O globo, n. 30958, 11/05/2018. Artigos, p. 17

 

Machismo na política usa maquiagem

Thereza Collor

11/05/2018

 

 

As mulheres não conseguem aumentar sua participação política porque “mulher não vota em mulher”. É muito comum ouvirmos essa justificativa diante do paradoxo de sermos 52% do eleitorado e ocuparmos, a cada pleito, uma minoria nos legislativos. Neste momento, ocupamos 11,2% das cadeiras do Congresso Nacional, 86 anos depois de termos obtido o direito ao voto. Esse raciocínio de que a própria mulher é inimiga das candidaturas femininas é absolutamente incorreto e, na verdade, machista — mesmo quando propagado até por bocas femininas.

Essa é, na realidade, a fórmula que se usa para fazer pensar que a mulher é a própria culpada dessa condição. Mas sabemos que, mesmo ainda distantes do poder institucional, nós, mulheres, fazemos política o tempo todo, dentro de nossas famílias, na vizinhança, nos nossos grupos de atuação. E sabemos, até por essa nossa experiência política, que temos sororidade (do latim soror, que significa irmã) tanto quanto os homens têm fraternidade.

No âmbito do Poder Legislativo, a situação no Brasil chega a ser vexatória. Nossa participação relega o país à 152ª linha da lista de 190 nações pesquisadas, no estudo “Estatísticas de Gênero”, divulgado pelo IBGE. Perdemos até para o Afeganistão. O que acontece, na realidade, não é por falta de empatia entre mulheres. É que o nosso sistema político, mesmo tão masculino, usa muita maquiagem. É um make-up tão esmerado para encobrir as rugas da discriminação que equivoca não só mulheres, mas todos os gêneros bem-intencionados. Então é essa maquiagem que precisamos limpar.

É necessário identificar os principais cosméticos aplicados no sistema político. Depois de muita reivindicação, a legislação nos garantiu 30% dos registros de candidaturas nos partidos, a chamada cota de gênero. Mas essa cota, ainda pequena, em 2016, realmente garantiu que 31,89% dos brasileiros que se candidataram fossem mulheres. Porém, muitas sequer sabiam que eram candidatas. De 16 mil candidatos sem votos, nada menos que 14.417 foram mulheres. Muitas serviram de laranjas, outras não tiveram verbas para as campanhas, outras foram usadas como “escadinhas” para levar votos até a candidatos com propósitos machistas.

Agora, a novidade do sistema é que os partidos serão obrigados a destinarem também 30% de seu Fundo Partidário para as mulheres. Mas ainda não sabemos como esse sistema será fiscalizado. Há dúvidas ainda de todos os tipos. Por exemplo: teremos também 30% da distribuição do tempo da propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão? Até agora, não sabemos com certeza quais garantias teremos.

Além do sistema eleitoral, há um arcabouço de dificuldades. É preciso prestar mais atenção ao que reproduzimos. Quando uma mulher muda o tom de voz, quando ela contesta, ou se indigna, não significa que seja desequilibrada. É necessário detectar o machismo em cada abordagem, e tentar mudar essa situação. Não com radicalismo, mas com sabedoria, com questionamentos e perspicácia.

Quando me perguntam, por exemplo, se eu sou feminista, gostaria de devolver perguntando se essa mesma questão foi levada aos précandidatos do sexo masculino. Perguntam se eles são machistas? Ou feministas?

Candidaturas femininas não precisam ficar presas em questões de gênero, nem se radicalizar. Também não temos que masculinizar nossa participação. Mulher vota em homem e em mulher também. Igualdade de condições, propostas bem embasadas, honestidade, ficha limpa, capacidade, coragem, equilíbrio, inteligência são o que precisa estar nas urnas de outubro. Tanto para quem postula o voto, quanto para quem aposta numa candidatura.

*Thereza Collor é historiadora