Título: O drama de Chávez
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 07/04/2012, Mundo, p. 18

O otimismo que marcava as palavras de Hugo Chávez sobre o tumor que lhe acomete deu lugar ao desespero. Quase três meses depois de afirmar que está "mais vivo do que nunca", um presidente em lágrimas falou sobre a doença e pediu a Deus: "Não me leve ainda". A súplica — feita durante uma missa em sua cidade natal, Bariñas (sudoeste), na noite de quinta-feira — e a guerra de informações sobre os próximos passos do tratamento deram a entender que o câncer de Chávez seria extremamente grave.

Durante parte do dia de ontem, aumentaram os rumores de que o líder teria aceitado um convite do governo brasileiro para a realização de exames no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. As especulações surgiram após uma conversa telefônica entre Chávez e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tratou de um câncer de laringe no mesmo hospital. Lula pediu ao amigo que fosse "disciplinado e sério" em relação ao tratamento.

Fontes venezuelanas chegaram a confirmar ao Correio que um avião Falcon, levando a equipe de segurança avançada do Palácio de Miraflores, havia partido de Caracas às 10h de ontem (11h30 em Brasília), com destino ao Brasil. No entanto, às 20h30, a agência de notícias Reuters divulgou que um funcionário do governo venezuelano garantiu que Chávez embarcaria para Havana na noite de hoje e que não planeja vir para o Brasil.

"A informação (sobre a vinda ao Brasil) foi repassada por um funcionário do governo daqui. Ele disse que Chávez se reuniria com a colega Dilma Rousseff e visitaria o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva", explicou à reportagem Ramón Medina Alfonso, jornalista do diário La Noticia, de Bariñas. O suposto encontro, segundo o também jornalista Nelson Bocaranda, ocorreria hoje ou amanhã. O Itamaraty e o Planalto negaram ter recebido uma notificação sobre a viagem.

Ramón Medina afirmou que Rosa Virginia e María Gabriela, filhas do presidente, estariam pressionando o pai a escutar a opinião de outros especialistas sobre o tumor na região pélvica. O avião presidencial deixou Bariñas às 19h45 (hora de Brasília), em direção à cidade de Maiquetía, perto de Caracas. Em entrevista à emissora governamental Venezolana de Televisión (VTV), já no Palácio de Miraflores, Chávez silenciou-se ao ser questionado sobre a agenda de hoje.

Na noite de quinta-feira, o mandatário emocionou-se ao citar a doença. "Eu digo a Deus. (...) Dai-me a vida, ainda que seja flamejante, vida dolorosa, não me importa", declarou, em meio a uma salva de palmas, durante a celebração católica reservada à família. Diante da imagem de Cristo crucificado e com um terço no pescoço, o presidente fez uma súplica desesperada. "Dai-me tua coroa, Cristo. Dai-me, que eu sangro, dai-me tua cruz, 100 cruzes, que eu as carrego, mas dai-me vida. Porque ainda me faltam coisas a fazer por este povo e por esta pátria. Não a tire de mim. Dai-me tua cruz. Dai-me teus espinhos, dai-me teu sangue, que estou disposto a levá-la, mas com vida, Cristo, meu senhor. Amém." Na primeira fila, a mãe de Chávez, Elena Frías, não conseguiu conter as lágrimas.

"Sem opção" O médico intensivista venezuelano José Rafael Marquina, que garante ter acesso a dados sobre o prontuário de Chávez, assegurou ao Correio que a escolha pelo regresso a Cuba não fará diferença no prognóstico do câncer. "A radioterapia e a quimioterapia falharam. Ele não tem mais opções de tratamento, a não ser se submeter a um estudo experimental em um centro de oncologia, talvez no Brasil ou nos EUA", comentou.

