser utilizadas nas acusações contra Lula em Curitiba?

– Para usar as delações, os procuradores do MPF de Curitiba terão que pedir seu compartilhamento.

– As delações da Odebrecht são as únicas provas contra Lula nos processos em Curitiba?

– Não. No caso do sítio de Atibaia, foram reunidas provas de uso do imóvel por Lula, como os bens de sua família no local, o registro de 270 viagens de seus seguranças ao sítio, entre 2011 e 2016, e a instalação de câmeras de segurança por funcionários do ex-presidente, entre outras. Já no caso da compra de um prédio para abrigar o Instituto Lula, há dados financeiros da DAG, fornecedora de confiança da Odebrecht usada para omitir a verdadeira origem dos recursos, e o depoimento do ex-ministro Antonio Palocci, que admitiu ter administrado a conta de propina do PT com a Odebrecht.