Correio braziliense, n. 20070, 03/05/2018. Cidades, p. 19

 

Guaritas e muros rumo à legalidade

Ana Viriato

03/05/2018

 

 

URBANISMO » Governo do DF elabora um dispositivo legal capaz de regulamentar os cercamentos de terrenos. Medida pode beneficiar condomínios em processo de regularização. Na Câmara, Lei de Uso e Ocupação do Solo (Luos) começa a tramitar nas comissões

Considerada sinônimo de segurança para moradores de condomínios, a permanência de guaritas e muros nas unidades habitacionais está próxima da regulamentação. Em reunião com representantes de entidades, ontem, o secretário de Gestão Territorial e Habitação (Segeth), Thiago de Andrade, comprometeu-se a apresentar, nos próximos 15 dias, a minuta da proposta que tornará legal a existência dos cercamentos vistos em várias partes do Distrito Federal. A consolidação do dispositivo legal promete dar fim a um imbróglio que se arrasta há pelo menos 25 anos.

A medida envolve milhares de pessoas de condomínios legais e em processo de regularização. Apenas em 2019, por exemplo, a Agência de Desenvolvimento de Brasília (Terracap) pretende escriturar unidades residenciais de oito condomínios. Para este ano está previsto o início da regularização de terrenos do Solar de Brasília, no Lago Sul, das Etapas I e II do Jardim Botânico, do Trecho 1 de Vicente Pires, além dos setores habitacionais Arniqueiras e Bernardo Sayão.

Apesar de comuns, pela legislação brasiliense, os cercamentos não podem ser regularizados com as unidades residenciais, uma vez que são considerados partes independentes. Todos, portanto, estão hoje suscetíveis às ações da Agência de Fiscalização do DF (Agefis), que pode derrubá-los. Executivo e deputados distritais tentaram mudar o quadro em diversas oportunidades. Contudo, os projetos caíram na inconstitucionalidade — seja por vícios materiais e formais, seja pela ausência de uma lei federal que criasse a previsão legal.

Apesar disso, uma proposta aprovada pelo Congresso Nacional no ano passado, conhecida como Lei da Regularização Fundiária, abriu brechas para o aval aos fechamentos. O artigo 78 da norma altera a Lei nº 6.766/79, que trata dos parcelamentos de terras e estabelece que o terreno “pode ser constituído sob a forma de imóvel autônomo ou de unidade imobiliária integrante de condomínio de lotes”.

De olho na possibilidade, associações de moradores e entidades procuraram o Executivo local, mais uma vez, em busca de uma solução para o impasse. A comissão de representantes do Movimento Popular pela Lei de Muros e Guaritas entregou ao governador Rodrigo Rollemberg (PSB), no fim do ano passado, um rascunho de proposição.

Definição de termos

O secretário Thiago de Andrade afirmou que, apesar do prazo estabelecido para a apresentação da minuta, “ainda há vários diálogos pela frente”. “Vamos dar uma resposta aos representantes da sociedade civil que criaram um movimento plural de discussão. Estamos avaliando tudo muito bem para apresentar uma contraproposta e buscar o formato jurídico perfeito que regularize muros, guaritas e cercas”, apontou.

Depois de apresentada às entidades comprometidas com a alteração da legislação nas próximas duas semanas, o rascunho da iniciativa que regulamenta o fechamento dos condomínios será levada à consulta popular para o recebimento de elogios, ponderações e críticas. O GDF ainda não definiu o formato do dispositivo legal que regulamentará os cercamentos: projeto de lei ou decreto.

A presidente da União dos Condomínios Horizontais e Associação de Moradores do DF (Única), Júnia Bittencourt, alegou que a regularização dos cercamentos atende, além das necessidades de moradores, os objetivos de profissionais e empresários. “Uma lei nesse sentido propõe segurança jurídica a quem vai regularizar os imóveis. Mesmo com a escritura dos lotes em mão, precisamos ter certeza de que nenhum condomínio terá seus muros e guaritas removidos. Além disso, os cercamentos aumentam a sensação de segurança sobre as pessoas e propriedades”, destacou.

