Valor econômico, v. 18, n. 4462, 15/03/2018. Política, p. A9.​

 

 

Ciro critica política cambial em evento com empresários

André Guilherme Vieira e Marli Olmos

15/03/2018

 

 

O pré-candidato do PDT à Presidência, Ciro Gomes, aproveitou, ontem, a oportunidade de falar a uma plateia formada por representantes de empresas para criticar a atual política econômica. Disse que a valorização do real acontece "de um jeito artificial", criticou os ciclos de consumo que, segundo ele, "derrubaram os governos de Fernando Henrique Cardoso e Dilma Rousseff" e, sem dar detalhes, prometeu, se eleito, um plano desenvolvimentista voltado à industrialização do país.

"O país deveria procurar administrar sua taxa de câmbio sem artificialismos, porque o que dá a taxa de câmbio realmente é a sanidade do balanço de pagamentos. O câmbio é uma variável orgânica do balanço. Então, não tem muita margem para você mexer nisso, e nem deve", afirmou, em entrevista que concedeu após apresentar propostas e responder a perguntas em evento na Câmara Americana de Comércio (Amcham), em São Paulo.

Ciro inaugurou uma série de debates que a câmara americana pretende promover com todos os candidatos à Presidência. Não foi o melhor dia para falar com quem decide no mundo corporativo. O pré-candidato do PDT sofreu a concorrência do Fórum Econômico, no mesmo dia, também em São Paulo, que atraiu dirigentes de empresas que queriam ouvir autoridades como o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e executivos da área financeira, como o presidente do conselho do Bradesco, Luiz Trabuco.

Durante palestra, Ciro destacou sua preocupação com o déficit fiscal, com o alto nível de endividamento das famílias e empresas e com a baixa colocação do Brasil no ranking de pesquisa acadêmica. Disse, ainda, que o crescimento do país não se sustentará apenas no agronegócio. E, por isso, lançou, como bandeira, o incentivo à produção industrial. "Um país com 206 milhões de bocas para alimentar não pode pensar em se desindustrializar".

Ao ser questionado por um participante sobre quais reformas seriam prioritárias em seu governo o pré-candidato do PDT disse que a fiscal é a mais urgente. "Mas o Brasil precisa se reformar em outras coisas. Enfrentamos uma violência sem precedentes com um orçamento reduzido", destacou ao considerar, ainda, que acionar as forças armadas é "um equívoco grosseiro". Para ele, a ocupação do Rio de Janeiro por tropas do Exército não resolverá o problema do tráfico de drogas e do crime organizado. "Rapidamente o generalato vai estar recebendo suborno", disse.

Na opinião do presidenciável do PDT, a existência de paraísos fiscais torna ainda mais difícil o combate ao narcotráfico porque esses locais são utilizados para lavagem de dinheiro do crime. Em seguida, aproveitou o tema para fazer uma crítica ao ministro da Fazenda Henrique Meirelles, pré-candidato do PSD ao Planalto: " Meirelles guarda a sua poupança num paraíso fiscal", afirmou.

A ausência de grandes dirigentes de empresas ao evento não significa, no entanto, que o setor produtivo não quer saber o que o pré-candidato do PDT tem a dizer. Na plateia havia dezenas de executivos de grandes grupos, como Votorantim, patrocinadora dos debates, e Amil. Além disso, foram ouvir Ciro vários consultores interessados em colher informações para análises sobre candidatos, que certamente serão encaminhadas a empresários.

Na plateia de ontem, embora muitos tenham se impressionado, por um lado, pela brilhante memória de Ciro e a bagagem de conhecimento econômico que ele carrega como ex-ministro da Fazenda, vários disseram que ainda não se sentem convencidos pelo pré-candidato do PDT. "Suas propostas parecem boas, mas há muita coisa, ainda, nebulosa", disse um deles.

Ao falar com jornalistas, à saída do evento, Ciro foi questionado sobre declaração do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que consta do livro "A Verdade Vencerá", que será lançado amanhã.

Na publicação, Lula diz que Ciro não "perde a oportunidade" de falar mal do PT. "Acho que ele é uma figura inteligente. Inteligente até certo ponto, porque se fosse inteligente mesmo, estaria defendendo o PT agora, se acredita mesmo que não vou ser candidato", diz o petista no livro.

Ciro disse que "existe uma usina de intriga nessa área", à qual atribuiu dois motivos. "Um: o medo de que nós [partidos da esquerda] nos unamos todos pra enfrentar isso daí [o atual modelo econômico]. E estaremos unidos no segundo turno, ninguém duvide. O outro é a própria burocracia do PT, uma parte dela que precisa dessa intriga para tentar manter o capital político do Lula intacto até o dia em que ele for removido [da disputa eleitoral]". Condenado em segunda instância por corrupção e lavagem, Lula se tornará ficha-suja caso seu eventual registro de candidatura tenha pedido de impugnação ajuizado pelo Ministério Público Eleitoral ou partido político.