O Estado de São Paulo, n. 45404, 08/02/2018. Política, p. A7

 

Recibos de Lula não são ‘materialmente falsos’, afirma Moro

Luiz Vassallo, Julia Affonso e Ricardo Brandt

08/02/2018

 

 

 Recorte capturado

Juiz diz, porém, que vai decidir se comprovantes são ‘ideologicamente falsos’; petista é acusado na ação de receber propinas da Odebrecht

O juiz federal Sérgio Moro decidiu que os recibos entregues pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para comprovar o aluguel de apartamento vizinho ao seu em São Bernardo do Campo não são materialmente falsos. Moro, no entanto, afirmou que só vai avaliar se os comprovantes são ideologicamente falsos na sentença da ação penal em que o ex-presidente é réu por supostas propinas da Odebrecht envolvendo o imóvel no ABC paulista.

Segundo Moro, “no falso material, a falsidade é objetiva, como uma assinatura falsificada ou um trecho inserido ou suprimido fraudulentamente de um documento”, o que pode ser provado por meio de perícia. Já no caso de falsidade ideológica, afirmou, “o documento é materialmente verdadeiro, mas o (conteúdo) nele contido não corresponde à realidade”. “O falso ideológico não é aferível através de prova técnica, pericial.”

O ex-presidente apresentou recibos de pagamento do aluguel do apartamento. Dois comprovantes, porém, têm datas que não existem no calendário e parte dos documentos contém os mesmos erros de ortografia. Por causa disso, foi aberta investigação. Em alegações finais a Moro, a força-tarefa da Lava Jato pediu que o magistrado reconheça que os recibos são ideologicamente falsos.

O juiz, no entanto, afirmou que, se julgasse a falsidade ideológica dos documentos, estaria avançando no mérito da ação penal, em que decidirá se Lula recebeu ou não propina da Odebrecht e se pagou ou não pelo imóvel. Isso, disse, significaria “violação do contraditório”.

“É inviável resolver essas questões sem aprofundar na valoração de provas e na apreciação do mérito da ação penal e isso só é possível fazer na sentença da própria ação penal, após a finalização da instrução dela, inclusive com as alegações finais das partes”, disse Moro.

Para o juiz, nesse caso, “a prova pericial mostra-se inútil”. “No máximo, ela poderia confirmar que parte dos recibos foi assinada extemporaneamente, mas isso não levaria à conclusão necessária de que os aluguéis não foram pagos.”

Denúncia. O imóvel, vizinho à residência do ex-presidente, é apontado pela força-tarefa da Lava Jato como propina de R$ 504 mil da Odebrecht ao petista. Na mesma denúncia, Lula é acusado de receber outros R$ 12 milhões da empreiteira por meio de um terreno em São Paulo que seria destinado à instalação Instituto Lula.

O petista alugava o imóvel desde que chegou à Presidência da República – o apartamento era utilizado para abrigar os seguranças de Lula. Quando deixou o cargo, em 2011, continuou a ocupar o imóvel. Mas, segundo os procuradores, o ex-presidente não pagou aluguel até 2015.

O Ministério Público Federal sustenta que o engenheiro Glaucos da Costamarques, titular do imóvel, foi usado como “laranja” na transação supostamente custeada pela Odebrecht. O engenheiro, conforme a denúncia, comprou o imóvel em 2010 com dinheiro da empreiteira.

Em depoimento a Moro em setembro do ano passado, o expresidente afirmou que a ex-primeira-dama Marisa Letícia (que morreu em fevereiro de 2017) era a responsável pelo pagamento do aluguel do apartamento em São Bernardo.

O advogado Cristiano Zanin Martins, que defende Lula, afirmou que a decisão de Moro “confirma o que sempre foi afirmado pela defesa”. “Os recibos foram emitidos e assinados pelo proprietário do imóvel alugado à dona Marisa Letícia, o senhor Glaucos da Costamarques”, disse Zanin.

Segundo o advogado, “a improcedência das alegações do Ministério Público também deve ser reconhecida em relação à própria ação penal”. “Costamarques afirma que é o proprietário do apartamento que foi alugado para dona Marisa e que o imóvel foi adquirido com recursos próprios, sem qualquer relação com a Petrobrás.

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Pertence já foi advogado do petista no STM

Luiz Maklouf Carvalho

08/02/2018

 

 

Superior Tribunal Militar / Ex-ministro defendeu Lula em um caso de 1982, quando ex-presidente era líder sindical

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva chama o advogado José Paulo Sepúlveda Pertence de “Zé Paulo”. A intimidade nasceu em 1982, quando Pertence atuou, a convite do advogado Luiz Eduardo Greenhalgh, no processo em que o então líder sindical – preso em abril de 1980, durante 31 dias – fora autuado na Lei de Segurança Nacional.

