O globo, n. 30943, 26/04/2018. País, p. 3

 

Delator Palocci

Jailton de Carvalho

26/04/2018

 

 

Ex-ministro dos governos Lula e Dilma assina acordo de colaboração com a Polícia Federal

-BRASÍLIA- Preso desde setembro de 2016, o ex-ministro Antonio Palocci assinou acordo de delação premiada com a Polícia Federal. Fontes vinculadas ao caso confirmaram ao GLOBO ontem que a colaboração avançou com rapidez nos últimos dias. Em sigilo, além de terem fixado as bases dos benefícios que serão concedidos a Palocci, os investigadores inclusive já teriam concluído a fase de depoimentos. O acordo ainda terá de ser homologado pela Justiça.

Fundador do PT, ex-prefeito de Ribeirão Preto (SP), ex-ministro da Fazenda do governo Lula e ex-chefe da Casa Civil de Dilma Rousseff, Palocci participou das decisões mais importantes do partido nas últimas duas décadas. Ele foi condenado pelo juiz Sergio Moro, que comanda os processos da Operação Lava-Jato em Curitiba, a 12 anos, dois meses e 20 dias de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Era, até o início das investigações em Curitiba, um dos políticos mais influentes do PT.

As revelações do ex-ministro devem dar um novo impulso à Lava-Jato. As informações e os documentos fornecidos por ele seriam suficientes para abertura de novos inquéritos, operações e até mesmo prisões, segundo revelou ao GLOBO uma fonte que conhece o caso de perto.

Palocci fez acordo com a Polícia Federal depois de tentar, sem sucesso, negociar uma colaboração com os procuradores da força-tarefa da Lava-Jato. Embora tenha anexos ainda não conhecidos, que tratam de sua relação pessoal com o universo político, das negociatas com empresários e do lobby desempenhado por ele no governo em favor de empresários, a delação do ex-petista segue um roteiro conhecido.

 

LULA NO ALVO

Além de detalhar nos depoimentos os casos de corrupção dos quais participou ou teve conhecimento, o ex-ministro terá de apresentar provas do que diz. Se mentir ou quebrar algumas das cláusulas firmadas, poderá perder os benefícios negociados. As vantagens oferecidas a Palocci em troca de suas revelações ainda estão sendo mantidas em sigilo pelas partes. Na semana passada, o ministro teve um pedido de liberdade negado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que considerou temerário liberá-lo da prisão no atual estágio das investigações. No papel de colaborador, no entanto, a situação do ministro poderá ser revista pela Justiça.

Em depoimento ao juiz Sergio Moro, em setembro de 2017, Palocci antecipou alguns episódios simbólicos de sua relação com Lula. O ex-presidente, aliás, seria um dos políticos mais citados por Palocci. Ao falar das relações do expresidente com a Odebrecht, por exemplo, Palocci afirmou que Lula havia firmado um “pacto de sangue” com o empresário Emílio Odebrecht nos últimos meses de 2010, em uma conversa sigilosa no Palácio do Planalto.

Nesse período, o ex-ministro era o encarregasidente Acordo fechado. O ex-ministro Antonio Palocci, quando foi preso na Lava-Jato: benefícios da colaboração premiada já estariam em fase avançada, assim como depoimentos de mediar a relação entre o PT, o governo e a cúpula da empreiteira, como revelaram os exexecutivos da Odebrecht em delação. Palocci operava a famosa “conta Amigo”, aberta no sistema de propinas da construtora para bancar despesas pessoais, favores e projetos de interesse do ex-presidente Lula.

— Ele (Emílio) procurou o presidente Lula nos últimos dias do seu mandato e levou um pacote de propinas que envolvia esse terreno do instituto, já comprado. Apresentou o sítio para uso da família do presidente Lula, que ele já estava fazendo a reforma, em fase final. Também disse que ele tinha à disposição para o próximo período, para fazer as atividades políticas dele, R$ 300 milhões — disse Palocci.

Dessa conta também teriam saído recursos para remunerar palestras do ex-presidente Lula e doações ao instituto que leva o seu nome. O ex-ministro admite ainda os repasses via caixa dois de empresas para as campanhas de Lula e Dilma. Afirma que a relação dos empresários com o governo era “bastante movida” a vantagens concedidas a empresas no governo mediante o consequente pagamento de propinas e repasses de caixa dois ao partido. Ao falar do esquema do PT com empreiteiras que pagavam propina em troca de influência no governo, Palocci disse que as vantagens não se destinavam a retribuir benesses específicas obtidas em um ou outro contrato público. Tratava-se de manter uma relação amigável e constante com os mandatários para estar sempre em posição privilegiada em concorrências públicas.

Ao falar da ex-presidente Dilma Rousseff, o ex-ministro disse que ela não apenas sabia do esquema corrupto entre PT e as empreiteiras, como teria sido beneficiária e mantenedora dos arranjos. Palocci deu exemplos de situações em que tais temas foram tratados na presença de Dilma ou dependeram de sua chancela. Em meados de 2010, segundo Palocci, ele participou de uma reunião com Lula, Dilma e o então predo da Petrobras José Sérgio Gabrielli na biblioteca do Palácio da Alvorada. O assunto era os contratos de exploração do pré-sal. Lula, segundo o ex-ministro, teria falado abertamente do propósito de usar os projetos da estatal para financiar a campanha “dessa companheira aqui (Dilma), que eu quero ver eleita presidente do Brasil”, teria dito Lula, nas palavras de Palocci.

