O globo, n. 30942, 25/04/2018. Artigos, p. 17

 

Moratória

Tasso Azevedo

25/04/2018

 

 

As florestas são fundamentais para a manutenção das chuvas e o fluxo e a qualidade da água, a biodiversidade e a reciclagem de carbono e nutrientes. A atividade agropecuária, por sua vez, é fundamental tanto pela produção de alimentos e materiais e garantia da segurança alimentar quanto pela contribuição para a economia, em especial nas exportações. Não podemos viver sem um ou outro.

Atualmente, a agropecuária parasita as florestas e a vegetação nativa no Brasil. Todo ano, centenas de milhares de hectares são desmatados para dar lugar a atividades agropecuárias. Mas não precisa ser assim.

Quase um terço do território brasileiro já foi desmatado para atividade agropecuária. São 270 milhões de hectares, que representam a terceira maior área dedicada a esta atividade no mundo. Deste total, 170 milhões de hectares são considerados pastagens ativas (com produção contínua) e 75 milhões dedicados aos cultivos agrícolas (soja, milho, laranja, cana etc.). Sobram 25 milhões de hectares de áreas degradadas, subaproveitadas ou improdutivas.

Por outro lado, há um passivo de 15 milhões a 25 milhões de hectares de florestas e vegetação nativa a serem recuperados para sanear os déficits de reserva legal e áreas de preservação permanentes previstas no Código Florestal.

A agricultura brasileira é a mais produtiva dos trópicos, porém, o mesmo não ocorre com a produção pecuária. Hoje, são 1,3 animal por hectare em média no país. Temos a tecnologia e as condições para dobrar esta lotação para 2,6 por hectare em menos de uma década. Não é ciência de foguetes. Já há diversas propriedades no Brasil que superam três cabeças por hectare sem confinamento. Dobrando a produtividade média nacional, é possível atender à demanda futura de produção e ao mesmo tempo liberar 40 milhões de hectares para outras atividades.

Considerando o que está hoje subutilizado e o que pode ser liberado pelos ganhos de produtividade na pecuária, é possível atender às demandas de recuperação de passivos ambientais e aumento da produção de alimentos sem precisar desmatar mais nenhum hectare no Brasil; pelo contrário, é possível fazer tudo isso aumentando a base florestal com reflorestamento e revegetação de áreas degradadas prioritárias para conservação.

Já vimos que isso é possível. Em meados da década passada, foi aprovada a Lei da Mata Atlântica, que praticamente proibiu o desmatamento no bioma. Entre 2000 e 2016, a área agropecuária do estado de São Paulo diminuiu quase um milhão de hectares, enquanto a produção agrícola aumentou 50%, e a cobertura florestal cresceu mais de 800 mil hectares. A restrição do desmatamento provocou um aumento da eficiência e da produtividade no uso das terras destinadas à agropecuária.

É hora de o Brasil declarar uma moratória do desmatamento em todo o país até 2030 e focar nos próximos anos na expressiva melhora da eficiência de uso do solo, aliando aumento de produção agropecuária e florestal com manutenção e recuperação da vegetação nativa e a reabilitação de áreas degradadas. É o jogo de ganha-ganha para a sociedade, o planeta e a economia.

*Tasso Azevedo é engenheiro florestal