O Estado de São Paulo, n. 45424, 28/02/2018. Política, p. A4

 

Jungmann tira Segovia da chefia da Polícia Federal

Tânia Monteiro, Carla Araújo e Fabio Serapião

28/02/2018

 

 

Governo. Ministro assume recém—criada pasta da Segurança Pública e, em seu primeiro ato, demite o diretor—geral da PF, que será substituído pelo delegado Rogério Galloro

Empossado ontem como ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, em seu primeiro ato na nova pasta, demitiu o diretor-geral da Polícia Federal, Fernando Segovia. O delegado será substituído por Rogério Galloro, que já ocupou o cargo de diretor executivo, uma espécie de número dois da corporação, na gestão de Leandro Daiello, antecessor de Segovia no cargo.

A mudança ocorre na esteira da criação do ministério, que ficará responsável pela PF. Segundo apurou o Estado, Jungmann fez o pedido anteontem à noite ao presidente Michel Temer, que concordou. Ao assumir o cargo, o novo ministro ganhou liberdade para montar sua equipe. De acordo com um interlocutor, Temer quis saber qual seria o destino de Segovia, que deverá exercer a função de adido da PF nos Estados Unidos.

A decisão pela troca não tem relação com um episódio específico, mas levou em conta o desgaste de Segovia no cargo. Sua nomeação, em novembro passado, foi cercada de desconfiança e atribuída à indicação de emedebistas investigados.

Nos pouco mais de três meses que ficou no comando da PF, acumulou episódios polêmicos . Logo na posse, disse que só uma mala de dinheiro não era suficiente para provar crime de corrupção no caso envolvendo a mala com R$ 500 mil recebida pelo ex-assessor da Presidência Rodrigo Rocha Loures.

Para tentar conter as polêmicas e ganhar apoio no início da gestão, Segovia montou sua equipe após compor com as classes internas da PF – agentes, peritos e delegados. Ele anunciou a substituição de 12 superintendentes estaduais, mas manteve alguns recém-empossados pelo seu antecessor. Em Curitiba, sede da Lava Jato, por exemplo, manteve a indicação de Maurício Valeixo.

A principal polêmica, porém, foi uma entrevista à agência Reuters, na véspera do carnaval, na qual indicou a tendência pelo arquivamento de um inquérito contra Temer relacionado ao chamado Decreto dos Portos. As declarações resultaram em uma forte reação de associações de delegados, um pedido de esclarecimento do ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso, além de uma petição da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, para que ele se abstivesse de “qualquer ato de ingerência” sobre investigação em curso, sob pena de afastamento do cargo.

Ontem, em outro episódio que demonstrou seu enfraquecimento no cargo, Segovia voltou atrás em um pedido para que delegados fornecessem o número do inquérito ao solicitar reforço para operações. Internamente, a norma é vista como praxe. Mas a crise de confiança envolvendo Segovia já era grande e a versão de que isso seria mais uma forma de intervir nas investigações ganhou força, resultando no recuo.

Cerimônia. Antes de ser demitido, Segovia prestigiou a posse de Jungmann, no Palácio do Planalto. Na terceira fileira, foi um dos puxadores de palmas após o discurso do novo ministro. Abordado por jornalistas, Segovia afirmou que não poderia falar sobre investigações porque a Justiça havia proibido suas manifestações. Após a cerimônia, ainda se reuniu com Jungmann. Pouco tempo depois, foi informado sobre sua demissão.

Ex-braço direito de Daiello no comando da PF, Galloro era o favorito para chefiar a corporação em novembro passado, quando foi preterido por Segovia. Seu nome era defendido pelo ministro da Justiça, Torquato Jardim, que, segundo relatos, comemorou a troca. Questionado pelo Estado, no entanto, Torquato negou ter influenciado na substituição. “Não há vencidos nem vencedores.”

Internamente, a nomeação de Galloro é considerada uma retomada do estilo de gestão de Daiello, que comandou a PF por quase sete anos. Galloro ingressou na corporação em 1995. Tem mais de 22 anos de carreira e foi adido da PF nos Estados Unidos. Também foi superintendente regional em Goiás. Para assumir o posto, deixa o cargo de secretário nacional de Justiça. / COLABORARAM NAIRA TRINDADE e VERA ROSA

 

CRONOLOGIA - Três meses de polêmicas

8 de novembro de 2017

Escolha​. Temer escolhe o delegado Fernando Segovia como diretor-geral da PF. O ministro da Justiça, Torquato Jardim, defendia Rogério Galloro para o cargo. Segovia teria sido indicação de Eliseu Padilha e José Sarney. Eles negam.

 

20 de novembro

‘Mala’​. Ao tomar posse, Segovia diz que “uma mala talvez não desse toda a materialidade criminosa” contra Temer, em referência ao episódio em que o ex-assessor da Presidência Rodrigo Rocha Loures foi filmado com uma mala de dinheiro entregue por um executivo da J&F.

 

9 de fevereiro de 2018

Entrevista à Reuters​. Segovia diz que a investigação sobre o Decreto dos Portos não achou provas de irregularidades envolvendo Temer e sugere que a tendência é recomendar o arquivamento do inquérito, que apura se a medida beneficiou empresa que atua no Porto de Santos.

 

10 de fevereiro

Intimação​.Após o ministro do STF Luís Roberto Barroso (foto) cobrar explicações de Segovia, o delegado, em audiência, diz que sua fala foi “distorcida”.

 

26 de fevereiro

Petição​. Um dia antes da demissão, PGR pede “ordem judicial” para que Segovia não comente inquéritos, sob pena de afastamento do cargo.

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Não há movimento contra a Lava Jato, afirma Temer

28/02/2018

 

 

O presidente Michel Temer afirmou ontem, durante a posse do ministro Raul Jungmann no Ministério Extraordinário da Segurança Pública, que a transferência da Polícia Federal para a nova pasta não vai interferir nas ações da Operação Lava Jato.

Questionado durante o evento, antes de confirmada a saída do diretor-geral, Fernando Segovia, do comando da corporação, Temer disse que a operação “vem sendo tranquilamente levada adiante”. “Não há um movimento sequer com vistas à interrupção (da operação)”, afirmou o presidente.

A escolha de Segovia para o cargo foi cercada de desconfianças por sua indicação ter partido de nomes do MDB. O agora ex-diretor-geral da PF foi superintendente da corporação no Maranhão durante o governo de Roseana Sarney, filha do expresidente da República, ex-senador e um dos principais caciques do partido José Sarney.

Segurança. Ao exaltar a criação do ministério – que será o 29.º do seu governo – o presidente disse que a ideia nasceu “da constatação de que o crime só se fortalece com a fragmentação dos esforços do poder público”. Além da PF, a nova pasta ficará responsável pela Polícia Rodoviária Federal e pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen).

A divisão esvazia as funções do Ministério da Justiça, que ficará com órgãos como a Fundação Nacional do Índio (Funai), o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e o Arquivo Nacional. /  C.A. e T.M.