Valor econômico, v. 18, n. 4435, 02/02/2018. Política, p. A6.​

 

 

"É inadmissível desacatar a Justiça"

Vandson Lima e Luísa Martins

02/02/2018

 

 

Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), a ministra Cármen Lúcia foi categórica ao afirmar ontem, na sessão solene que marcou a abertura do Ano Judiciário de 2018, que "é inadmissível desacatar decisão judicial".

A fala ocorre uma semana após a condenação, em segunda instância pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Após o resultado, petistas falaram em perseguição política, acusaram os desembargadores de combinar os votos e defenderam "desobediência civil" em relação à decisão.

"Pode-se ser favorável ou desfavorável à decisão judicial. Pode-se buscar reformar a decisão, pelos meios legais. O que é inadmissível e inaceitável é desacatar a Justiça ou agredi-la", apontou a ministra.

"Justiça individual, fora do direito, não é justiça, senão vingança ou ato de força pessoal", completou Cármen que, apesar das pressões, garantiu a jornalistas em um jantar na terça-feira que não vai recolocar em pauta a discussão da prisão de condenado após julgamento em segunda instância por conta da decisão contra Lula. Para ela, pautar o assunto novamente em função de um caso específico seria "apequenar o Supremo".

Para a presidente, o acatamento irrestrito à lei "se impõe como dever, acima de qualquer outro" e quem não o faz é "um mau exemplo". "Não há civilização enquanto o direito não assume forma imperativa. A lei é, pois, a divisória entre a moral pública e a barbárie".

Na cerimônia, a presidente do STF esteve ladeada pelos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE) e pelo presidente da República Michel Temer, que não discursaram. No início da semana passada, Cármen acatou parcialmente uma reclamação do Movimento dos Advogados Trabalhistas Independentes (Mati) e suspendeu a posse da deputada federal Cristiane Brasil (PTB-RJ) para o comando do Ministério do Trabalho. O episódio irritou o Palácio do Planalto. "Que 2018 seja tempo de superação em nossa dificultosa história. Que se recordem de nós pelo que conseguimos contribuir para garantir que conquistas históricas não foram esquecidas a e República não se perdeu em nossas mãos".

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, defendeu em seu discurso que seja garantida a execução da sentença criminal após condenação em segunda instância. De acordo com ela, trata-se de uma medida importante para acabar com a "sensação de impunidade". "As decisões judiciais devem ser cumpridas. Os direitos, restaurados. E os culpados precisam pagar por seus erros. Só assim acaba a sensação de impunidade e se restabelece a confiança nas instituições", disse Dodge.

"O Ministério Público tem agido e pretende continuar a agir com o propósito de buscar resolutividade, para que a justiça seja bem distribuída; para que haja o cumprimento da sentença criminal após o duplo grau de jurisdição, que evita impunidade", disse Dodge. Temer, Maia e Eunício são investigados no âmbito na Operação Lava-Jato.

Já o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Claudio Lamachia, fez um discurso com referências às pressões de grupos políticos sobre integrantes da Justiça. "O Judiciário é alvo central dos que resistem ao saneamento das instituições. Assistimos tentativas inaceitáveis de constranger e influenciar magistrados por meio de pressões políticas", afirmou.