O Estado de São Paulo, n. 45412, 16/02/2018. Política, p. A6.

 

 

Grupo ameaça ir ao STF contra Segovia

Fábio Serapião

16/02/2018

 

 

Delegados da Polícia Federal que atuam nas investigações de réus com foro privilegiado ameaçaram acionar o Supremo Tribunal Federal em caso de interferência em investigações, entre elas a que envolve o presidente Michel Temer. A reação ocorre após declarações do diretor-geral da Polícia Federal, Fernando Segovia, sobre o inquérito contra o emedebista, e aumenta a pressão sobre sua permanência no cargo. Além da rebelião interna, Segovia é alvo de uma ação popular na Justiça e um requerimento na Comissão de Ética da Presidência.

Em entrevista à agência Reuters na semana passada, Segovia disse que os investigadores não encontraram indícios de irregularidades no chamado Decreto dos Portos, editado em maio do ano passado por Temer, e indicou que a tendência seria o arquivamento do caso.

As declarações do diretor-geral da PF foram vistas como antecipação do resultado do inquérito, que apura suspeita de pagamento de propina para beneficiar empresas que atuam no Porto de Santos. Após a repercussão do caso, Segovia negou interferência nas investigações.

A ameaça dos delegados foi feita por meio de um memorando encaminhado ao diretor de Investigação e Combate ao Crime Organizado, Eugênio Coutinho Ricas. No documento, os delegados afirmam que “não admitirão” interferência na investigação contra o presidente ou em qualquer outra apuração em andamento. Segundo eles, caso “sejam concretizadas ações”, os fatos serão apresentados ao Supremo para “obtenção das medidas cautelares”.

Para tentar conter a rebelião, o diretor de Investigação e Combate ao Crime Organizado respondeu ao memorando e afirmou que acionar o STF em caso de interferência em investigações é uma obrigação dos delegados, não uma opção. Ricas é o superior hierárquico dos delegados do grupo. Na cúpula da corporação, o entendimento é de que, ao ameaçar recorrer à Suprema Corte em caso de interferência, o grupo indica que, até o momento, não houve qualquer tentativa nesse sentido.

O envio do memorando é mais um capítulo da crise instaurada na PF. Após a entrevista de Segovia, o ministro Luís Roberto Barroso, relator do caso no STF, cobrou explicações do diretor-geral da PF.

 

Desdobramentos. Ao Estado, o presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), Edvandir Paiva, afirmou que o ofício enviado pelos delegados expõe uma crise de desconfiança na PF. “Essas coisas não se resolvem com uma palavra. Estamos acompanhando os desdobramentos no Judiciário e, principalmente, vendo se algum colega reclama de algo concreto”, disse.

Paiva se manifestou após reunião com Segovia em que o diretor-geral da PF fez um mea-culpa, disse que foi mal interpretado e se comprometeu a não comentar casos em andamento.

Além dos problemas internos, Segovia está na mira da Justiça Federal de Brasília e da Comissão de Ética Pública da Presidência. Anteontem, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) protocolou pedido na 22.ª Vara Cível do Distrito Federal solicitando que o delegado deixe o comando da PF. Ontem, o PT formalizou pedido para que a Comissão de Ética Pública da Presidência abra um processo contra Segovia. O caso deve ser analisado na segunda-feira, na próxima reunião do colegiado.

A segunda-feira deve ser decisiva para a crise interna na PF. Segovia se encontrará com Barroso para explicar suas declarações. O Estado apurou que a tendência inicial era de que o ministro do Supremo encerrasse o caso após os esclarecimentos do diretor-geral.

Entretanto, caso a tensão dentro da PF não seja estancada, existe a possibilidade de a crise se estender com a manutenção da apuração sobre suposta interferência na investigação envolvendo o presidente.

 

Recado

A cúpula do governo pediu para Segovia “submergir” e parar de falar sobre investigações em curso. 0  recado foi transmitido nos últimos dias ao diretor— geral da PF.

 

‘Autonomia’

“Os delegados deste Grupo de Inquéritos atuantes junto ao STF (...) não admitirão, nos autos do inquérito 4621/STF ou em outro procedimento em trâmite, qualquer ato que atente contra a autonomia técnica e funcional de seus integrantes.”

Delegados do Grupo de Inquéritos perante o STF

EM MEMORANDO

 

CRISE NA PF

ENTREVISTA DE DIRETOR-GERAL MOTIVOU REAÇÕES

Inquérito

Luís Barroso, do STF, autoriza inquérito para apurar suspeita de irregularidade no Decreto dos Portos, editado por Temer.

 

Perguntas

PF envia 50 perguntas sobre o caso a Temer. Ao entregar as repostas, defesa diz que questionamento foi “desrespeito”.

 

Entrevista

Reuters divulga entrevista em que Segovia afirma que não há provas contra Temer e indica que caso seria arquivado.

 

Reação

Barroso e entidades de classe da PF rebatem declarações e cobram explicações de Segovia. Reuters reedita entrevista.

 

Mea-culpa

A representantes de delegados Segovia faz mea-culpa e afirma que não vai falar mais sobre investigações em andamento.