O globo, n. 30957, 10/05/2018. País, p. 7

 

PF investiga fraude de R$ 1,6 bi em verbas de merenda escolar

Jussara Soares

10/05/2018

 

 

Em um caso, empresa fornecedora sugere trocar carne por ovo

-SÃO PAULO- Em operação deflagrada ontem, a Polícia Federal (PF) investiga desvio de verbas federais destinadas à educação em 30 prefeituras do estado de São Paulo. O esquema ocorre há pelo menos 20 anos e teria desviado R$ 1,6 bilhão. Os investigados entregavam merenda em quantidade e qualidade inferior ao estipulado nos contratos. Além disso, também foram identificadas fraudes nas compras de uniformes, materiais didáticos e até material de limpeza para escolas.

Em um dos casos investigados pela PF, os estudantes de um colégio público recebiam suco e biscoito no lugar de leite com cereal. Escutas telefônicas feitas pelos agentes federais flagraram empresários sugerindo que a carne fosse cortada do cardápio das crianças.

— Nesses anos de investigação tivemos registro de lanche com uma bolacha maisena com leite diluído, suco substituindo leite e áudios de empresários que falavam: “corta a carne. Oferece ovos todos os dias para essas crianças” — disse a delegada federal Melissa Máximo Pastor.

De acordo com a PF, as cinco empresas investigadas se apresentavam com nomes diferentes e formavam um cartel. Três dos grupos atuavam especificamente em contratos de merenda escolar, um era focado em material didático e o último fazia contratos para fornecer alimentação, uniforme, material didático e produtos de limpeza.

A quebra de sigilos bancário e telefônico, autorizada pela Justiça, revelou como o esquema funcionava. Representantes das empresas e lobistas se aproximavam de assessores dos prefeitos e secretários com proposta de financiamento da campanha em troca de terceirização da merenda fornecida às escolas primárias.

 

LICITAÇÕES DIRIGIDAS

Com a terceirização, o cartel passava a fraudar o processo licitatório, estipulando valores dos lances e quem venceria as licitações. A investigação identificou pagamento de propina por parte dessas empresas em contas de parentes de agentes públicos.

— Essas empresas se ajudavam mutuamente. Uma dizia: “Eu consegui um contrato de merenda. Você não quer ‘ajudar’ (pagar propina), na campanha para que no futuro você consiga um contrato?” — detalhou a delegada.

Segundo ela, o oferecimento e o pedido de vantagem era realizado de forma contínua, e não apenas no período eleitoral.

Na cidade de São Paulo, foram cumpridos 13 mandados de busca e apreensão. As fraudes em três processos de licitação teriam ocorrido entre 2010 e 2012, durante a gestão do prefeito Gilberto Kassab (PSD), hoje ministro da Ciência e Tecnologia. O ex-prefeito não é um dos investigados. Em nota, a prefeitura da capital paulista informou que disponibilizou toda a documentação necessária e colabora com a investigação.

A PF fez busca nas residências e nos gabinetes de 13 prefeitos. Um dos alvos é Ney Santos (PRB), de Embu das Artes, na região metropolitana de São Paulo, acusado de envolvimento com a organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). Em nota, a Prefeitura de Embu das Artes informou que está colaborando com as investigações.

Mandados de busca e apreensão também foram cumpridos em Curitiba, Salvador e Brasília. Essas cidades não têm contratos investigados, mas abrigavam escritórios das empresas envolvidas no esquema.

Os investigadores pediram a prisão de 62 pessoas, mas a Justiça negou.

O nome da operação, “Prato Feito”, foi inspirado no município de Araçatuba, no interior de São Paulo. Segundo a PF, alunos de escolas municipais da cidade foram proibidos de repetir a merenda e recebiam apenas um prato feito na alimentação. Em dois anos, segundo as investigações, Araçatuba teria recebido R$ 3,7 milhões dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) — R$ 2,2 milhões teriam sido desviados.