O globo, n. 30948, 01/05/2018. Economia, p. 20

 

‘Insegurança jurídica é a expressão da moda’

João Batista Brito Pereira e Geralda Doca

01/05/2018

 

 

À frente do TST, ministro Brito Pereira afirma que a queda da medida provisória (MP) 808, que alterava pontos da reforma trabalhista, não aumentou o grau de incertezas. Em sua opinião, os empresários voltarão a contratar na medida de suas necessidades, se a economia crescer

Há dois meses na presidência do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Brito Pereira defende a reforma trabalhista, mas avalia que o fim do imposto sindical obrigatório e a restrição ao acesso dos trabalhadores à Justiça gratuita são polêmicos e podem cair no Supremo Tribunal Federal (STF). Ele adianta que somente em agosto o TST terá condições de dar a palavra final sobre a abrangência da reforma, se vale para contratos e processos antigos. Mas os juízes trabalhistas continuarão tendo liberdade para decidir.

Como fica a Justiça trabalhista com a redução do número dos processos por causa da reforma?

A redução do número de processos é um episódio muito recente. Não dá para avaliar nem a consequência real nem a origem dela. Não é possível dizer como fica, porque a Justiça do Trabalho apenas julga os processos. Se o efeito é resultado da novidade legislativa, isso não nos diz respeito.

Mas se a queda se confirmar, a Justiça do Trabalho será mais eficiente?

Se a queda no número de ações se confirmar, nós vamos diminuir o tempo de permanência dos processos na Justiça de Trabalho. Vamos dizer mais cedo ao trabalhador, por exemplo, o que ele tem direito, determinar uma sentença. Mas eu prevejo que apenas em dois anos é que nós vamos ter mais claro esse movimento. Isso é um ciclo.

A CLT deixou de ser paternalista com a reforma?

Não. A CLT recebeu essas mudanças, mas continua com o seu papel, que é de regular as relações do trabalho. Nós temos um instrumento extraordinário, que é a negociação coletiva, que hoje está muito amadurecida. Os sindicatos estão bem formados e profissionalizados. Essa mudança foi grande, mas ela vai se ajustando. O Congresso Nacional está de olho na legislação trabalhista. Lá, eles têm informações de toda a sociedade.

Como está a relação do TST com sindicalistas e advogados trabalhistas?

Cada dia melhor. Já recebi quase todas as centrais sindicais e federações de empregadores. O Tribunal está de portas abertas. Os advogados têm um relacionamento muito fraterno com o Tribunal, nós conversamos muito, porque eles têm, inclusive, como contribuir conosco.

O senhor concorda que temos muitos sindicatos e que, com o fim do imposto sindical obrigatório, só os fortes vão sobreviver?

Concordo que temos muitos sindicatos, mas o nosso modelo é que conspira a favor dessa proliferação. A Constituição permitiu que cada município tenha o seu sindicato (por categoria). Ainda há sindicatos que são quase repetições, mas por categorias diferentes. Isso é bom para os trabalhadores. Não creio que perderemos sindicatos. É possível que se aglutinem, mas isso não vai alterar a nossa conformação. Eu acredito numa solução por eles mesmos. Todos os sindicatos, mesmo os pequenos, são bem informados e estão preparados.

Na sua opinião, quais itens da reforma são inconstitucionais?

Diria que os pontos mais polêmicos e mais preocupantes, como o fim do imposto sindical obrigatório e a restrição à gratuidade de Justiça, já estão no Supremo Tribunal Federal.

Qual é a sua expectativa em relação ao julgamento do STF da ação da Procuradoria-Geral da República (PGR), nesta semana, que trata da gratuidade de Justiça?

Esse é um tema polêmico, importante. Nós precisamos, todos os operadores do Direito, jogar luzes nesse tema. Eu tenho uma boa expectativa em relação à decisão do Supremo.

Em que vai resultar o trabalho da comissão do TST que está estudando a reforma?

Eles entregarão um estudo sobre todos os temas da reforma para ver se é possível oferecer um norte para primeiro e segundo graus. Ainda não sabemos qual modelo vamos adotar, se é uma resolução administrativa ou uma instrução normativa. Posso adiantar que o ato que viermos a praticar não terá efeito vinculante, não vai interferir na atividade do juiz, que continuará tendo autonomia para julgar. Quando os recursos começarem a chegar aqui, provavelmente em agosto, é possível que já tenhamos amadurecido essas ideias.

Quando a comissão concluirá os trabalhos?

Estamos na expectativa de receber esse trabalho no fim de maio. Vamos discutir em junho. Teremos muitos encontros, porque (o tema) é complexo, longo e delicado.

Quando o TST tomará uma posição definitiva?

Antes de agosto não se terá a conclusão.

A queda da medida provisória 808, que alterava pontos da reforma, aumentou a insegurança jurídica?

Não identifico isso nem com a medida provisória 808 nem sem ela. A reforma está sendo questionada no Supremo, o que é bom até para as garantias, para todo mundo. O julgamento das ações pelo STF, em qualquer direção, tem efeito vinculante. Eu não tenho sentimento de insegurança jurídica, tenho algumas dúvidas. Isso vai durar toda a vida. Temos questões aqui que foram modificadas na CLT há mais de dez anos e só agora começamos a debater.

Mas o que mais se ouve dos empresários é que a reforma está cercada de insegurança jurídica...

Insegurança jurídica é a expressão da moda. Eu me recordo que na edição do novo CPC (Código de Processo Civil), que levou um ano para a sua vigência, muito se falou sobre insegurança jurídica. O TST fez uma semana de estudos com os ministros para identificar quais as normas do CPC poderiam ser aplicadas ao processo do trabalho. Depois que os colegas terminaram o trabalho, nós editamos uma resolução para definir os temas.

Os empresários podem contratar sem medo dentro das novas normas?

Eu não posso dizer isso. Tenho dito para os empresários que recebo aqui que eles devem preservar seus empregados porque cada empregado é um investimento. Agora, independentemente do meu conselho, o empresário é livre. O mundo está girando, a economia está girando. Nós vivemos em um Estado democrático de direito em que o Legislativo faz a lei. Cabe ao Judiciário aplicá-la. Dentro dessa aplicação, temos as variáveis. Os empresários contratam na medida das necessidades. Se a economia voltar a crescer, eles contratam.

Na sua opinião, como deve ser o comportamento dos trabalhadores diante das mudanças da legislação trabalhista?

O trabalhador não está sozinho. Ele tem a lei e tem o sindicato da categoria, que é o porto seguro dele. Então, ele tem que procurar o sindicato dele. Isso retira o enfrentamento direto. Se tiver que conversar com o dono da empresa, deve passar pelo sindicato e pedir uma orientação. O trabalhador deve fazer isso para começar bem o diálogo.