O Estado de São Paulo, n. 45432, 08/03/2018. Economia, p. B30
Governo quer agência para regular setor de carnes
Lu Aiko Otta
08/03/2018
Após escândalos revelados pela Operação Carne Fraca, ministro da Agricultura prepara proposta para tentar modernizar sistema de inspeção agropecuária
O governo estuda enviar ao Congresso proposta para modernizar o sistema de inspeção federal na produção agropecuária, disse ontem o ministro da Agricultura, Blairo Maggi. O ministro afirmou que conversou com o presidente Michel Temer sobre o assunto. Segundo técnicos, a proposta passa, por exemplo, pela criação de uma estrutura mais autônoma, como autarquia ou agência reguladora, para fiscalizar a produção agropecuária.
A reforma do sistema é parte do processo deflagrado a partir da operação Carne Fraca, em 2017. Ontem, o ministério publicou portaria distribuindo por dez unidades do Serviço de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Sipoa) a fiscalização de frigoríficos. Com isso, a definição das inspeções sai da esfera das superintendências estaduais, cujos comandos são decididos por indicação política.
A melhora na estrutura de fiscalização do governo e nos procedimentos dos frigoríficos desde a primeira etapa da Carne Fraca, de março de 2017, faz parte de levantamento que Maggi pretende divulgar nos mercados externo e interno. Ele quer traçar uma linha divisória antes e depois da operação, e garantir que agora os problemas de sanidade serão “episódicos”.
A operação Trapaça, deflagrada na segunda-feira, investiga fatos ocorridos em 2014 e 2015, antes da Carne Fraca. Ela teve como alvo a BRF e apura o uso de laudos falsificados de cinco laboratórios credenciados pelo Ministério da Agricultura. Os documentos servem para atestar a qualidade do produto ao importador. Como consequência, o governo proibiu três plantas da empresa de exportar para 12 mercados. “Infelizmente, a BRF foi a que mais foi acusada. Tenho até dó da empresa, porque ela ficou sob nossa orientação, passamos a fiscalizar com muita frequência e de fato fizeram a lição de casa, subiram de patamar. No momento em que começava a ganhar elogios, leva uma bordoada. Mas são coisas do passado”, disse Blairo.
O presidente mundial da empresa, José Drummond, e o conselheiro e ex-ministro Luiz Fernando Furlan estiveram anteontem com Maggi. O ministro comentou que a empresa está muito confiante nas providências tomadas desde o ano passado. Ele acrescentou que as plantas que tiveram as exportações suspensas estão passando uma checagem. Se estiver tudo certo, elas serão novamente liberadas para vender ao exterior.
Consultas do exterior. No momento, porém, o governo trata de dar esclarecimentos. Além de União Europeia e Hong Kong, outros mercados da carne de aves brasileira pediram informações adicionais ao governo após a Trapaça. “Acho que todos vão pedir”, comentou Maggi. “Acho legítimo. Eu, na posição de ministro da Agricultura, faria o mesmo.”
Corrigindo uma falha de comunicação ocorrida na Carne Fraca, de 2017, o governo enviou informações aos mercados consumidores assim que a operação ocorreu.
Lição de casa
“Infelizmente, a BRF foi a que mais foi acusada. Tenho até dó porque ela ficou sob nossa orientação, passamos a fiscalizar com frequência e de fato fizeram a lição de casa, subiram de patamar.” - Blairo Maggi​, MINISTRO DA AGRICULTURA
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Ordem em e-mails era para resolver problemas, diz ex-BRF
08/03/2018
Em depoimento à Polícia Federal, o ex-executivo da BRF Hélio Rubens Mendes dos Santos Júnior deu a sua versão sobre o conteúdo dos e-mails corporativos que ajudaram a balizar a terceira fase da Operação Carne Franca, denominada Trapaça. A ação resultou na prisão de 11 funcionários da gigante dos alimentos, incluindo Pedro Faria, ex-presidente da empresa.
Ex-vice-presidente da BRF, Santos Júnior afirmou em depoimento, ao qual o Estado teve acesso, que frases de Faria – entre elas, “Hélio, por favor avalie algo drástico por lá” ou “vamos juntos eliminar todas as exposições” – representariam uma ordem para sanar os problemas da planta industrial de Rio Verde (GO). No entendimento dos procuradores, porém, as frases seriam um sinal para esconder esses problemas.
No depoimento, o ex-executivo da BRF disse também se recordar que a alta gestão da companhia considerava que a planta de Rio Verde apresentava mais problemas técnicos do que as demais fábricas, o que motivou a troca de vários gerentes daquela indústria. Além disso, lembrou que a área de qualidade foi alertada e que foi ordenada uma auditoria no local.
Acusação. No parecer do pedido de prisão dos dois executivos entregue à Justiça Federal, em Ponta Grossa, a procuradora da República Lyana Helena Joppert Kalluf considerou que e-mails e documentos que integram o processo trabalhista da ex-funcionária da BRF Adriana Marques Carvalho e materiais apreendidos nas primeiras fases da Carne Fraca, em 2017, deixam “clara a existência de associação criminosa entre os funcionários envolvidos que teriam poder de mando para questionar procedimentos da empresa ou suscitar mudanças”.
Os investigadores suspeitam que Faria e Santos Júnior tinham papel ativo na maquiagem de documentos. Ao pedir a prisão, o MPF apontou a necessidade de levantamento de mais documentos para apurar o envolvimento ou não de ambos com ilícitos. O MPF ressaltou ainda a possibilidade de os executivos poderem ajudar a esconder ilícitos. / RENATA AGOSTINI e RICARDO BRANDT