O Estado de São Paulo, n. 45433, 09/03/2018. Economia, p. B3

 

Brasil diz que recorrerá da taxa do aço

Lorenna Rodrigues e Lu Aiko Otta

09/03/2018

 

 

Nota afirma que medida causará graves prejuízos às exportações brasileiras; País é o segundo maior exportador do produto para os EUA

A assinatura do decreto que oficializa as novas taxas para importação de aço e alumínio por Donald Trump foi um balde de água fria nos planos do governo brasileiro, que ainda tentava excluir o Brasil da lista de países atingidos pela medida. Ontem, o Brasil divulgou nota em que disse que recorrerá a “todas as ações necessárias” para preservar seus direitos e interesses.

“Ao mesmo tempo em que manifesta preferência pela via do diálogo e da parceria, o Brasil reafirma que recorrerá a todas as ações necessárias, nos âmbitos bilateral e multilateral, para preservar seus direitos e interesses”, afirma nota assinada pelos ministérios do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic), Marcos Jorge, e Relações Exteriores, Aloysio Nunes. No texto, o governo ressalta que as medidas causarão graves prejuízos às exportações brasileiras e terão “significativo” impacto negativo nas relações comerciais e de investimentos entre os dois países.

O Brasil é o segundo maior exportador de aço para os Estados Unidos, atrás apenas do Canadá. Embora a reação do governo brasileiro tenha sido dura, a estratégia permanece a mesma, segundo apurou o Estadão/Broadcast. O País pretende insistir na tese de que as exportações de produtos siderúrgicos complementam, e não ameaçam a indústria siderúrgica norte-americana e esgotar o diálogo com o governo Trump antes de partir para outros instrumentos, como o recurso a organismos internacionais para reafirmar que o argumento da ameaça à segurança nacional não se sustenta.

O embaixador do Brasil em Washington, Sergio Amaral, afirmou que o País têm condições para negociar com a administração Trump para retirar o País da lista de nações afetadas. “Temos contato com a bancada do aço no Congresso, com as indústrias americanas”. De Nova York, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, disse que o governo está aberto a negociações.

Recursos. Para o presidente do Instituto Aço Brasil, Marco Polo Lopes, o Brasil entrará imediatamente com recurso contra a decisão de Trump, mas, de outro lado, o governo brasileiro precisará colocar na mesa a necessidade de proteção do mercado brasileiro, visto que o fluxo de aço que deixará de ser direcionado aos Estados Unidos poderá recair no Brasil. “Esperamos agora que o Ministério da Fazenda tenha sensibilidade de que há uma guerra comercial detonada pelo Trump de proporções grandes”, disse.

O setor do aço defende há muito tempo a adoção de medidas protecionistas pelo governo brasileiro. “Há um grande excesso de capacidade global de aço. O Brasil já é vulnerável para o recebimento de volumes de importação”.

Para o gerente executivo da unidade de assuntos internacionais da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Diego Bonomo, a decisão dos Estados Unidos vai “flagrantemente” contra as normas internacionais./ COLABORARAM RICARDO LEOPOLDO E FERNANDA GUIMARÃES

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Entrevista - Welber Barral

Márcia De Chiara

09/03/2018

 

 

Para especialista, decisão de Trump esvazia sistema multilateral de comércio, um dos pilares da OMC

 

‘É uma visão muito simplória do comércio internacional’ - Welber Barral, ex -secretário de Comércio Exterior do Mdic e sócio da Barral M Jorge Consultores

 

O decreto anunciado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de sobretaxar as importações de aço e alumínio de todos os países, com a possibilidade de excluir o Canadá e o México, revela, segundo ex-secretário de Comércio Exterior e sócio da Barral M Jorge Consultores, Welber Barral, uma visão muito simplória do comércio internacional. A decisão esvazia, segundo ele, o sistema multilateral de comércio. “Há risco de perda de eficácia da Organização Mundial do Comércio (OMC)”. A seguir trechos da entrevista.

 

Como o sr. avalia a medida?

A lógica do comércio internacional desde 1947, quando o Gatt foi criado, o precursor da OMC, é que as concessões feitas por produtos acabam se estendendo a todos os membros, na época do Gatt, e hoje da OMC. Trump está querendo levar a negociação produto a produto bilateralmente, o que é inadministrável. É uma visão muito simplória do comércio internacional.

 

Por quê?

Em primeiro lugar, você não consegue negociar bilateralmente todos os produtos. Em segundo lugar, isso viola um dos pilares da OMC no qual não é permitido fazer concessão para um país. Em terceiro lugar, Trump cria um grau de instabilidade porque diz que não só relações comerciais serão levadas em conta, apontando questões militares, questões relacionadas a tratamento justo com os EUA. Há fatores que não se sabe como serão considerados. Muito provavelmente grandes parcei- ros comerciais vão retaliar, caso da Europa e da China.

 

Como fica a OMC?

Com essa decisão, Trump esvazia o sistema multilateral de comércio. Há um risco de perda de eficácia da OMC. Ela fica fragilizada porque, bem ou mal, os EUA são o principal ator do comércio global.

 

Como enfrentar esse cenário?

Imediatamente é fazer lobby nos EUA para tentar mitigar os efeitos. Sendo realista, é o que dá para fazer agora. Estamos numa fase em que todo mundo está preocupado em tirar as suas exportações. O que eles colocaram no anúncio é que a sobretaxa de 25% sobre o aço pode ser revista.

 

O risco aumentou no comércio internacional após essa medida?

Sim, muito. Seguramente vai haver novos capítulos: retaliação, contra retaliação, negociações. Trump vai ter de aprender que o comércio internacional é muito mais complicado do que ele imagina.

 

E o Brasil?​

O Brasil tem apenas 1% do comércio mundial, não é um ator importante. Provavelmente, vai observar o comportamento dos principais atores. Eventualmente, vai reclamar na OMC, se tiver fundamento para isso.

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Retaliação europeia deve atingir republicanos

Jamil Chade

09/03/2018

 

 

Na lista da Europa, estão produtos fabricados em Estados relevantes para o partido, com intuito de que haja impacto político

Na estratégia para pressionar o governo de Donald Trump, a Europa se prepara para apresentar retaliações contra produtos americanos fabricados nos estados que são base eleitoral dos republicanos e nas regiões de origem de lideranças do partido do presidente. Ontem, a Casa Branca anunciou medidas protecionistas ao setor siderúrgico.

Na formulação de uma ampla lista de produtos emblemáticos americanos que seriam alvo de retaliação, os europeus incluíram as motos Harley Davidson Inc, fabricadas no Estado de Wisconsin, base eleitoral do presidente do Congresso , o republicano Paul Ryan.

A ideia é que, além de um impacto comercial, o protecionismo da Casa Branca também tenha consequências políticas. O eleitorado justamente que votou por líderes republicanos seriam os primeiros a sofrer algum tipo de prejuízo.

Outros produtos afetados ainda viriam de Estados com forte produção agrícola, também com forte apoio ao Partido Republicano. Um dos bens sob ameaça ainda seriam bebidas como o uísque bourbon, fabricado no estado de Kentucky. O local é a base eleitoral de Mitch McConnell, líder da maioria republicana no Senado.

Ao Estado, um negociador europeu explicou que houve um cuidadoso mapeamento de quais produtos seriam sensíveis politicamente para Trump e seu partido. A lista conta com um terço de bens industriais, um terço de agrícola e o outro terço do setor siderúrgico.

O objetivo é de que, pressionados por seu eleitorado, o Partido Republicano possa influenciar Trump a desistir do caminho protecionista.