Valor econômico, v. 18, n. 4462, 15/03/2018. Especial, p. A14.
Crise entre Reino Unido e Rússia se agrava
Henry Mance, David Bond e Max Seddon
15/03/2018
Os EUA culparam ontem a Rússia pela tentativa de assassinato do ex-agente duplo Sergei Skripal, afirmando estar "absolutamente solidários" com o Reino Unido na questão. Londres anunciou ontem que expulsará 23 diplomatas russos devido ao incidente, numa escalada da crise entre os dois países.
Nikki Haley, embaixadora dos EUA nas Nações Unidas (ONU), pediu a "completa cooperação" de Moscou com a investigação do ataque com arma química em Salisbury, durante reunião de urgência do Conselho de Segurança solicitada pelo governo britânico.
Antes, o Reino Unido disse que expulsará 23 diplomatas russos considerados espiões não declarados e suspenderá todos os contatos de alto nível com Moscou, na primeira retaliação pela suspeita de envolvimento russo no envenenamento de Skripal.
A premiê Theresa May disse que o Reino Unido trabalhará com seus aliados para combater "a agressão do Estado russo", no primeiro sinal de que o choque diplomático bilateral poderá se transformar em um impasse internacional mais amplo.
A Rússia, que denunciou a "provocação grosseira e sem precedentes" do Reino Unido, deverá anunciar hoje contramedidas, o que por sua vez poderá levar a novas ações britânicas.
O Conselho de Segurança da ONU reuniu-se ontem, a pedido do Reino Unido, para por os membros a par da investigação. No começo da sessão, os EUA disseram acreditar que a Rússia foi responsável pelo ataque, enquanto o Reino Unido afirmou que vai convidar a Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPAQ) para verificar "de maneira independente" o agente neurotóxico usado.
Antes, Donald Tusk, o presidente do Conselho Europeu, disse estar pronto para colocar a questão na agenda da próxima reunião do órgão, na semana que vem.
A resposta do Reino Unido ao envenenamento de Skripal e sua filha já é mais rápida e ampla que a reação ao assassinato de Alexander Litvinenko, um ex-espião russo morto em Londres em 2006. Autoridades disseram que aprenderam a lição das "táticas protelatórias" de Moscou na ocasião, quando quatro diplomatas russos acabaram sendo expulsos do país.
May disse que a expulsão dos russos é a maior em mais de 30 anos e que vai "basicamente decompor" a capacidade de inteligência da Rússia no Reino Unido. Os diplomatas, que têm uma semana para ir embora, representam quase metade dos 58 representantes russos no país. O grupo de 23 pode incluir jornalistas e indivíduos que trabalham em empresas e bancos russos.
A premiê disse ainda que nenhum ministro ou membro da família real participará da Copa do Mundo de futebol na Rússia, e que um convite a Sergei Lavrov, o chanceler russo, para visitar o Reino Unido será retirado. Moscou disse que Lavrov não aceitou o convite.
Londres também tentará implementar novas leis contra "todas as formas de atividades de Estados hostis", incluindo o poder para deter nas fronteiras suspeitos dessas atividades. Novas atribuições de contraespionagem serão consideradas no Ministério do Interior.
O Reino Unido deverá empregar poderes legais que miram associados de criminosos conhecidos. "Essas medidas reforçarão medidas que já estamos tomando para assegurar que dinheiro russo não seja lavado no Reino Unido impunemente", disse uma autoridade.
Skripal e sua filha, Yulia, foram encontrados inconscientes em Salisbury, em 4 de março. Antes disso, as relações entre Rússia e Reino Unido já eram as piores desde o fim da Guerra Fria, abaladas pelos acontecimentos na Ucrânia e Síria.
O Reino Unido havia dado a Moscou até a meia-noite de terça-feira para apresentar "uma resposta digna de crédito", após identificar que um de produto neurotóxicos russo foi usado no ataque. O Kremlin respondeu negando o envolvimento russo, exigindo amostras do agente químico em questão e ameaçando retaliações contra diplomatas britânicos.
Jonathan Allen, embaixador adjunto britânico na ONU, disse ontem ao Conselho de Segurança que o Reino Unido permitirá que especialistas independentes analisem o agente neurotóxico usado na tentativa de assassinato.
May disse que a Rússia demonstrou um "desprezo completo" pela investigação e "não forneceu explicações" por ter um programa de armas químicas não declarado, que viola as leis internacionais. Ela afirmou "não haver nenhuma outra conclusão a não ser que o Estado russo é culpado" pela tentativa de assassinato. "Isso representa um uso ilegal de força pelo Estado russo contra o Reino Unido."
O Reino Unido recebeu apoio de países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan, a aliança militar ocidental), que declararam "profunda preocupação com o primeiro uso ofensivo de um agente neurotóxico em território aliado" desde a fundação da Otan, em 1949. Aliados disseram que a Rússia deveria "responder ao questionamento de Londres, incluindo o fornecimento transparente e completo de informações sobre o programa Novichok à OPAQ".
O ministro da Indústria da Rússia, Denis Manturov, alegou que Moscou destruiu todas as suas armas químicas da era soviética, incluindo as do programa Novichok, no ano passado, e portanto não pode ser responsabilizada pelo ataque a Skripal. "Não temos nenhuma arma química", disse ele à agência de notícias Interfax.
O Ministério das Relações Exteriores britânico tentou colocar o ataque em Salisbury num contexto internacional, afirmando que ele seguiu "um padrão russo bem estabelecido de agressão", que inclui incursões à soberania da Geórgia e um ataque cibernético ao Parlamento da Alemanha.
Alexei Navalny, o principal crítico de Putin na Rússia, disse que as medidas de Theresa May contra o dinheiro russo no Reino Unido estão longe do suficiente. "Vinte e três diplomatas russos serão expulsos do Reino Unido. Vinte e três oligarcas e autoridades corruptas da Rússia continuarão gozando a vida em Londres", postou no Twitter.