O globo, n. 30951, 04/05/2018. País, p. 6

 

Lava-jato mira doleiros e desvios de US$ 1,6 BI

Juliana Castro, Julia Cople, Chico Otavio e Daniel Biaseto

04/05/2018

 

 

Segundo coordenador da força-tarefa do Rio, estrutura que pode ser revelada tem ‘potencial explosivo’

A força-tarefa da Lava-Jato no Rio golpeou ontem peças importantes no quebra-cabeça de lavagem de dinheiro e corrupção no país: os doleiros. Entre 2008 e 2017, movimentações de US$ 1,6 bilhão foram feitas por meio de mais de 3 mil empresas offshores, pistas que podem levar a uma estrutura ainda maior e complexa, cujo potencial é explosivo, nas palavras do Ministério Público Federal (MPF).

A Operação “Câmbio, Desligo” busca identificar os beneficiários dessas offshores, com contas em 52 países, levando a investigação a outro patamar. É desse trabalho que podem surgir, por exemplo, novos nomes de políticos e empresários que buscavam os serviços de remessa ilegal de recursos.

Entre os 53 mandados de prisão no Brasil e no exterior expedidos pelo juiz Marcelo Bretas, estava o de Dario Messer, conhecido como “o doleiro dos doleiros”, que tem cidadania paraguaia. Ele não havia sido localizado até o início da noite de ontem. A maioria dos alvos da ação é de doleiros, identificados a partir da delação de dois de seus colegas de “profissão”: Vinicius Claret, o “Juca Bala”, e Cláudio Fernando Barbosa, o “Tony”. Eles operavam para a Odebrecht e também foram usados quando o esquema do ex-governador Sérgio Cabral (PMDB) passou a ser tão grande que os doleiros do peemedebista, os irmãos Marcelo e Renato Chebar, não conseguiram dar mais conta de movimentar todo o dinheiro sem despertar a desconfiança das autoridades.

— Essa talvez seja a maior operação de combate à lavagem de dinheiro desde a do Banestado (escândalo do início dos anos 2000 que envolvia remessas ilegais de dinheiro ao exterior por meio de doleiros). Se pensarmos que a Operação Lava-Jato começou em 2014 com a colaboração de um doleiro, podemos prever o que sairá dessas prisões dos doleiros que estão sendo feitas hoje. O potencial realmente é explosivo— afirmou o coordenador da forçatarefa da Lava-Jato no Rio, Eduardo El Hage.

No sistema que Juca e Tony desenvolveram para controlar as transações, estão relacionadas as mais de 3 mil offshores e transações que somam mais de US$ 1,6 bilhão. Somente os dois doleiros tinham um volume diário de operações de R$ 1 milhão entre 2010 e 2016. Juca e Tony trabalhavam com Messer, que contava com prestígio e confiança para arregimentar clientes. A defesa de Messer não foi localizada. Os doleiros delatores deixaram a cadeia ontem, após um ano e dois meses. Agora, ficarão presos em casa.

 

EMERSON SHEIK É CITADO

Os procuradores consideram Cabral um exemplo de agente público comprador de dólares e usuário do sistema paralelo para enviar recursos de propina ao exterior. De acordo com as investigações, o ex-governador enviou mais de US$ 101 milhões pelo sistema de dólar-cabo (entenda no infográfico desta página). O advogado Rodrigo Roca, que defende o peemedebista, disse que “a operação em nada afeta a defesa do ex-governador, não se refere à sua pessoa e nem ao seu mandato”.

O jogador Emerson Sheik, do Corinthians, aparece citado na delação de Tony. Segundo ele, o atacante fez uma transação com um operador brasileiro e o próprio doleiro quando teria vendido cerca de US$ 500 mil para receber o montante em reais no Brasil. Procurada, a assessoria do jogador não se manifestou sobre o caso.

— Essa operação abre portas para entrar em um universo desconhecido. Entramos na essência de todos os operadores financeiros, na primeira camada de operadores financeiros de várias organizações criminosas — afirmou o procurador Rodrigo Timóteo, durante a coletiva de imprensa. — Podem ter outros políticos, outros empresários... Existe muito a ser investigado — acrescentou o procurador.

Até a tarde de ontem, 33 dos 53 mandados de prisão haviam sido cumpridos, sendo 13 no Rio e três no Uruguai. Os alvos são acusados de cometer os crimes de lavagem de dinheiro, evasão de divisas e corrupção ativa e passiva.

Para driblar a fiscalização dos órgãos de controle financeiro, as organizações criminosas passaram a desenvolver sofisticados esquemas de movimentação de recursos no Brasil e no exterior. O sistema de compensação permite aos grupos praticar crimes de lavagem de dinheiro, evasão de divisas e gestão fraudulenta de instituição financeira, por exemplo, por meio de uma rede de doleiros. Eles são procurados por clientes que têm reais no Brasil e querem remetêlos ao exterior sem o conhecimento das autoridades brasileiras e por pessoas e empresas que querem fazer o caminho inverso — têm dinheiro em contas estrangeiras e querem ter os recursos disponibilizados no Brasil. Essa é a chamada operação de dólar-cabo, para qual os doleiros cobram taxas. O que eles fazem é gerir a demanda de dólar no exterior e de real no Brasil.

 

PF NÃO COMPARECEU À COLETIVA

Diferentemente do que aconteceu em operações anteriores, a Polícia Federal não participou da entrevista coletiva da Operação “Câmbio, Desligo”. O Ministério Público Federal afirmou que, na véspera da ação, foi informado que a Polícia Federal não falaria com os jornalistas por uma determinação vinda de Brasília. Segundo um auxiliar do diretor-geral da PF, Rogério Galloro, a ordem agora é reduzir ao máximo entrevistas de representantes da polícia sobre investigações criminais.