Título: O curinga das eleições de 2014
Autor: Rothenburg , Denise
Fonte: Correio Braziliense, 01/04/2012, Política, p. 6

São Paulo — Ele é detentor de uma bancada de 55 deputados na Câmara Federal. Tem laços políticos que vão do PSDB de José Serra ao PT de Dilma Rousseff e Lula. Com esses trunfos, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, é visto hoje como um dos poucos políticos livres para seguir qualquer caminho em 2014. "E se Dilma estiver bem avaliada, por que não apoiá-la?", diz ao Correio, abrindo o leque de opções.

Na entrevista concedida na sede da prefeitura, ele descarta desde já uma terceira via ao PT e ao PSDB, formada por ele e o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB). Mas, quando deixar a prefeitura, daqui a nove meses, Kassab pretende cuidar do partido e exercer alguma atividade de estado em São Paulo, caso José Serra saia vencedor. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Entrevista Gilberto kassab

O que o senhor vai fazer quando deixar a prefeitura no ano que vem? Como vou continuar na vida pública — gosto da vida pública —, terei uma atuação partidária. Mas também quero ter uma atuação que não seja apenas vinculada a partido. E isso vai depender das circunstâncias, das eleições deste ano.

Como assim? Com o Serra ganhando as eleições — e acho que ele vai ganhar as eleições —, posso contribuir com algum projeto no campo social. Não vou fazer parte do governo, mas isso vai preencher a vontade de estar numa atividade pública que não precisa estar diretamente ligada ao governo, uma atividade estadual, de apoio, de colaboração e contribuição. No entanto, é muito difícil fazer qualquer afirmação antes de termos o resultado das eleições deste ano. Os resultados é que definem os espaços mais fáceis de serem ocupados, e vou ocupar um espaço desses, espero, onde for convidado.

E se Dilma o convidar para o governo? Estou impedido. O partido é independente, mas eu não posso seguir. Isso não impede que Henrique Meirelles, Kátia Abreu ou qualquer outro integrante possam ocupar algum posto no governo federal, se forem convidados e quiserem.

São Paulo está sendo vista como a única eleição capaz de influir no cenário nacional de 2014. O fato de o senhor apoiar José Serra não retorna o senhor ao leito oposicionista para 2014? É um grande equívoco vincular o resultado das eleições em São Paulo à sucessão presidencial. Cada eleição fala por si só. O tempo passa, as circunstâncias mudam, e o que está em jogo este ano aqui é a eleição da cidade. Eu, todos sabem, apoio o Serra não apenas por lealdade, mas também por convicção. Entendo que é um dos homens públicos mais bem preparados do país. Ele vencendo, teremos um prefeito que já conhece todos os problemas, que já resolveu vários dos problemas da cidade. Essa é a razão do meu otimismo com a sua vitória e o meu entusiasmo com a candidatura.

Quais problemas estão resolvidos? Os problemas se resolvem por partes. A saúde, por exemplo, não está resolvida em lugar nenhum do mundo. Mas muitos avanços que aqui ocorreram tiveram a participação do Serra. Ele, por ter ocupado o cargo de ministro da Saúde — um dos melhores que o Brasil já teve —, conhece bem políticas públicas. Como prefeito, implantou uma série de ações que deram bons resultados. Dobramos os equipamentos. Tínhamos quase 500 e hoje temos quase mil. Programas foram criados. Isso é melhorar. Resolveu? Não. Mas melhorou.

O fato de o senhor apoiar José Serra hoje não significa que o senhor seguirá com os tucanos em 2014... De maneira alguma. Temos um compromisso assumido com todos aqueles que vieram para o PSD, que se somaram a um projeto iniciado, num primeiro momento aqui, em São Paulo. Depois, a ideia se consolidou. O partido nasceu na Bahia, com o vice-governador Otto Alencar, em parceria com o governador Jaques Wagner. Portanto, um partido que tem companheiros que vieram de uma campanha presidencial apoiando a Dilma. Outros, como eu, que vieram no apoio ao Serra, não podiam ter engessadas suas posições políticas ao longo de 2012, 2013 e 2014. Até 2014, seremos independentes. Independente não significa que não possa votar com o governo. Aliás, sempre digo, o natural é que na maior parte dos projetos que o governo encaminhar ao Congresso, haja nosso apoio, porque não é possível que um governo queira encaminhar projetos que entenda serem ruins para o país. A oposição sempre tem uma predisposição para votar contra. Falo predisposição porque eu tinha uma divergência séria com o DEM no passado, que votava sempre contra. Achava absurdo, porque votar sempre contra é torcer pelo quanto pior, melhor.

