O Estado de São Paulo, n.45441 , 17/03/2018. Metrópole, p.A15

MUNIÇÃO QUE MATOU MARIELLE FOI DESVIADA DA PF

Fábio Serapião 

 

 

Investigação. Perícia em cápsulas recolhidas na cena do crime apontou que balas pertenciam ao mesmo lote das encontradas no local da chacina na Grande São Paulo, em 2015, quando 17 morreram. Polícia Federal já abriu 50 inquéritos para apurar desvios

As balas que mataram a vereadora Marielle Franco (PSOL) e o motorista Anderson Gomes, na última quarta-feira, são do mesmo lote da munição usada na chacina de Osasco, em agosto de 2015, que deixou 17 mortos. O exame das cápsulas encontradas no local do atentado no Rio revelou que são projéteis 9 milímetros do lote UZZ18, da Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC), comprado pela Polícia Federal em 2006. A polícia investiga o desvio da munição.

As munições calibre 9 milímetros usadas para matar a vereadora Marielle Franco (PSOL) e o motorista Anderson Gomes, na quarta-feira, no Rio, pertencem ao mesmo lote das balas utilizadas na maior chacina da história de São Paulo, que aconteceu em agosto de 2015 e deixou 17 mortos. A descoberta se deu ontem depois que a perícia divulgou que as cápsulas achadas na cena dos assassinatos pertenciam ao lote UZZ18, vendido pela Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC) à Polícia Federal em Brasília em 2006. A PF já tem cerca de 50 inquéritos para apurar desvios relacionados a esse lote.

O ministro extraordinário da Segurança Pública, Raul Jungmann, confirmou ao Estado que desvios acontecem “há vários anos” e inquéritos estão em andamento na PF para descobrir os responsáveis. “Acredito que as cápsulas encontradas na cena do bárbaro crime foram efetivamente roubadas”, disse.

Segundo o ministro, a PF já mapeou munição desse lote roubada em uma agência dos Correios da Paraíba e, também, desviada por um escrivão da Superintendência da PF no Rio. No caso do escrivão, ele foi preso e exonerado.

O Estado apurou que o lote de munições comprado em 2006 é visto internamente como “problemático” pela PF, e o ponto principal é o seu tamanho: mais de um milhão de balas. Ele foi um dos maiores já adquiridos pela corporação.

A compra foi uma das primeiras realizadas pela Polícia Federal após a regulamentação da necessidade de identificação do lote prevista no Estatuto do Desarmamento, de 2003. Por causa do tamanho do lote, essa munição foi espalhada pela PF para todas suas superintendências nos 26 Estados e no Distrito Federal.

Outra dificuldade que a PF enfrenta para descobrir quem desviou as munições para os bandidos é a falta de controle sobre o material recebido por cada policial. Com base no lote, a PF sabe apenas qual superintendência estadual recebeu, mas não consegue apontar quem era o policial responsável por ela.

Chacina. No caso da chacina ocorrida em Osasco e Barueri, na Grande São Paulo, havia balas de cinco lotes, entre eles do UZZ-18. O promotor Marcelo Oliveira, que representou a acusação nos julgamentos, lembrou que o Rio chegou a ser citado em um dos depoimentos no júri, em março.

Oliveira destacou a necessidade de que o caminho da munição seja investigado. “Se essa situação do lote realmente for confirmada, é claro que há um descontrole muito perigoso em relação a armas e munições. E fica claro para qualquer um que a suspeita recai sobre integrantes de forças de segurança”, disse.