O globo, n. 30951, 04/05/2018. Economia, p. 17
Dólar sob pressão
Ana Paula Ribeiro, Daiane Costa, Gabriela Valente e Bárbara Nascimento
04/05/2018
Com ação do BC, moeda americana recua 0,53%, a R$ 3,531, mas mantém maior patamar em 2 anos
-SÃO PAULO, RIO E BRASÍLIA- A valorização do dólar comercial dos últimos dias levou o Banco Central (BC) a entrar ontem no mercado, no fim da manhã. Mesmo assim, a cotação resistiu a ceder, tendo registrado a máxima de R$ 3,568 antes de encerrar em queda de 0,53%, a R$ 3,531, maior patamar em dois anos. Para analistas, a moeda deve continuar sob pressão e dificilmente voltará aos níveis do início do ano, em torno de R$ 3,20. Se o câmbio se mantiver na casa dos R$ 3,50, economistas veem impacto de até mais 0,5 ponto percentual na inflação este ano, cujas projeções estão em torno dos 3%.
Para a equipe econômica, o avanço da moeda americana é global, e, segundo técnicos ouvidos pelo GLOBO, o objetivo do BC é combater a volatilidade da moeda americana, não criar um teto. Para isso, a autoridade monetária está disposta a ofertar quantos contratos de swap (operação que equivale à venda de dólares no mercado futuro) forem necessários.
— A atuação do BC serviu para segurar o ímpeto, e o cenário externo também ajudou. Mas não vamos mais ver o dólar a R$ 3,30. Temos alta de juros nos Estados Unidos, eleições no Brasil e a falta de aprovação das reformas. Esse cenário não é propício para uma queda substancial do dólar a curto prazo — diz Reginaldo Galhardo, gerente de câmbio da Treviso Corretora.
O mercado de câmbio abriu ontem atento à decisão do BC, que na véspera anunciara que começaria a rolar os contratos de swap cambial com vencimento em 1º de junho. Ao todo, são 113 mil contratos, o equivalente a US$ 5,65 bilhões. A operação em si não é novidade, mas, como o BC estabeleceu a rolagem de 8,9 mil contratos ao dia, a interpretação dos investidores foi que o volume refinanciado vai ultrapassar o total a vencer, o que representaria, na prática, injetar liquidez no mercado.
ALTA DO CÂMBIO VAI PRESSIONAR INFLAÇÃO
Cleber Alessie, analista da corretora H.Commcor, observa que, se esse volume for mantido até o fim do mês, serão rolados 169,1 mil contratos. Isso significaria um volume adicional de US$ 2,85 bilhões no mercado.
— Existe um potencial do BC colocar novos contratos. Isso não está explícito, mas o BC deixou essa mensagem no ar — afirma Alessie.
Ele reconhece que a contribuição dos leilões do BC, mas ressalta que, lá fora, o dólar recuou. O Dollar Index, da Bloomberg, que mede o comportamento da divisa americana frente a uma cesta de dez moedas, tinha queda de 0,1% no momento do encerramento dos negócios no Brasil.
— O BC está tendo calma ao atuar, porque a volatilidade vem quase toda de fora. O grosso da volatilidade vem do exterior, mas já há alguma preocupação com o cenário político — adverte Alessie.
O BC divulgou ontem uma nota para acalmar o mercado, na qual quis mostrar, de forma clara, que garantirá que não faltem recursos na praça. Na visão dos técnicos, essa foi a razão de o comportamento do dólar no Brasil ter sido diferente do da Argentina, onde a moeda americana subiu.
O momento é de observar com atenção o movimento do dólar, mas ainda não há motivos para preocupação. A avaliação dos economistas do governo é que, diferentemente de 2002, quando o dólar encostou em R$ 4, a volatilidade agora vem do cenário externo. Além disso, há segurança porque o país é credor líquido em dólar. Isso quer dizer que, se o dólar sobe, a dívida líquida do Brasil cai.
Caso a incerteza política aumente com a proximidade das eleições, no caso de algum candidato não alinhado com as reformas se destaque nas pesquisas, a volatilidade deve subir. Para analistas, isso levaria o BC a intensificar sua atuação. Além dos contratos de swap, poderia também ofertar leilões de linha, que é a venda do dólar ao mercado com compromisso de recompra, o que é feito em momentos de baixa liquidez — o último foi em março. Já novos swaps não eram emitidos desde maio de 2017, quando houve a delação dos executivos da JBS.
O estoque dos contratos de swap do BC é hoje de cerca de US$ 24 bilhões. Já chegou a US$ 115 bilhões. Baixar o estoque de swaps foi uma estratégia adotada pelo presidente do BC, Ilan Goldfajn, após assumir, há dois anos. Quando o volume de swap é muito grande, a autoridade monetária é criticada, porque os rendimentos pagos pelo Banco Central engordam a dívida pública.
Apesar de a alta do dólar ter impacto na inflação — o reflexo mais imediato será no preço da gasolina —, economistas não veem risco de descumprimento da meta do BC, de 4,5%. Atualmente, o IPCA acumulado em 12 meses está em 2,68%.
— É claro que, apesar da demanda fraca, se o dólar se consolidar no patamar dos R$ 3,50, ou se, em função do cenário externo e da incerteza política, tivermos novas desvalorizações, as projeções para o IPCA tendem a subir, pelo menos bem mais do que indicado antes. Ou seja, o tal do “novo normal” de IPCA de 3%, infelizmente já era —avalia Luiz Roberto Cunha, economista da PUC-Rio.
Uma das razões externas para a pressão sobre o dólar é o temor de uma elevação mais rápida dos juros nos Estados Unidos, hoje no intervalo entre 1,5% e 1,75% ao ano. Isso reduziria a atratividade dos investimentos em mercados emergentes, como o Brasil. Hoje se esperam três altas, mas os recentes dados de aquecimento da economia levaram analistas a falar em quatro elevações. A preocupação com um acirramento das disputas comerciais também ajuda a pressionar a moeda.