Antes das eleições, tem a decisão sobre o tempo de TV e o fundo partidário... Aguardamos com muita expectativa. Esperava que fosse em março, mas a Justiça não conseguiu, até porque o processo é moroso mesmo. Mas nossa expectativa é que, em abril, ainda tenhamos essa manifestação. Existe muito otimismo. Entendemos que, se a lei permite a mudança de um parlamentar para um novo partido, não é justo que a legenda não tenha os ativos desses deputados, como não é justo que o partido de origem fique com esses ativos, porque é outra sigla. O PSD vai se consolidar em 2014, quando estaremos com uma posição única no Brasil inteiro, num projeto nacional.

E qual é esse projeto? É difícil saber com tanta antecedência. Precisamos esperar o resultado das eleições municipais, as circunstâncias municipais, o desempenho da presidente Dilma, do seu governo. Se Dilma tiver um bom desempenho, por que não apoiá-la? Vamos ter muita isenção nessa análise.

A presidente Dilma enfrenta dificuldades políticas em Brasília. O senhor é visto como um exímio articulador. Que conselho o senhor daria a ela? Ela se revelou com muito talento administrativo e político. Tanto é que se elegeu presidente da República.

Mas, ela teve o apoio do presidente Lula... Quem não tem talento político não se elege presidente. Ela saberá fazer ao longo do tempo os ajustes necessários. Tenho plena confiança na sua sensibilidade. Não estou entre aqueles que entendem que ela está indo num processo irreversível de afastamento da classe política.

O senhor acha então que tem volta? Ela tem intuição, talento e um governo muito bem avaliado. Tudo isso vai lhe possibilitar permanentemente ter ao lado forças políticas que lhe darão a tranquilidade necessária para governar.

Em Brasília já se fala numa carreira solo PSB-PSD, com Eduardo Campos candidato a presidente e o senhor, vice... Não acredito nesse projeto. Acredito que, para 2014, o quadro já está no rumo. Uma candidatura do PT, outra do PSDB. Não posso dizer quem vai ser. Do PT, acho que será a Dilma. Do PSDB, não sei. Só posso afirmar que não será o Serra.

Por quê? E se ele quiser ser candidato? Não será. Tenho condições, melhor do que muitos, de afirmar isso, porque é para minha sucessão, é o nosso candidato, tenho assistido a depoimentos dele, a conversas dele. A garantia é total e absoluta. É zero a chance. Ele abandonou o projeto de presidente da República. Ele fez uma opção de vida, de voltar todas as energias para a cidade de São Paulo. Isso, para nós, é um grande ganho. Ele está muito motivado. Nunca negou que tinha o sonho de ser presidente da República, aliás, legítimo, por sua formação, sua experiência na vida pública. Mas todos nós temos sonhos que não alcançamos. Serra hoje não tem mais esse sonho. Sabe que não será presidente. E isso não diminui em nada a carreira que ele tem.

O presidenciável tucano será Aécio Neves? Na minha visão, sim. Mas estamos no campo da probabilidade. O partido irá fazer as suas prévias, não sou do PSDB. É mais fácil eu me manifestar em relação ao PT, porque a Dilma é a presidente. É natural que seja candidata à reeleição. Seria um atrevimento me manifestar em relação a qualquer outro partido.

Mas se ouve muito em Brasília, entre os políticos, que ela é difícil... Não vejo a Dilma afastada da classe política, nem hoje, nem amanhã. Em relação ao PSDB, é natural o Aécio se consolidar, mas não é definido. O Brasil caminha para ter uma candidatura com Dilma representando o governo e Aécio, a oposição.

O senhor acha que a economia pode abalar o atual prestígio de Dilma? A economia tem se revelado o principal pilar de sustentação dos governos. Geralmente, quando a economia vai bem, não digo nem o governo, mas a imagem do governo vai bem. As pessoas têm emprego, ganham bons salários, consomem. Toda a cadeia de produção se sente atendida e movimentada. E, hoje, vamos ser sinceros, sabemos da preocupação que existe em todo o mundo quanto ao andamento da economia. Há alguns países da Europa em situação difícil, a economia americana ainda gera preocupações, mas a brasileira vai bem. Não está tão bem quanto previa o governo, mas não está mal. Basta ver a avaliação da presidente Dilma.

