Título: Terras indígenas nas mãos do Legislativo
Autor: Sassine, Vinicius
Fonte: Correio Braziliense, 21/03/2012, Política, p. 6
Executivo está prestes a sofrer derrota no Congresso e perder a prerrogativa de demarcar esses terrenos. Medida esvazia poderes de órgãos como a Funai
O Palácio do Planalto está próximo de ser atropelado novamente pela bancada ruralista na Câmara, capitaneada pelo PMDB. E, desta vez, com um empurrão do próprio governo. Deputados do PT precisaram lançar mão ontem, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, de diversos recursos para obstruir a votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 215, de 2000. Faltou apenas um deputado no plenário da CCJ para garantir o quórum necessário à votação, o que não ocorreu. A PEC 215 atribui ao Congresso Nacional competência exclusiva na demarcação de terras indígenas, unidades de conservação e comunidades quilombolas.
A Constituição Federal garante essa atribuição ao Executivo, ou seja, tratam-se de ações administrativas, e não legislativas. No fim do ano passado, o então líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), participou de acordo entre os partidos para colocar a PEC 215 em votação no início desta legislatura. Agora, governo e deputados petistas tentam adiar essa sessão na CCJ.
Depois de diversos requerimentos e discursos prolongados, uma forma de impedir a votação da PEC 215 no plenário da CCJ, os petistas — com o apoio do Partido Verde (PV) — conseguiram derrubar o quórum. Na votação do último requerimento, apresentado na tarde de ontem, estavam presentes 33 deputados, enquanto eram necessários 34 para votar a PEC 215.
A crise entre os aliados, o festival de chantagens políticas em razão da fragilidade da base e o rolo compressor da bancada ruralista — que já usou esse recurso na votação do novo Código Florestal — fizeram o governo se comprometer, no encerramento do último ano legislativo, com a inclusão da PEC 215 na pauta da CCJ no ano seguinte. O compromisso com os ruralistas foi de inclusão já na primeira sessão da comissão.
Ao assumir a presidência da CCJ neste ano, o deputado Ricardo Berzoini (PT-SP) se comprometeu com a Fundação Nacional do Índio (Funai) e com lideranças indígenas de que não colocaria a PEC em votação na primeira sessão do ano. A inclusão foi feita somente ontem. "Do ponto de vista regimental, nada me obriga a colocar em votação amanhã (hoje). Mas existe um acordo político firmado no fim do ano", disse Berzoini, acrescentando que decidiria com o novo líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), se a proposta será votada hoje.
A PEC 215 reúne mais 11 propostas com conteúdos semelhantes. Duas delas estendem a exclusividade do Congresso Nacional na demarcação de terras para unidades de conservação e comunidades quilombolas. Na prática, o projeto retira do Executivo essa atribuição e faz com que novas demarcações só sejam feitas por meio de projetos de lei, ou seja, por deputados e senadores. O poder é atribuído também às Assembleias Legislativas, conforme uma das propostas apensadas.
Instituições Se a PEC 215 for aprovada, três órgãos do governo federal serão esvaziados em sua essência: Funai, Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e Fundação Cultural Palmares. São as instituições responsáveis por novos estudos e demarcações de terras indígenas, unidades de conservação e comunidades quilombolas, respectivamente.