Vício de iniciativa

O imbróglio sobre a manutenção das guaritas e muros em condomínios horizontais se alonga há décadas. Em 2012, distritais aprovaram projetos para colocar um ponto final na situação, mas as leis foram consideradas inconstitucionais por vício de iniciativa. Isso porque apenas o Poder Executivo pode propor a criação de um projeto que trate sobre o fechamento dos condomínios. No ano seguinte, a legislação caiu por vício formal. À época, os magistrados do Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios (TJDFT) entenderam que o texto deveria ter sido elaborado como lei complementar em vez de ordinária. Na primeira situação, a regra é aprovada por maioria absoluta na Câmara, enquanto, na segunda, precisa apenas de maioria simples. A ordem agora é enviar a proposta ao Legislativo local só quando dada como certa a segurança jurídica da proposição.

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Luos pode ser aprovada neste ano

03/05/2018

 

 

Cinco meses após o protocolo na Câmara Legislativa, a Lei de Uso e Ocupação do Solo (Luos) começou, ontem, a tramitar oficialmente na Casa. Em um café da manhã na Comissão de Assuntos Fundiários (CAF), o secretário de Gestão Territorial e Habitação, Thiago de Andrade, apresentou o ponto a ponto da proposta que unifica 420 normas vigentes e deve regulamentar o uso de residências para a prática comercial, desde que comprovada a atividade há um ano da sanção da lei, além de facilitar construções pós-regularização.

O colegiado receberá sugestões de todos os parlamentares até maio. A ideia é buscar consenso e construir um texto alinhado com as necessidades de setor produtivo e da população para evitar emendas em plenário, condição que pode travar as discussões e tornar a proposição inconstitucional. Um grupo de estudo pretende simplificar a proposição e corrigir eventuais falhas.

Provável relatora da matéria, Telma Rufino (Pros) quer liberar a proposição para as outras comissões em junho e costurar a votação em plenário neste ano. “No que depender de mim, vamos pisar no acelerador. Se enrolarmos, por mais que seja ano eleitoral, é a população quem perde”, disse.

O processo de discussão do tema durou quase três anos no Executivo, uma vez que a atual gestão retirou a proposta antiga do Legislativo local e recomeçou os debates sobre o uso e ocupação do solo no Distrito Federal. O texto atualiza as regras de utilização de 360 mil terrenos em todo o DF — somente lotes em áreas irregulares e no setor tombado estão fora da Luos.

Participação popular

O presidente da Câmara Legislativa, Joe Valle (PDT), lembrou que a população tem chance de participar do processo sem comparecer à Casa. A proposta será disponibilizada no e-democracia, portal em que qualquer um pode sugerir emendas. “Pretendemos fazer tudo às claras”, ressaltou.

O pedetista ponderou, ainda, que os distritais devem trabalhar de forma simultânea para emplacar o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) no DF, indicando como e onde devem ocorrer novos empreendimentos e ocupações do solo, com respeito às peculiaridades demográficas, ambientais e socioeconômicas. “Precisamos observar o tamanho das nossas pernas, mas sinto que seria uma incongruência aprová-lo muito depois”, disse Joe Valle. (AV)

Em discussão

Confira as inovações previstas pela Lei de Uso e Ocupação do Solo (Luos)

Limites para vagas

O número de vagas no empreendimento depende da atividade exercida e da proximidade a eixos de transportes públicos. Esse quesito definirá o grau de acessibilidade do loteamento. Nos locais de alta acessibilidade, até 40% do espaço poderá ser ocupado por estacionamentos; nos de baixa, o percentual sobe para 60%. É possível aumentar o limite com o pagamento de uma taxa

Fachada ativa

Os edifícios localizados em centros de grande atividade terão de contar com portas e janelas voltadas para as ruas

Vocação mista

A lei regulamenta a atuação comercial em áreas residenciais. É necessária a comprovação de funcionamento pelo prazo mínimo de um ano anterior à data da sanção da Luos. Ainda assim, é preciso haver anuência prévia dos vizinhos. Fica vedada, entretanto, a fachada comercial

Mudança em taxas

Há uma nova tabela para as outorgas para mudança da atividade do estabelecimento ou ampliação da construção, na qual as taxas cobradas terão pesos diferenciados de acordo com a localização do imóvel

Regularização

Imóveis em regiões que detêm licenciamentos ambientais e urbanísticos, mas ainda dependem do registro no cartório, seguirão as diretrizes da Luos

Transição

As empreiteiras poderão escolher adotar, no prazo de dois anos a contar da publicação da lei, as disposições da legislação anterior ou as da aprovada