O Estado de São Paulo, n. 45419, 23/02/2018. Política, p. A6

 

Juízes federais propõem paralisação

Amanda Pupo, Breno Pires e Teo Cury

23/02/2018

 

 

Entidade critica ausência na pauta do STF de ações que tratam do auxílio-moradia nos tribunais estaduais; Corte julga benefício em março

A presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, marcou para 22 de março o julgamento de ações que discutem a legalidade do auxílio-moradia para a magistratura. O agendamento foi seguido de uma forte reação por parte de juízes federais, que avaliam uma paralisação em protesto pela possibilidade de o benefício ser extinto.

O auxílio funciona como uma espécie de complementação salarial para magistrados e é pago mesmo para quem possui imóvel próprio. Entre as seis ações a serem julgadas no STF estão aquelas em que o ministro Luiz Fux concedeu liminares em 2014 para estender o auxílio-moradia, no valor de R$ 4.378, a todos os juízes do País.

Posteriormente, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) regulamentou a concessão de auxílio-moradia aos membros do Ministério Público da União e dos Estados. Fux levou três anos para liberar as ações para julgamento, o que só fez no fim de 2017. Desde então, magistrados têm feito pressão pela manutenção do auxílio.

A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) iniciou uma consulta entre seus associados sobre a possibilidade de realizar uma paralisação da categoria. A entidade emitiu uma nota ontem em que critica a ausência na pauta do Supremo das ações que tratam do benefício para juízes estaduais, mas não menciona o tema paralisação.

“Não basta apenas julgar as ações que tratam do auxílio-moradia, que atingirão apenas os juízes federais, deixando sem solução os diversos pagamentos realizados nos âmbitos dos demais seguimentos do Judiciário”, diz nota assinada pelo presidente Ajufe, Roberto Veloso.

A associação abriu anteontem uma consulta entre seus integrantes sobre a possibilidade de uma paralisação no dia 15 de março, uma semana antes do julgamento previsto no Supremo sobre auxílio-moradia.

Procurado, o presidente da Ajufe negou que a entidade tenha feito uma convocação de paralisação, mas não descartou a possibilidade de greve, se for esta a vontade dos associados. Veloso disse ainda que estão sendo discutidas outras formas de manifestação pela “valorização da carreira”, como a leitura de um manifesto no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) no dia 15 de março.

Decano. Também ontem, o decano do Supremo, Celso de Mello, aprovou a decisão de Cármen Lúcia de pautar para março o julgamento de ações que tratam da constitucionalidade do auxílio-moradia. “Acho que é preciso resolver esta questão. É uma controvérsia que vem suscitando uma série de debates”, afirmou o ministro.

Reportagem publicada pelo Estado mostrou que o Fisco deixa de arrecadar R$ 360 milhões ao ano em razão do tratamento tributário dado ao auxílio-moradia e a outros “penduricalhos” recebidos.

Na manhã de ontem, Cármen Lúcia se reuniu com o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), com a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, com o deputado Benito Gama (PTB-BA) e com o corregedor nacional de Justiça, João Otávio de Noronha. Entre os temas do encontro estava a questão da transparência de salários no Judiciário.

Após o encontro com a presidente do STF, Maia disse que o projeto de lei que estabelece o teto salarial do funcionalismo público será votado na Câmara depois que a Suprema Corte decidir sobre o direito de juízes ao auxílio-moradia. A expectativa do presidente da Casa é de que o texto seja votado em março.

 

Controvérsia:

“Acho que é preciso resolver esta questão (do auxílio-moradia para juízes). É uma controvérsia que vem suscitando uma série de debates.” - Celso de Mello​, MINISTRO DO SUPREMO

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Auxílio-moradia foi aprovado para barrar greve em 2000

23/02/2018

 

 

Há 18 anos, magistrados ameaçavam paralisação para cobrar definição do teto salarial, o que resultaria em aumento

Um acordo entre os chefes dos quatro tribunais superiores do País – STF, STJ, TST e TJM – definiu em fevereiro de 2000 a criação do auxílio-moradia para os juízes federais às vésperas do dia marcado pela categoria para paralisar as atividades como protesto por aumento de salário.

A solução, que beneficiava juízes da ativa e aposentados, veio por meio de uma liminar concedida pelo ministro Nelson Jobim, do STF, que estabeleceu o valor de R$ 3 mil como teto para o benefício. A medida atendia ao pleito da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), que havia ingressado com uma ação em setembro de 1999. Para os magistrados, o pagamento do auxílio deveria ter regras semelhantes às que valiam para os parlamentares – que recebiam o dinheiro integralmente, sem a obrigação de comprovar gastos com aluguel ou manutenção de imóveis.

Até chegar ao consenso para a solução por meio de uma liminar dentro do próprio Poder, a questão dos vencimentos dos juízes provocou uma crise interna no Judiciário e outra com os Poderes Executivo e Legislativo. O governo Fernando Henrique Cardoso havia feito a oferta de um abono salarial para a categoria, mas o Supremo recusou sem consultar os demais tribunais superiores e a solução foi descartada.

Paralelamente, no Congresso, aliados do governos e oposição se uniam para criticar a medida. O presidente do Senado, Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA), atacava o Judiciário e dizia que a Casa não aprovaria qualquer liberação de recurso extra no orçamento para o aumento dos magistrados. O político baiano, na época em relação azedada com o aliado FHC, capitalizava um sentimento generalizado da população contra o aumento para uma categoria já privilegiada em relação a outros trabalhadores. O deputado José Genoino, então uma das principais lideranças do PT, dizia que a liminar do auxílio era escandalosa. Era consenso que a liminar abria um grave precedente, já que outros servidores públicos não tinham aumento havia 5 anos.

No STF, o clima era de constrangimento. Dez dos 11 integrantes da Corte abriram mão do adicional, para não configurar o ato de legislar em causa própria. A indignação e as críticas, no entanto, não foram suficientes para barrar a criação do auxílio-moradia, que passaria a ser pago já no mês seguinte e com o tempo provocaria um efeito cascata, sendo estendido a todos os juízes do País. Mesmo foragido da Justiça por corrupção, o juiz Nicolau dos Santos Neto passaria a receber o auxílio como seus colegas.

Alguns dias depois da criação do auxílio-moradia, os juízes receberiam novo aumento salarial, com a aprovação da lei do teto salarial do funcionalismo.

Contra a reforma​. Em junho de 2003, os juízes de todo o País voltariam a se mobilizar por seus salários, desta vez contra a proposta do fim da aposentadoria integral.