Pertence foi um dos advogados que fizeram a sustentação oral em defesa de Lula e de outros dez sindicalistas no Superior Tribunal Militar, em 16 de abril de 1982. Por 9 a 3, o STM anulou todo o processo que os condenara nas instâncias inferiores – e mandou o caso de volta para a Justiça Federal, onde acabaria prescrito.

Atuaram na defesa, além de Luiz Eduardo Greenhalgh e Sepúlveda Pertence, os advogados Idibal Pivetta, Iberê Bandeira de Mello e Heleno Fragoso. À época, para registrar a coincidência, Lula era pré-candidato ao governo de São Paulo – como de fato foi (quarto lugar, com 1,4 milhão de votos).

Uma semana depois da decisão do Superior Tribunal Militar, Lula convidou Pertence para a comemoração que os metalúrgicos fariam em um restaurante de São Bernardo do Campo. Presenteou-o, então, com uma foto da ocupação militar do sindicato durante a greve. Até hoje Pertence a guarda entre suas preferidas. Depois do jantar comemorativo, Lula levou Pertence para sua casa.

Jogaram conversa fora madrugada adentro – animada por uma cachacinha com cambuci, selando uma amizade que dura até hoje. Ajudou a consolidá-la o advogado Sigmaringa Seixas, também amigo de ambos.

‘Impedimento’. Pertence, tal como o ex-presidente Lula, gosta de destilados, especialmente de uísque. Já foi contado que durante uma sessão plenária do Supremo Tribunal Federal (STF), quando ministro da Corte (por 18 anos), Pertence ouviu o relator de um caso citar o sobrenome Walker. Aparteou jocosamente o colega: “Ministro, seria o Johnnie Walker? Porque, se for, eu e o ministro Ilmar Galvão vamos ter que nos declarar impedidos”.

Questionado certa vez a respeito da boutade, Pertence, mineiro de Sabará, não foi, digamos, conclusivo. O causo já foi contado, em público, em fevereiro de 2007, até pelo hoje ministro do Supremo Luís Roberto Barroso, para pais de formandos no curso de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

Nessa versão, a resposta de Pertence foi outra: “Porque se fosse Johnnie, Johnnie Walker, teria que me dar por impedido por amizade íntima”. Barroso registrou que “o ministro (Pertence) nega o episódio, embora sem veemência. Mas, se não aconteceu, poderia ter acontecido!”.

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Ministro diz que vai recusar suspensão de prisão em 2º grau

Julia Lindner e Amanda Pupo

08/02/2018

 

 

Marco Aurélio afirma que vai aguardar decisão final do STF sobre o tema; defensor de investigados na Lava Jato fez petição

O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, afirmou ontem que vai negar pedido para proibir provisoriamente a prisão após a condenação em segunda instância até que o plenário da Corte tome uma decisão final sobre o tema.

Uma petição foi apresentada pelo advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que é advogado de diversos políticos investigados na Operação Lava Jato, como o líder do governo no Senado, Romero Jucá (MDB-RR), e o ex-presidente José Sarney.

“Não posso (ir contra o plenário da Corte). Isso já passou pelo crivo do plenário. Por melhor que seja a intenção”, afirmou Marco Aurélio. O magistrado é relator das ações que versam sobre o assunto no Supremo.

Segundo o ministro, o atual entendimento do Supremo, de 2016, prevê a possibilidade da execução antecipada da pena e não seria adequado tomar uma decisão monocrática no sentido contrário. Na época do julgamento, Marco Aurélio se posicionou contra a prisão após condenação em segunda instância, mas foi voto vencido.

“Já houve o indeferimento pelo plenário da Corte e não posso enfrentar e simplesmente suplantar a decisão da maioria”, afirmou o ministro. Marco Aurélio disse ainda que liberou o processo em dezembro e agora cabe à presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, marcar a data da votação no plenário.

‘Correta’. Por meio de nota, Kakay disse que a postura de Marco Aurélio foi “correta” por respeito ao colegiado. “Se o colegiado já definiu a liminar, é normal que o relator espere então o julgamento do mérito”, escreveu o advogado. Ele afirmou, no entanto, que entrou com o pedido para tentar pacificar o tema até o julgamento do mérito, pois o assunto, segundo ele, divide opiniões e causa insegurança jurídica no País.

O jurista também disse que o seu pedido não tem relação com o caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) em janeiro. O petista foi condenado a 12 anos e 1 mês de prisão.

“Eu entendo que esse julgamento não tem nenhuma relação com o caso Lula. Poderá ser utilizado, dependendo da decisão que o plenário do Supremo tiver, mas não tem nenhuma relação. Nós entramos com essa ação muito antes do processo do Lula. Esse é um entendimento que atende e interessa, como eu tenho dito, a milhares e milhares de pessoas sem rosto, sem voz e, muitas vezes, sem advogado. Mas eu entendo a postura do ministro, é uma postura de respeito ao colegiado”, afirmou o advogado.

“Não posso enfrentar e simplesmente suplantar a decisão da maioria (do plenário do STF).” - Marco Aurélio Mello, ministro do Supremo Tribunal Federal