O globo, n. 30941, 24/04/2018. País, p. 3

 

Joesley volta à carga

Mates Coutinho

24/04/2018

 

 

Empresário presta novos depoimentos e promete mais detalhes sobre pagamentos a políticos

-BRASÍLIA- Quase um ano após a Operação Patmos, que abalou o mundo político a partir das delações premiadas de executivos do Grupo J&F, Joesley Batista voltou à carga, com novos documentos que atingem integrantes de todo o espectro ideológico, com detalhes sobre os pagamentos que fez a dezenas de partidos ao longo dos anos, boa parte deles por caixa dois.

Ao todo, Joesley está dando mais detalhes sobre 32 anexos complementares apresentados no ano passado, que reforçam as acusações de sua delação inicial, homologada em maio. Além disso, está trazendo novos documentos sobre os acertos criminosos com vários políticos e seus operadores financeiros. As novas revelações podem trazer mais complicações aos políticos já investigados no Supremo Tribunal Federal.

Os irmãos Joesley e Wesley Batista também prometem dar mais detalhes sobre o recebimento de supostas propinas disfarçadas de doações eleitorais para o ex-governador do Ceará Cid Gomes. Desde que o caso veio à tona, ainda na fase original do acordo de delação com a JBS, Cid disse que as acusações eram mentirosas e anunciou ação judicial contra os delatores.

Somente neste ano, Joesley prestou oito depoimentos à Polícia Federal em sete investigações, uma média de dois por mês, e já tem data marcada para novos depoimentos em maio nas investigações da Justiça do Mato Grosso sobre esquemas de corrupção durante a gestão do ex-governador Silval Barbosa (PMDB), entre 2010 e 2014. Neste caso, Joesley irá depor à Polícia Civil do MT para falar sobre as reduções de impostos que suas empresas conseguiram no estado depois de apoiar a campanha de Barbosa ao governo, em 2010. Silval Barbosa também aderiu à delação premiada e confirmou recebimento de doações irregulares da JBS.

DEPOIMENTOS EM SÉRIE

Joesley também já depôs nas investigações da Operação Greenfield, que apura fraudes em fundos de pensão; da Operação Bullish, que investiga fraudes nos aportes do BNDES às empresas dos irmãos Batista; no inquérito dos Portos, que apura suspeitas de corrupção envolvendo o presidente Michel Temer (PMDB); e também no inquérito que investiga o ministro Gilberto Kassab (PSD) por suspeita de receber R$ 350 mil mensais dos irmãos Batista ao longo de seis anos por meio de uma empresa de consultoria.

Além disso, Joesley depôs no dia 12 de abril, a pedido da PGR, em uma apuração sigilosa envolvendo o deputado federal João Carlos Bacelar (PRBA), e no dia 27 de fevereiro na investigação sobre o ex-procurador da República Marcelo Miller, suspeito de ter feito jogo duplo e orientado a colaboração do Grupo JBS enquanto estava no Ministério Público Federal.

O depoimento mais recente, prestado na quinta-feira da semana passada, foi sobre o ex-presidente do PSDB, senador Aécio Neves. Joesley foi ouvido, também a pedido da PGR, no âmbito de um inquérito aberto contra o tucano no STF, em decorrência de sua colaboração premiada, e falou aos investigadores da PF e da procuradoria sobre as acusações contra o ex-presidente do PSDB. Ele reafirmou que seu grupo repassou R$ 110 milhões para Aécio e seus aliados em 2014, na expectativa de uma contrapartida do parlamentar, e ainda entregou notas fiscais de pagamentos à rádio Arco Íris, pertencente à família de Aécio, que teria sido usada para repassar uma “mesada” de R$ 50 mil ao tucano. O empresário também entregou áudios de conversas do ex-diretor da J&F Ricardo Saud com Paulo Vasconcelos, marqueteiro de Aécio nas eleições de 2014 e que teria emitido notas frias para a campanha dele naquele ano.

Os anexos dos 32 depoimentos complementares de Joesley e os demais documentos para corroborar as acusações foram apresentados à PGR no dia 31 de agosto do ano passado, dentro do prazo dado pelo acordo de delação para que os colaboradores apresentassem novos elementos para ajudar nas investigações. Agora, ele vem depondo e detalhando as acusações quando é intimado pela PF ou pela PGR para falar.

