Valor econômico, v. 18, n. 4466, 21/03/2018. Brasil, p. A3.​

 

 

Exportação de bens industrializados tem 'década perdida'

Sergio Lamucci

21/03/2018

 

 

O desempenho das exportações brasileiras de produtos industrializados tem desapontado desde a crise financeira global, que começou em 2007 e se agravou em 2008, com a quebra do Lehman Brothers. No ano passado, o volume exportado desses bens ainda estava 0,7% abaixo do de 2008, destaca o economista Fernando Ribeiro, pesquisador do Instituto de Pesquisa de Economia Aplicada (Ipea).

"Sem qualquer exagero, é possível descrever o período recente como a 'década perdida' das exportações de bens industrializados", diz Ribeiro. No mesmo período, as quantidades destinadas ao exterior de produtos básicos aumentaram pouco mais de 60%. "A participação dos bens industrializados na pauta total do país, que se manteve ao redor de 70% entre meados da década de 80 e meados da década passada, recuou para cerca de 50% nos anos recentes", observa o economista.

A fatia nas vendas totais é calculada levando em conta o valor exportado. Em 2000, a participação dos industrializados era de 74,5%, percentual que caiu para 60,5% em 2008 e 51,3% em 2017; a de básicos pulou de 22,8% em 2000, para 36,9% em 2008 e para 46,4% em 2017. A soma de industrializados e básicos não atinge 100% por causa da parcela de operações especiais.

O comportamento sofrível das vendas de industrializados fez o Brasil perder espaço no mercado internacional, um movimento decorrente da perda de competitividade, de acordo com estudo do economista, a ser publicado em breve como texto para discussão pelo Ipea. Ribeiro chama a atenção para a redução da fatia de mercado das exportações brasileiras de industrializados nas importações mundiais. Na média de 2015 e 2016, a parcela ficou em 0,75%, 0,18 ponto percentual menor do que no biênio 2005- 2006. Ribeiro usa a média de dois anos para suavizar a volatilidade do dado anual.

"O nível atual está entre os mais baixos das últimas décadas, equivalendo apenas aos alcançados no biênio 1999-2000", observa Ribeiro. Segundo ele, a queda é ainda mais intensa quando se desconta o efeito dos preços relativos, ou seja, da relação entre os preços das exportações brasileiras e as cotações das exportações mundiais.

"Dado que os preços relativos tiveram aumento expressivo no período, ao excluir esse efeito a perda de market share [fatia de mercado] mais do que dobra", passando de 0,18 ponto percentual para 0,39 ponto, diz Ribeiro. "Isso significa que a queda de market share foi bem maior quando se considera a participação das exportações brasileiras no volume físico de importações mundiais."

No estudo de Ribeiro, os produtos industrializados englobam os produtos manufaturados e semimanufaturados. É "um conceito próximo ao da indústria de transformação", de acordo com ele.

O economista procura avaliar os motivos que levaram ao mau desempenho das vendas externas de industrializados no mercado global. Ele analisa se a perda de espaço ocorreu por causa de perda de competitividade em relação aos concorrentes, porque os principais produtos da pauta perderam participação na demanda mundial de importações, ou porque os principais países de destino estariam perdendo importância relativa nas importações mundiais.

Segundo o estudo, a decomposição da redução da fatia de mercado na comparação do biênio de 2005-2006 com o de 2015-2016 foi determinada quase totalmente pela perda de competitividade. "Sozinho, esse efeito respondeu por redução de 0,30 ponto percentual do market share", observa ele. "O efeito de destinos compensou em parte a perda de competitividade, representando ganho de 0,14 ponto. Isso significa que países cujo peso na pauta exportadora brasileira é maior do que na importação mundial tiveram um crescimento de suas importações superior à média mundial no período, de 24,6%", escreve Ribeiro.

Já o efeito de produtos foi pouco significativo, contribuindo com redução de apenas 0,01 ponto percentual. "Isso que significa que as eventuais alterações da participação no comércio mundial dos principais produtos industriais exportados pelo país tiveram efeito praticamente neutro sobre o desempenho exportador do país."

Para Ribeiro, é fundamental enfrentar a falta de competitividade, para evitar que o país transite para uma "pauta exportadora muito concentrada", cada vez mais dependente de produtos básicos para garantir o equilíbrio da balança comercial.

Os problemas, segundo ele, passam por questões como o alto custo Brasil (caso da carga tributária elevada e complexa e infraestrutura deficiente), o custo do trabalho e uma proteção tarifária muito acima da vigente em países semelhantes, que torna difícil inovar e absorver novas tecnologias, afetando a produtividade. Para ele, é importante ter uma política comercial que envolva redução de tarifas de importação, por exemplo.

A política industrial, por sua vez, deve dar prioridade a questões como inovação, a economia verde e setores com maior capacidade de crescimento no futuro. "Não é simplesmente dar crédito barato e tarifas altas de importação", afirma Ribeiro.

É uma agenda que vai muito além do câmbio. Para ele, é importante que a moeda seja pouco volátil e não esteja muito valorizada, mas não precisa estar excessivamente depreciada. O nível de hoje, por exemplo, lhe parece razoável, não sendo barato demais nem caro demais.