O Estado de São Paulo, n. 45424, 28/02/2018. Política, p. A7

 

‘Governos que não são fortes apelam para os militares'

28/02/2018

 

 

FHC diz que nunca fez intervenções para não impedir mudanças constitucionais

“Governos, sobretudo quando não são fortes, apelam para os militares, que têm estrutura com hierarquia.” Foi assim que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso definiu a decisão do presidente Michel Temer de nomear pela primeira vez na história um militar – general Joaquim Silva e Luna – para o cargo de ministro da Defesa. Ele assumiu o cargo ontem, de forma interina, após a transferência de Raul Jungmann para o recém-criado Ministério da Segurança Pública.

De acordo com FHC, “é um expediente tradicional dos governos na América Latina recorrerem aos militares quando sentem que sua autoridade está vacilante.” Também é militar o escolhido por Temer para chefiar a intervenção federal do Rio, general Braga Netto.

Ao comentar a ação federal do Rio, o tucano afirmou que foi pressionado diversas vezes durante seus oito anos de mandato presidencial a autorizar uma intervenção federal na segurança pública dos Estados, especialmente no Espírito Santo, mas que resistiu à possibilidade justamente porque a medida impede a aprovação de emendas constitucionais. Após decidir pela intervenção no Rio, o governo suspendeu a tramitação da reforma da Previdência no Congresso. FHC foi entrevistado ontem no Fórum Estadão – A Reconstrução do Brasil.

Segurança. O ex-presidente afirmou que o tema da segurança pública deve ir para o centro do debate eleitoral por causa da demanda atual da população. “As pessoas querem segurança, emprego, renda, educação, saúde, serviços públicos de qualidade. É o básico.” Para o tucano, já é hora de se enfrentar de uma nova forma a questão das drogas no País – diretamente relacionada a questões de segurança. “Como venho dizendo há muito tempo, temos que combater o tráfico de drogas de maneira diferente, não apenas de forma repressiva”, disse, acrescentando que o combate ao tráfico de armas – que é o que possibilita às facções criminosas o controle de grandes áreas nas cidades brasileiras – precisa ser feito de maneira igualmente prioritária.

Lava Jato. Ao discorrer sobre as qualidades almejadas para um presidente, FHC destacou o aspecto da decência e da honestidade. Nesse sentido, declarou apoio à Lava Jato, considerada por ele “importante para que se recupere o sentido da moralidade pública”. Ao citar o tema da corrupção, afirmou que pode ter havido corrupção em seu governo, mas não como projeto de poder, em referência aos escândalos dos governos do PT. Sobre os casos de corrupção nas estatais, como a Petrobrás, ainda afirmou que não são exemplos exclusivos de empresas públicas.

O novo. No contexto do debate eleitoral deste ano e da busca por um candidato que não represente a política tradicional, FHC, que já foi considerado um incentivador da candidatura de Luciano Huck, afirmou que, “na hora da campanha, o novo sem estrutura partidária é só uma ideia”. No atual modelo do presidencialismo de coalizão, do “toma lá dá cá”, FHC disse duvidar de que o novo se sustente. “Não vejo o novo nesta eleição. Temos de jogar com as cartas que estão aí”, afirmou, em referência às possíveis candidaturas de outsiders, como Huck ou o ex-presidente do STF Joaquim Barbosa.

PSDB x PT. FHC disse que não fala pelo seu partido. “Quando opino, não é o PSDB que está falando.” Segundo ele, a “alternância de poder” é saudável e a polarização recente do PSDB com o PT se deu mais pelo ponto de vista do poder do que de ideias. “Infelizmente o PT e o PSDB acabaram se opondo, mas nasceram próximos.” Com a possível saída de Lula da disputa e com Jair Bolsonaro se apresentando como a terceira via desse pleito, FHC ainda afirmou não saber o que será dessa polarização neste ano. “Não tenho bola de cristal.”


Reeleição. Para FHC, ex-presidentes não deveriam participar de novas eleições. “Não é saudável que um antigo presidente queira voltar a ser presidente”, disse. Para ele, ou se estabelece um mandato presidencial de seis anos ou se permite a reeleição. “Em quatro anos não se faz nada de duradouro.” /A.F., G.A., A.M., D.W. e M.O.

"Temos que combater o Tráfico de drogas de maneira diferente, não apenas de forma repressiva”