As negociações sigilosas do ex-ministro com a Polícia Federal foram reveladas pelo GLOBO no dia 14 de abril. Nas tratativas, o ex-ministro melhorou a proposta de delação. Ele teria fornecido mais detalhes e indícios dos crimes dos quais participou ou teve conhecimento. Para um experiente investigador, Palocci é um dos poucos condenados da Lava-Jato que têm informações importantes para debelar estruturas criminosas ainda fora do alcance da polícia.

— Ele ainda é um dos poucos que têm bala na agulha — disse ao GLOBO uma fonte que acompanha o caso de perto.

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Força-tarefa: Decisão da 2° turma é 'lamentável tumulto processual'

Thiago Herdy

26/04/2018

 

 

Procuradores criticaram envio de delações da Odebrecht para SP

-SÃO PAULO- A força-tarefa da Operação Lava-Jato criticou ontem a decisão da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) que determinou o envio à Justiça de São Paulo dos depoimentos de colaboradores da Odebrecht. Tramitam no Paraná os processos que tratam do sítio de Atibaia (SP) usado pelo petista e da compra de um prédio para o instituto que leva seu nome.

Os procuradores argumentaram que a decisão “não tem repercussão sobre a competência” do juiz Sergio Moro para julgar as ações e defenderam que prossigam “em seus regulares termos”, por se tratar de decisão “superficial” e causadora de “lamentável tumulto processual”. O documento é assinado pelo coordenador da Lava-Jato, Deltan Dallagnol e outros seis integrantes da força-tarefa.

A defesa de Lula discorda da interpretação e protocolou ontem pedido de “imediata remessa dos autos processuais” à Justiça paulista, e não apenas da delação da Odebrecht. Para o advogado Cristiano Zanin Martins, não enviar os processos é o mesmo que “desafiar a autoridade da decisão proferida pelo STF”.

Contrária ao envio da íntegra dos processos, a força-tarefa destacou trechos de manifestação do próprio ministro Dias Toffoli, responsável pelo voto vencedor do julgamento na Turma. Para Dias Toffoli, o envio dos depoimentos da Odebrecht não significa, “em definitivo”, que o juízo das ações será modificado.

 

MAIS DEPOIMENTOS POSSÍVEIS

Na avaliação dos procuradores, a decisão não impede que os mesmos colaboradores, alguns deles réus, como Marcelo Odebrecht, sejam ouvidos sobre “fatos relevantes para instrução de outras investigações e ações penais”, como já ocorreu nas próprias ações que correm em Curitiba.

“A remessa dos termos a outra jurisdição foi uma decisão superficial que não tem qualquer repercussão sobre a competência desse douto Juízo”, escreveram os procuradores. Dallagnol e Santos Lima: procuradores criticam decisão do STF

As duas ações penais que envolvem Lula e tramitam em Curitiba são resultado de investigações do MPF feitas antes mesmo da assinatura da colaboração da Odebrecht. No entanto, como ex-executivos da empresa apresentaram elementos complementares aos fatos, ao longo do processo, depoimentos foram anexados aos autos nos últimos meses. A própria defesa de Lula chegou a solicitar a Moro a inclusão da íntegra de declarações de Marcelo e Emílio Odebrecht para apontar eventuais contradições em seus discursos, o que beneficiariam Lula. Os advogados, no entanto, abandonaram a estratégia.

O juiz Sergio Moro deve se manifestar hoje sobre as diferentes interpretações para a decisão da 2ª Turma. Ainda que documentos da delação sejam retirados do processo, em atendimento à decisão do STF, o magistrado poderá solicitar aos colegas paulistas o compartilhamento de provas. No passado, a Justiça de São Paulo chegou a recusar a tramitação de investigação do Ministério Público estadual sobre o sítio e o apartamento tríplex, do Guarujá, em função de já haver investigação em curso sobre o mesmo tema, mas em Curitiba.

Na manifestação enviada ontem a Moro, o MPF criticou a decisão da 2ª Turma, por entender que ignora “fatos notoriamente conhecidos que ensejariam uma conclusão diversa”. No caso, a menção ao fato de que investigações estariam em fase embrionária ignora apuração iniciada em 2016 e o processo conduzido desde o ano passado em Curitiba, sobre os mesmos temas.

A força-tarefa também criticou o argumento de que os depoimentos não fariam menção a desvios da Petrobras, objeto de investigações sob jurisdição de Curitiba. Para os procuradores, a vinculação decorre de “um amplo conjunto de provas”, como documentos, perícias, testemunhas e depoimentos, boa parte obtida independentemente da delação da empreiteira baiana.

“Tais provas foram, em grande parte, colhidas muito antes da colaboração da Odebrecht, demonstrando, inclusive, a utilização de valores do Setor de Operação Estruturadas da empresa, que formavam um caixa geral para pagamento de propinas, abastecido com dinheiro proveniente, entre outros, dos crimes de cartel, fraude a licitações e corrupção de diversos contratos do grupo econômico com a Petrobras”, argumentaram.

 

REMESSA “ININTELIGÍVEL”

Os procuradores consideram “ininteligível” a remessa de depoimentos para outras jurisdições, “salvo na hipótese de se querer atentar contra os fatos”.

A ação penal que investiga a compra de um prédio para o Instituto Lula já teve audiências para tomada de depoimentos de acusação, de defesa e dos réus. Ele está no prazo de alegações finais, o último antes da sentença.

Já a ação penal que investiga obras feitas por Odebrecht, OAS e José Carlos Bumlai no sítio de Atibaia está em fase de audiência de testemunhas de defesa, que prosseguem até junho deste ano. Em seguida, a ação segue para alegações finais e decretação de sentença.