Título: Ministro evita polêmica
Autor: Abreu, Diego
Fonte: Correio Braziliense, 21/04/2012, Política, p. 6

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Ayres Britto, tentou esfriar o debate em torno das declarações dos ministros Joaquim Barbosa e Cezar Peluso, e negou a inversão no conteúdo de decisões tomadas durante a gestão do antecessor na Presidência do tribunal, encerrada na última quinta. Britto também garantiu não ter visto casos de racismo na Corte. Já o ministro Marco Aurélio Mello classificou o momento como de "autofagia", com acusações mútuas trocadas entre Peluso e Barbosa.

A briga entre os dois ministros teve como origem uma entrevista de Peluso ao site Consultor Jurídico. Ele classificou o colega como inseguro, de difícil temperamento e, ainda, violento ao reagir a provocações. Revoltado com as críticas, Barbosa retrucou. Em entrevista publicada ontem pelo jornal O Globo, ele acusou Peluso de manipular resultados de julgamentos. Chamou o ex-comandante do STF de "ridículo", "brega", "caipira", "corporativista", "desleal", "pequeno" e "tirano". Barbosa ainda sugeriu que o colega é racista e disse que foi vítima de bullying por causa dos problemas de saúde que enfrenta — o ministro tem um problema na coluna que o afastou diversas vezes de julgamentos.

Ayres Britto evitou polemizar, mas, em declaração feita a jornalistas, foi enfático: "É logicamente impossível fazer manipulação de resultado. Às vezes entre o voto dele e a proclamação, ele (o presidente) tenta reverter o quadro. Não é manipulação. É uma ênfase. Nunca vi e nunca verei um presidente alterar o conteúdo de uma decisão porque os outros reagiriam", frisou. Britto descartou a hipótese de Barbosa ser vítima de racismo por ser negro. "Nós somos contra o racismo por dever, porque o racismo é proibido pela Constituição e é criminalizado."

Na entrevista publicada ontem, Joaquim Barbosa destacou que Peluso "não hesitou em votar duas vezes num mesmo caso, o que é absolutamente inconstitucional, ilegal, inaceitável". Ele referia-se ao julgamento em que o então presidente do STF usou da prerrogativa do voto de qualidade para afastar a aplicação da Lei da Ficha Limpa contra o senador Jader Barbalho (PMDB-PA) e determinar a posse do parlamentar.

"Tempos estranhos" O ministro Marco Aurélio fez uma análise mais ampla sobre a crise que atinge o Supremo. Ele citou uma frase do ex-presidente dos Estados Unidos Franklin Roosevelt para resumir o momento: "Vivenciamos tempos muito estranhos", disse. Segundo o ministro, o voto de qualidade proferido por Peluso está no regimento do Supremo e, portanto, é uma regra que deve ser cumprida. "Estou estarrecido e consternado com o que está acontecendo no Supremo. Fiquei perplexo, como toda a sociedade. Mas jamais me senti manipulado. Lamento apenas pela minha instituição, o Supremo", declarou Marco Aurélio ao Correio.

Gilmar Mendes, que já bateu-boca em plenário com Barbosa, também saiu em defesa de Peluso. "Foi o tribunal quem decidiu por unanimidade essa questão (do voto de qualidade). Claro que nunca houve manipulação de resultado de julgamento", afirmou.

Entidades representantes da magistratura também criticaram o embate travado entre Peluso e Barbosa. Para o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Nelson Calandra, tem havido exagero por parte dos ministros, que, na avaliação dele, têm se pautado mais pela emoção do que pela realidade. O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante, considera que o embate não colabora para o fortalecimento da Justiça.

"Estou estarrecido e consternado com o que está acontecendo no Supremo. Fiquei perplexo, como toda a sociedade" Marco Aurélio Mello , ministro do STF

Voto do mensalão sai até junho O ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski entregará o voto sobre o mensalão até o fim do semestre, a tempo de o julgamento ocorrer ainda este ano. Revisor do processo, Lewandowski produzirá outro voto, a ser lido logo após o do relator Joaquim Barbosa. "Pretendo liberá-lo ainda neste semestre. Agora que saí do Tribunal Superior Eleitoral terei mais tempo para estudar os casos complexos que se encontram em meu gabinete", disse Lewandowski, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo. Pressionado a começar o julgamento do mensalão, o Supremo aguarda a manifestação do revisor do processo para dar início à análise da Corte.