Seu irmão, Wesley Batista, elaborou 12 novos anexos que também foram apresentados ano passado à PGR. Desde então, ele já prestou três depoimentos à PF. Os dois chegaram a ser presos em setembro, por suspeita de terem usado informação privilegiada para se beneficiar do impacto de seus acordos de colaboração premiada e faturar com a venda de dólares por meio de suas empresas. No mesmo período, a Procuradoria-Geral da República pediu a revogação dos benefícios do acordo firmado com Joesley e o ex-diretor do grupo empresarial Ricardo Saud após virem à tona os áudios das conversas gravadas acidentalmente entre Joesley e o ex-diretor que indicam a atuação de Miller para orientar os delatores.

Após o episódio, os irmãos contrataram uma nova equipe de advogados, comandada pelo criminalista André Luis Callegari, e, dois meses depois de serem presos, voltaram a colaborar com os investigadores. Desde novembro, eles vêm depondo no âmbito dos inquéritos abertos em decorrência de suas delações premiadas, e apresentando à PF documentos para corroborar as acusações que haviam sido entregues à PGR no dia 31 de agosto. Como houve o pedido de rompimento dos benefícios da delação, que ainda está em análise no STF, eles não chegaram a gravar depoimentos dos anexos complementares. A praxe adotada tem sido a de falarem à medida que são chamados pela PF e PGR para depor.

VALIDADE DAS PROVAS

Apesar de afirmar que o episódio envolvendo Miller tem indícios de que o ex-procurador teria atuado de forma ilegal para auxiliar os executivos da J&F, a PGR já se manifestou pela validade das provas obtidas graças aos colaboradores. A manifestação mais contundente neste sentido ocorreu durante o julgamento contra Aécio Neves pelo STF na semana passada. Para a procuradora-geral da República Raquel Dodge, Miller teria atuado em interesse próprio, sem o conhecimento do MP, ao orientar os colaboradores da JBS.

A Primeira Turma da Corte aceitou a denúncia e abriu ação penal contra o tucano por suspeita de corrupção e obstrução de Justiça. A defesa de Aécio vem negando as acusações e apontando que Miller teria orientado os delatores para armar contra o tucano.

 

REVELAÇÕES EXPLOSIVAS

O QUE FALTA DETALHAR

- SILVAL BARBOSA

Joesley afirmou que Barbosa (PMDB) o procurou na sede da JBS em 2010 em busca de apoio à campanha ao governo do Mato Grosso. Em troca, Barbosa prometeu que as empresas de Joesley teriam redução nos impostos, o que veio a ocorrer. Joesley irá depor em maio à Polícia Civil do estado.

- LISTAS DE CAIXA 2

O empresário dará mais detalhes sobre uma série de planilhas entregues à PGR de doações a políticos, desde a eleição de 2006. Nelas, estão destacados os pagamentos ilícitos, os feitos com notas fiscais frias ou superfaturadas e os feitos por entrega de dinheiro em espécie.

- CID GOMES

Joesley e Wesley afirmam que o ex-governador do Ceará teria recebido R$ 24,5 milhões em propinas nos anos de 2010 e 2014 por meio de doações oficiais e notas frias. Joesley tem para apresentar uma planilha detalhando os pagamentos a políticos indicados por Cid.

 

O QUE JÁ DISSE

- AÉCIO NEVES

Reafirmou que o tucano recebeu R$ 110 milhões da J&F em 2014 e que os valores estavam atrelados a uma atuação favorável aos negócios do grupo.

- MICHEL TEMER

Detalhou mais o encontro com Temer no Palácio do Jaburu. Confirmou as acusações e disse que fez gesto de dinheiro com os dedos ao perguntar ao presidente se podia tratar de todos os assuntos com Rodrigo Rocha Loures, que foi flagrado com malas de dinheiro da JBS.

- GEDDEL E PADILHA

Voltou a afirmar que os então ministros Geddel Vieira Lima e Eliseu Padilha ficaram responsáveis por monitorar a situação de Lúcio Funaro, operador do PMDB que acabou fazendo delação premiada.

- CIRO NOGUEIRA

Reafirmou que o presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI) adiou a saída de seu partido do governo Dilma, em 2016, após um pedido seu. Para tanto, o senador pediu R$ 8 milhões, que foram pagos no ano seguinte.