O especialista apontou "erros gravíssimos" no tratamento realizado em Cuba. "Os médicos cubanos o operaram e diagnosticaram um abscesso pélvico. Só depois deram-se conta de que se tratava de um câncer. Uma semana depois, ele foi novamente operado e teve o tumor ressecado. Inicialmente, pensaram que era um câncer de cólon e, depois, de bexiga. Chávez recebeu quimioterápicos errados e não se submeteu à radioterapia. Em quatro meses, apresentou um novo tumor, provavelmente resultado dos esteroides, que bloquearam a resposta natural à doença", explicou o médico.

Batalha pela saúde

Veja a cronologia da luta de Chávez contra a doença:

» 9 de maio de 2011 O presidente Hugo Chávez aparece utilizando muletas e afirma ter um problema no joelho.

» 10 de junho Em Havana, o chanceler venezuelano, Nicolás Maduro, revela que Chávez foi operado para a retirada de um "abscesso pélvico", em caráter de urgência.

» 25 de junho O jornal El Nuevo Herald, de Miami, cita fontes de inteligência norte-americanas, segundo as quais o presidente sofre de um quadro clínico "crítico, não grave".

» 30 de junho Chávez anuncia ter extraído um tumor e admite que começou um tratamento contra o câncer.

» 2 de julho O chanceler da Venezuela garante que o tumor foi retirado "a tempo" e "por inteiro".

» 6 de julho O governo brasileiro oferece a Chávez a possibilidade de tratamento no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Ele recusou a ajuda, por temer que o hospital não seria capaz de fornecer a segurança e a privacidade desejadas, incluindo o bloqueio das portas e a revista a todos os visitantes.

» 16 de julho Chávez viaja a Havana e se submete ao primeiro ciclo de quimioterapia.

» 23 de julho Ele retorna a Caracas e afirma que os exames "não detectaram a presença de células malignas em nenhuma parte de seu corpo".

» 28 de julho No dia em que completa 57 anos, Chávez retira a palavra "morte" das consígnias da revolução bolivariana.

» 1º de agosto Chávez faz a primeira aparição pública sem cabelo (foto).

» 7 de agosto O presidente retorna a Havana e começa o segundo ciclo de quimioterapia.

» 27 de agosto Após ficar seis dias em Cuba, ele volta para Caracas, interna-se em um hospital militar e inicia o terceiro ciclo da quimioterapia.

» 10 de setembro O presidente garante ter "derrotado" o câncer e descarta o termo "enfermo".

» 17 de setembro Ele desembarca novamente em Havana, para o quarto e último ciclo do tratamento à base de quimioterápicos.

» 27 de setembro O jornal Nuevo Herald divulga que Chávez foi internado em caráter de emergência, com o estado de saúde "bastante grave".

» 16 de outubro O médico Salvador Navarrete, que garante ter feito parte da equipe que atendeu Chávez, afirma que ele tem um "tumor de pélvis muito agressivo" e cita que a expectativa de vida "pode ser de até dois anos". No mesmo dia, o presidente desembarca em Cuba para uma "revisão integral".

» 9 de dezembro O mandatário cancela uma viagem à Argentina e uma reunião com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

» 13 de janeiro de 2012 Chávez fala durante 9 horas e meia no Parlamento e garante que sua recuperação vai "muito bem".

» 23 de janeiro O diário espanhol ABC publica uma informação sigilosa, segundo a qual o presidente tem de 9 a 12 meses de vida. Quatro dias depois, o próprio Chávez garante estar "mais vivo do que nunca".

» 21 de fevereiro Chávez confirma que esteve em Cuba mais uma vez e revela a detecção de uma "lesão" no lugar do tumor. Nega metástase, mas admite nova operação.

» 24 de fevereiro O presidente volta a Havana e se submete à cirurgia.

» 4 de março Ele confirma que o tumor extirpado era "uma recorrência" do câncer e que se submeterá à radioterapia.

» 16 de março Chávez regressa a Caracas, após três semanas em Cuba. Ele afirma se sentir bastante recuperado.

» 4 de abril O vice, Elías Jaua, diz que o segundo ciclo de radioterapia foi um sucesso.

» 5 de abril Chávez chora e pede a Jesus que não lhe tome a vida.