O globo, n. 30939, 22/04/2018. País, p. 4

 

Lava-Jato rastreia roteiro de desvios do Postalis até políticos

Aguirre Talento

22/04/2018

 

 

Segundo delação, escritório foi usado para lavar dinheiro para PMDB

Oito meses após captar R$ 62 milhões do Postalis, o fundo de pensão dos Correios, o grupo empresarial de Arthur Pinheiro Machado efetuou sucessivas transferências bancárias para um escritório de advocacia que, segundo seu próprio dono, lavava dinheiro para o PMDB, o Calazans de Freitas Advogados Associados. Ao detectar esses repasses, a LavaJato do Rio começou a traçar o caminho do dinheiro desviado dos aposentados dos Correios até políticos do partido.

Por causa dessas transações suspeitas, Machado e outros operadores foram presos no último dia 12 na Operação Rizoma, deflagrada no Rio — Milton Lyra, lobista ligado ao PMDB e ex-sócio de Machado, também foi alvo.

O dono do escritório, o advogado Flávio Calazans, fechou um acordo de delação premiada e afirmou que os contratos com Arthur Machado eram de fachada, sem prestação de serviços, apenas para lavar dinheiro. O GLOBO obteve detalhes inéditos da delação de Calazans, que está no Supremo Tribunal Federal. Além de afirmar que Milton Lyra intermediou esses contratos de fachada, Calazans entregou documentos que mostram transações bancárias e trocas de emails com os envolvidos.

Nos dias seguintes ao recebimento dos repasses, Calazans fazia sucessivas transferências a uma empresa usada para gerar dinheiro em espécie, a AP Energy — cujos donos delataram à Lava-Jato o pagamento de propinas ao senador Edison Lobão (PMDBMA). Lobão sempre negou essas acusações.

Entre março e outubro de 2014, o escritório de Calazans recebeu quatro transferências bancárias, no total de R$ 2,9 milhões, da Americas Trading Group (ATG) e da Alubam — ambas tinham Arthur Machado como sócio e Milton Lyra como integrante do conselho de administração.

Os extratos bancários revelam que, após os recebimentos, Calazans fazia transferências bancárias fracionadas à AP Energy, que totalizaram mais de R$ 3 milhões. Na delação, ele diz que todas as transações que efetuava eram por ordem do grupo de Lyra.

O dono da AP Energy, Fernando Mendes Brito, e seu filho Rodrigo Brito já haviam confirmado anteriormente à Polícia Federal (PF), em um outro inquérito, que a empresa gerava notas fiscais falsas e devolvia dinheiro em espécie.

A família Brito, porém, ainda não prestou depoimento à PF sobre as transações com o escritório Calazans de Freitas. Caberá a eles esclarecer aos investigadores qual o destino final dos recursos desviados dos aposentados dos Correios.

 

“PROPINA A PEDIDO DE LYRA"

Nos autos da Operação Rizoma, o Ministério Público Federal chama atenção para as movimentações financeiras entre as empresas de Machado e Calazans. O MPF diz que o escritório é “suspeito de ser utilizado para recebimento e repasse de valores a título de propina, a pedido de Milton Lyra”.

A Lava-Jato também detectou diversos outros repasses nebulosos envolvendo a ATG que estão sob investigação, como, por exemplo, transferências de mais de R$ 4 milhões para contas no exterior do operador financeiro Edward Penn. Em troca, segundo a investigação, os recursos eram devolvidos em dinheiro vivo no Brasil. Penn também foi preso na Operação Rizoma.

Procurada para comentar, a ATG afirmou que Machado foi afastado de suas funções após a prisão, frisou que a administração da empresa está sendo reformulada e que a atual direção “desconhece por completo os fatos ilícitos veiculados”.

A defesa de Arthur Machado nega irregularidades nos contratos e diz que a suspeita do MPF em relação a Calazans é “fantasiosa”. A defesa de Milton Lyra afirmou que suas sociedades e relações comerciais com Machado se encerraram em 2015. O advogado de Penn, Rafael Faria, negou irregularidades e afirmou que seu cliente “é empresário e sempre prestou importantes serviços para o mercado financeiro”.

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Contador de coronel trabalhou para Temer

Cleide Carvalho e Dimitrius Dantas

22/04/2018

 

 

Almir Ferreira assinou papeis de campanha à Câmara do presidente

 

A Operação Skala, que levou para a cadeia um dos principais amigos do presidente Michel Temer, o coronel João Baptista Lima Sobrinho, também atingiu outro personagem ligado ao peemedebista. Entre os alvos da polícia estava Almir Martins Ferreira, intimado a depor na condição de contador da Argeplan, a empresa de arquitetura de Lima. Ele foi responsável por assinar as contas da campanha a deputado federal de Temer, em 1994.

A ligação com Lima tornouse um problema para o presidente no ano passado, quando o executivo Ricardo Saud, delator do grupo J&F, afirmou que Temer lhe pediu que entregasse R$ 1 milhão em espécie ao coronel Lima, e que o dinheiro foi levado até a sede da Argeplan. Temer nega o fato.

A primeira prestação de serviço de Ferreira à empresa de Lima foi feita três anos depois da campanha de 1994. Em 1997, ele assinou como testemunha um contrato de sociedade firmado entre Carlos Alberto Costa e Maria Eloisa Brito Neves, sócios na Argeplan. A Justiça, aliás, decretou a prisão temporária dos dois para dar explicações sobre serviços prestados a empresas que operam no Porto de Santos. Ferreira também aparece como testemunha, em 2003, no contrato da PDA Projetos, empresa do coronel Lima e Maria Rita Fratezi, sua mulher. Maria Rita ficou conhecida por ter feito pagamentos em dinheiro para a obra de reforma da casa da filha de Temer.

Atualmente, Ferreira é dono de duas empresas, a MF Serviços Contábeis e a Atual Serviços de Contabilidade. De acordo com o registro na Receita Federal, as duas são ativas e funcionam em endereços modestos na periferia de São Paulo. Num deles, em Poá, na região metropolitana, O GLOBO foi informado que ali mora uma filha de Ferreira, que não estava no local. No outro, no bairro de São Miguel Paulista, na Zona Leste da capital, a moradora disse não conhecer Ferreira. Ele aparece ainda, na Junta Comercial de São Paulo, como gerente delegado da consultoria de gestão Eliland, que tem como sócia a empresa Elieland, com sede no Uruguai.

Almir Ferreira não foi localizado pelo GLOBO e funcionários da Argeplan dizem não estar autorizados a dar informações sobre ele. O GLOBO conseguiu falar com a mulher do contador, Heliomar Ferreira. Ela afirmou que o casal mora em Itupeva, interior do estado, mas se recusou a dar qualquer telefone de contato do marido. O advogado do coronel Lima não retornou o contato. A assessoria de imprensa do Planalto não quis se manifestar.

A Operação Skala foi deflagrada com o objetivo de coletar provas para o inquérito que investiga se Temer editou um decreto a fim de favorecer empresas que atuam no porto de Santos, em troca de propina. O presidente nega.