Título: Cachoeira planejou jogatina em alto-mar
Autor: Sassine , Vinicius
Fonte: Correio Braziliense, 05/04/2012, Política, p. 2

A forte influência no Congresso Nacional, principalmente por meio do senador goiano Demóstenes Torres (ex-DEM), fez o bicheiro Carlinhos Cachoeira preparar a instalação no Brasil de mais um ramo da jogatina. A degravação das conversas telefônicas para a Operação Vegas, que antecedeu a Operação Monte Carlo e também investigou os negócios ilícitos do bicheiro, revelou a existência de um barco-cassino em Miami (EUA), comprado e operado por Cachoeira.

Os diálogos gravados em 2009 pela Polícia Federal (PF) mostram que o empresário, detido há mais de um mês no presídio de segurança máxima de Mossoró (RN), pretendia comprar um segundo barco-cassino e operá-los no Brasil, a partir da legalização de jogos de azar pelo Congresso. Um parente de Cachoeira confirmou ao Correio a existência do barco-cassino em Miami, de propriedade do bicheiro.

A exploração de jogos de azar no Brasil é uma contravenção penal, uma atividade ilícita, em terra ou no mar. A proibição vale para todo o território nacional e só são permitidas apostas autorizadas sobre corridas de cavalo e em loterias oficiais. Os diálogos usados na Operação Vegas apontaram intensas conversas entre Cachoeira e Demóstenes, inclusive com trocas de informações sobre projetos de lei no Congresso que poderiam beneficiar os negócios do bicheiro.

Numa das conversas mais rumorosas divulgadas até agora, gravada em 22 de abril de 2009, Cachoeira pede que Demóstenes dê uma "olhada" no projeto de lei nº 7.228, de 2002. O senador se informa sobre o projeto e diz ao bicheiro que a proposta não regulamenta as loterias estaduais. "Inclusive, te pega", diz Demóstenes na gravação. O bicheiro faz, então, ressalvas sobre alíneas que regularizariam a jogatina.

Em outras conversas, no total foram 298 entre fevereiro e agosto de 2011, Cachoeira teria obtido garantias de Demóstenes de que a exploração de jogos de azar seria aprovada no Congresso, o que motivou novos empreendimentos pelo bicheiro. Policiais federais que participaram da Operação Vegas conseguiram fotos do barco-cassino comprado por Cachoeira e, pelos diálogos telefônicos usados na investigação, constataram que um novo barco seria comprado. Um deles seria levado para o Rio de Janeiro, onde operaria em caso de legalização dos jogos de azar.

"A família sabe da existência do barco. Para funcionar, tem de ir a alto-mar. Esse barco-cassino está parado em Miami", diz um familiar de Cachoeira. A defesa do bicheiro não se pronuncia sobre as investigações da PF — nem a Vegas, de 2009, nem a Monte Carlo, deflagrada em 29 de fevereiro deste ano. O Correio tentou ouvir os advogados de Demóstenes Torres, mas ele não deu retorno até o fechamento desta edição.

Gabinete do prefeito As cartadas de Cachoeira nos negócios da jogatina passaram também pelo gabinete do prefeito de Águas Lindas de Goiás, Geraldo Messias (PP). A cidade no Entorno do Distrito Federal era considerada como uma das mais rentáveis na exploração de máquinas caça-níqueis e casas de bingo. Para os negócios prosperarem, Cachoeira contava com o apoio de Geraldo Messias, conforme as investigações da PF.

O inquérito que embasou a Operação Monte Carlo já revelou ligações telefônicas entre o bicheiro e o delegado da PF de Anápolis (GO) Fernando Byron Filho, denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) como participante da quadrilha. Nos diálogos, Cachoeira pede que o delegado não indicie o prefeito nas investigações que resultaram na Operação Apate, deflagrada pela PF, em conjunto com a Receita Federal, em 13 de maio de 2011. A conversa telefônica em questão é de 27 de abril do mesmo ano.

O que se sabe, agora, é que esta não foi a única intervenção do bicheiro em prol do prefeito, no que diz respeito à Operação Apate. Em 10 de maio de 2011, três dias antes da operação, Geraldo Messias recebeu Cachoeira em seu gabinete na prefeitura. "Cachoeira comunicou-o pessoalmente sobre a operação", cita a investigação da PF. As investigações que resultaram na Operação Apate detectaram fraudes de R$ 200 milhões em diversas prefeituras, entre elas a de Águas Lindas. No dia da operação, Geraldo Messias não estava na cidade.

O Correio tentou ouvir o prefeito sobre o fato de ter recebido Cachoeira em seu gabinete na prefeitura, mas ele não deu retorno às ligações. Geraldo Messias e a mulher receberam de presente do bicheiro uma viagem a Las Vegas (EUA), no mesmo mês da Operação Apate. O trâmite de Cachoeira por gabinetes como o de Geraldo Messias é citado pelo MPF como justificativa para o bicheiro continuar detido no presídio de Mossoró.

Cardozo e Gurgel defendem grampos O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, saiu em defesa ontem das investigações contra Carlinhos Cachoeira conduzidas pela Polícia Federal. Segundo ele, a PF cumpriu "rigorosamente o seu papel". O procurador-geral da República, Roberto Gurgel, contestou as declarações dos advogados do senador, de que os grampos foram ilegais. "Em momento algum o senador era o alvo da investigação. O alvo, com autorização judicial, era o Cachoeira, mas o que acontecia é que o senador ligava com uma frequência imensa para Cachoeira", disse Gurgel. "A jurisprudência do Supremo é pacífica no sentido de que aí não há de se falar em nulidade", acrescentou.