Valor econômico, v. 18, n. 4466, 21/03/2018. Política, p. A5.​

 

 

STF deve discutir hoje questão de ordem para pautar prisão em 2ª instância

Maíra Magro

21/03/2018

 

 

Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) devem apresentar esta tarde uma questão de ordem para forçar a presidente da Corte, Cármen Lúcia, a pautar a discussão sobre a prisão após a condenação em segunda instância. A iniciativa pode partir de Marco Aurélio Mello, relator de duas ações diretas de constitucionalidade (ADCs) sobre o assunto. A questão de ordem contra a recusa de um presidente em pautar o tema, inédita no tribunal, ocorre na iminência da prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Ontem estava prevista uma reunião fechada, no gabinete de Cármen Lúcia, para tratar da possibilidade de pautar as ações. O encontro acabou naufragando em meio a uma troca de responsabilizações sobre quem teria a atribuição de convidar os colegas.

O decano da Corte, Celso de Mello, de quem partiu a ideia da reunião, culpou Cármen Lúcia por não ter convidado os demais ministros. Já Cármen Lúcia afirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que "em nenhum momento entendeu que deveria fazer os convites". Ela disse que foi questionada por Celso de Mello na semana passada se aceitaria participar de reunião com alguns ministros, quando respondeu que "teria todo o gosto em recebê-los".

Celso de Mello contou outra versão: "Eu apenas me reuni com a presidente para evitar que, já na quinta-feira, houvesse uma cobrança pública dirigida a ela em sessão plenária." A cobrança seria justamente pela recusa de Cármen Lúcia em pautar as duas ações declaratórias de constitucionalidade que discutem a execução antecipada da pena. Marco Aurélio, relator, liberou as ADCs para julgamento em dezembro e, desde então, vem defendendo publicamente que os processos sejam levados ao plenário.

Assim como Celso de Mello, ele defende que a prisão só pode ocorrer após esgotados os recursos na última instância do Judiciário. Já Cármen Lúcia é a favor da prisão após a decisão de segundo grau.

Nas últimas semanas, ministros vêm articulando uma forma de iniciar a discussão no plenário apesar da recusa de Cármen Lúcia em pautá-lo. Na quinta-feira passada, como revelou o Valor com exclusividade, já havia a expectativa de que Marco Aurélio levantasse a questão de ordem.

Celso de Mello explicou ontem: "Exatamente para evitar uma exposição indevida da presidente, para evitar que a presidente sofresse uma cobrança inédita na história do Supremo, é que eu ponderei aos colegas que seria importante uma discussão interna, simplesmente para uma troca de ideias e nada mais."

O decano contou que sugeriu a reunião interna durante um encontro em seu gabinete, na noite de quarta-feira passada, do qual participaram Cármen Lúcia e o ministro Luiz Fux. Segundo ele, Cármen Lúcia disse que não poderia se reunir na semana passada, por isso a data teria sido marcada para ontem. No encontro, disse ele, combinou-se que Cármen Lúcia convidaria os integrantes do tribunal.

"Combinou-se na data de hoje [ontem], mas dependendo de um convite a ser formulado por ela, de modo informal. Sendo um encontro no gabinete da presidente, caberia à presidente formular esse convite", disse o ministro. Para ele, como não houve esse aceno por parte da presidente, "isso significa que ela não se mostrou interessada".

A reunião fechada foi confirmada publicamente por Cármen Lúcia na segunda-feira de manhã, em entrevista à Rádio Itatiaia, de Minas Gerais. Depois, à noite, em entrevista à GloboNews, a ministra voltou a dizer que não se submete a pressões e que não irá pautar as ações sobre a prisão em segunda instância. A conduta gerou mal-estar entre alguns integrantes do STF. Ontem, na entrada da sessão das turmas, os ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello e Luís Roberto Barroso afirmaram que não haviam sido convidados para a reunião mencionada por ela.

Com o fracasso de uma saída interna, a Corte se volta novamente para uma solução que envolverá pressionar Cármen Lúcia, por meio de um recurso jurídico, a colocar o tema em pauta. Para Celso de Mello, não se trata de questionar a atribuição da presidente de elaborar a pauta de julgamentos do STF. "Respeito o exercício, pela presidência do Supremo, do seu poder de agenda. Esse é um poder inquestionável da presidente do Supremo. O que nós queremos é apenas uma ponderação para que haja julgamento", afirmou.

Segundo o decano, o julgamento deve ocorrer para chegar a uma solução definitiva, independentemente de se mudar a jurisprudência ou não. Isso porque, em 2016, a discussão ocorreu em liminar (pedido provisório). Se um novo julgamento ocorrer, a expectativa é que a Corte reverta o placar atual que permite a prisão em segunda instância.

A fala do decano do STF tem um peso institucional. Por isso, a queda-de-braço com Celso de Mello significou um revés internamente para a presidente do STF. Também ontem, o ministro Edson Fachin rejeitou os embargos declaratórios apresentados nas duas ADCs. Ele afirmou novamente, em sua decisão, que cabe a Cármen Lúcia colocar as ações em pauta. Fachin foi o relator dos embargos porque deu o voto vencedor durante as discussões das liminares, em 2016.