O globo, n. 30957, 10/05/2018. Economia, p. 20
Câmara aprova texto-base do cadastro positivo
Gabriela Valente
10/05/2018
Medida é uma das principais propostas da agenda da equipe econômica para redução dos juros bancários
-BRASÍLIA E RIO- Depois de mais de um mês de embate na Câmara dos Deputados, o governo conseguiu aprovar ontem uma das principais propostas da agenda da equipe econômica para a redução dos juros bancários. Os parlamentares validaram o texto-base do projeto do cadastro positivo por 273 votos favoráveis, 150 contrários e uma abstenção. Destaques feitos ao texto serão votados apenas na terça-feira da semana que vem, porque vários deputados deixaram o Congresso após a votação principal. O governo não quis correr o risco de que duas das 12 propostas de alteração fossem aprovadas, porque descaracterizariam o projeto original.
Um destaque do PSOL tenta tirar o primeiro artigo da lei, ou seja, a essência dela. Outro, do PT, retira os poderes dos gestores de bureaus de crédito, o que também anularia a nova lei. O projeto aprovado permite que bureaus de crédito como o SPC, a Boa Vista SCPC e a Serasa tenham informações bancárias e criem uma nota para os clientes. Apenas esse rating será divulgado. Com isso, a equipe econômica quer promover a concorrência fora do sistema bancário e incentivar outros setores, como as lojas do varejo, a dar crédito mais barato que os bancos.
Como os deputados mudaram o texto encaminhado pelo Senado Federal, o projeto terá de voltar para a Casa revisora. Os senadores não poderão incluir alterações no texto, apenas retirar artigos colocados pelos deputados.
UM MÊS PARA PEDIR RETIRADA DE DADOS
O projeto aprovado muda o atual cadastro positivo, que não teve adesão por ser opcional. Agora, todos serão incluídos. Há, entretanto, a possibilidade de pedir para sair do registro. A pessoa terá um mês para pedir o desligamento. Outra diferença é que, com o novo cadastro, serão incluídas informações de pessoas que nunca tomaram empréstimos. Os bureaus poderão calcular uma nota para cada cliente com dados de fora do sistema bancário, como pagamento de contas de água, luz e telefone. Isso, segundo o governo, pode dar acesso ao sistema bancário para quem está fora dele e com taxas menores.
Durante as negociações, o BC aceitou demandas feitas pelos representantes dos consumidores. Três acordos foram fechados com o deputado Celso Russomanno (PRB-SP). Para garantir o apoio do setor e do PRB, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), negociou com o Palácio do Planalto para que o governo não alterasse o texto aprovado pelos deputados. Conseguiu a promessa de que os senadores não retirariam os artigos incorporados nem que o presidente Michel Temer vetaria algum.
Por causa desse acordo, o texto diz que todas as instituições terão responsabilidade solidária caso haja vazamento dos dados. E ainda deixa claro que os bureaus estão sujeitos ao Código de Defesa do Consumidor. Ao GLOBO, Russomanno disse que tentou incluir o possível para dar segurança aos consumidores. E que ouviu de técnicos do Banco Central e do Ministério da Fazenda que seu texto ficou “perfeito”. Argumentou, entretanto, que, mesmo com as alterações, não poderia ser favorável ao projeto, porque o Brasil não tem uma lei de segurança de dados.
— Eu não posso ir contra a opinião da sociedade — comentou Russomanno.
Outro argumento de quem é contrário ao projeto é que ele não significaria uma queda dos juros bancários. Um exemplo citado foi o da mudança na cobrança de bagagens. A expectativa era que a alteração fizesse cair o custo da passagem, o que não aconteceu. Para tentar driblar essa crítica, o BC aceitou colocar na lei que mandará uma avaliação dos efeitos do novo cadastro ao Congresso Nacional 24 meses depois da aprovação da matéria.
Eduardo Chow de Martino Tostes, defensor público do Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria do Rio de Janeiro, teme que o projeto exponha os dados dos consumidores e não traga os resultados esperados pelo mercado.
— Ficamos receosos pela exposição dos dados dos consumidores sem garantia de resultado. Já houve outras medidas tomadas anteriormente que nunca trouxeram a diminuição dos juros como estimado. Então, não vemos o projeto com bons olhos — disse Tostes. — É como o projeto (para a cobrança da franquia de bagagem), que foi defendido como caminho para baratear as passagens e, depois, não trouxe esse resultado prometido.
Já o economista Estêvão Kopschitz, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), considera positiva a aprovação do cadastro. Segundo ele, um problema no Brasil é o spread bancário (a diferença entre a taxa que o banco paga para captar os recursos e a que ele cobra dos clientes nos empréstimos), impedindo que os juros caiam na mesma proporção que a taxa básica da economia, a Selic.
— O juro médio inclui um seguro contra os maus pagadores. Essa é a ideia do cadastro positivo, conhecer o tomador de crédito para reduzir o spread. É parecido com uma companhia de seguro que cobra o preço adequado ao perfil do risco. Vai melhorar a avaliação do risco, e todo o mercado vai estabelecer o preço de uma forma melhor.
Kopschitz cita outras medidas, como a alienação fiduciária na venda de carros, que aumentou o crédito, e os empréstimos consignados:
— Foram medidas que permitiram uma garantia melhor para os empréstimos. O crédito deslanchou e as taxas caíram.