Voltando ao PSD, há quem diga que se não obtiver tempo de TV, volta a tese da fusão com o PSB. Acho difícil. As direções dos dois partidos entenderam, num determinado momento e com muito entusiasmo, que o PSB e o PSD se consolidaram bastante nos últimos dois anos. É mais positivo estarmos juntos numa aliança do que num processo de fusão, no qual sempre há perdas. Na fusão, você tem estados onde é impossível a convivência. Então, terá perdas. Na aliança, não há prejuízo. Então, entendemos que não valeria a pena insistir nessa tese. Felizmente, os dois partidos cresceram, consolidaram-se, e a aliança é mais inteligente do que a fusão.

Juntos, esses partidos serão uma grande força no Congresso... Já existe uma ação conjunta, política. Aqui em São Paulo, fiz questão, em homenagem ao PSB, de ter um bloco formal. No plano nacional, existe um trabalho conjunto, votando a favor do governo.

Nessa nova relação de forças, como fica a questão da Presidência da Câmara? Nunca falamos sobre isso. É assunto para ser discutido no ano que vem, depois das eleições municipais. Não é inteligente, politicamente falando, discutir eleição do Legislativo que não seja no próprio ano. Gera um desgaste muito grande. Envolve companheiros que, legitimamente, têm essa aspiração. Acaba tumultuando a relação entre as bancadas e os parlamentares.

O candidato a vice de Serra é assunto para agora? É aquilo que tenho dito: nosso apoio ao Serra é incondicional. Foi delegado a ele a composição política da sua candidatura e aquele que ele indicar terá o nosso apoio. Se for do PSD, temos alguns quadros que sugerimos para avaliação dele, mas ele pode avaliar outros também.

O senhor acredita em chapa pura do PSDB aqui em São Paulo? Em princípio, a minha sensibilidade política diz que não seria positivo. Existe uma tradição no Brasil de que a aliança também é traduzida na composição da chapa. Se tem uma aliança de cinco, seis partidos, colocar o prefeito e o vice da mesma legenda não é natural. Serra saberá avaliar isso, tem o maior interesse na própria vitória, na representatividade da chapa. A sua decisão será a nossa, mas, em princípio, acho que não é esse o melhor encaminhamento.

E o DEM, que reivindica a vice? Se o Serra decidir que será dado ao DEM, da nossa parte, sem problemas.

Essa eleição é vista como aquela de se cumprir dívidas de gratidão com o passado. O senhor apoia Serra. Eduardo Campos fica para o lado de Lula. Depois, esses compromissos se liquidam... Os compromissos são eternos. Se eu tenho uma boa relação com o Serra, não é uma boa relação para essa eleição. É uma relação permanente. Na eleição de 2008, o PSDB teve outro candidato a prefeito, Geraldo Alckmin. Isso em nada abalou nossa relação de parceria, de estima. Da mesma maneira ocorre com o governador Eduardo Campos.

O senhor será candidato a governador em 2014? É muito difícil essa afirmação. Primeiro, porque o governador Geraldo Alckmin tem uma aliança conosco. Seu vice é Guilherme Afif, do PSD. Seu governo está bem avaliado. Se é bem avaliado, por que não continuar? As eleições de 2014 serão discutidas em 2014. É uma questão de bom senso. Não estamos nem ainda na campanha de prefeito. Ainda não há elementos para avaliar as próximas eleições de presidente e de governador. E são elementos fundamentais, vinculados à eleição deste ano e à performance do governo ao longo de 2013, seja o governo do estado, seja o governo federal.

Como o retorno do presidente Lula para a campanha influencia a disputa? Paulistana e brasileira, né? Vejo com muito entusiasmo. Sua vinda só contribui para a nossa democracia. Mas isso não quer dizer que os candidatos se sintam vitoriosos. Na eleição municipal, principalmente, o que pesa muito é o candidato, o conhecimento que ele tem dos problemas da cidade, o sentimento que desperta nas pessoas, ainda mais numa cidade como São Paulo. Quem não é o candidato que gostaria de ter o apoio do presidente Lula, com a sua dimensão, com a sua credibilidade? Mas não é o que define uma eleição. O que pesa é a qualidade do candidato.