Correio braziliense, n. 20073, 06/05/2018. Economia, p. 8

 

Aumento acelerado preocupa

Anna Russi e Bruno Santa Rita

06/05/2018

 

 

SEU BOLSO » Dívidas de aposentados do INSS com crédito consignado crescem 13,7% em 12 meses

Os aposentados  e pensionistas do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) são a segunda categoria que mais deve no crédito consignado, segundo dados do Banco Central. O saldo das dívidas soma mais de R$ 120 bilhões e cresceu nada menos do que 13,7% nos últimos 12 meses terminados em março. O valor da dívida per capita, de R$ 4.129, equivale a 2,3 vezes a renda média dos beneficiários, que é de R$ 1.750 por mês.

Para especialistas, o crescimento acelerado do saldo devedor é fator de preocupação. Isso porque aposentados, de maneira geral, não têm condições de expandir a renda em caso de um inesperado aperto financeiro. “Aposentado não pode ter dívidas. É a única coisa que ele tem que evitar”, avalia o professor de finanças pessoais da Fundação Getulio Vargas (FGV) Fábio Gallo Garcia.

Na etapa final da vida, o endividamento pode representar um caminho sem volta para a inadimplência, adverte Gallo. Por isso, não há muita alternativa a não ser cortar as despesas ao máximo. O que pode significar privar-se de coisas que são essenciais, sobretudo na fase madura, como plano de saúde.

A planejadora financeira Letícia Camargo explica que os brasileiros ainda têm muita dificuldade de programar receitas e despesas. “Tivemos uma inflação muito alta nos anos 1980, que deixou uma geração inteira sem conseguir se planejar”, diz Letícia. Com a alta constante nos preço dos produtos, valia mais a pena gastar o dinheiro rapidamente, explica. Outro fator que prejudicou a capacidade de planejamento foi a recessão dos anos recentes. “Muita gente ficou desempregada e teve de se acostumar com um padrão de vida mais baixo, sem poder poupar recursos”, acrescenta.

Bicho papão

Para a professora aposentada Angélica Martini Fortes, 62 anos, endividar-se foi a maneira de conservar, pelo menos em parte, o padrão de vida que tinha nos tempos da ativa, o que incluía manter um convênio médico para emergências. Na aposentadoria, porém, a situação é bem diferente. “Plano de saúde é muito caro. Só ele leva 30% da minha aposentadoria”, reclama.

A professora lamenta ainda que não sobra muito dinheiro para o lazer. “Para mim, distração é ir ao shopping comprar uma besteirinha barata que não vá fazer muita diferença no orçamento”, diz. “E eu sonhava que, quando fosse aposentada, iria viajar, ficar um mês na praia”, ironiza.

O educador e terapeuta financeiro Jônatas Bueno afirma que assumir dívidas para sustentar um estilo de vida que não cabe no bolso é um procedimento mais comum do que se imagina. “As pessoas não veem a dívida como um bicho-papão, o que seria o certo. Em geral, são permissivas quanto ao endividamento”, analisa.

Para Bueno, o endividamento é sempre algo a ser evitado. O ideal, sugere, é poupar antes de comprar. “É necessário fugir do ciclo vicioso das dívidas. Se você não se libertar, vai passar a vida toda recebendo contas e pagando juros. E quem vive dessa forma realiza menos sonhos”, observa.

Angélica Martini afirma que se arrepende de não ter feito um planejamento financeiro para a fase madura. E recomenda às pessoas que façam um plano de aposentadoria quando ainda são jovens. “Para quem tem 20 anos, é melhor contratar uma previdência privada ou começar logo a juntar dinheiro”, recomenda. Se tivesse feito isso mais cedo, diz, sua vida, agora, poderia ser diferente da rotina de tomar uma dívida atrás da outra.

“Vou pegar um empréstimo no banco para quitar o cheque especial e, depois, vou pagando aos poucos”, conta a professora aposentada. Ela entende que não é a situação ideal, mas diz que, no seu caso, é a única opção, já que tem que ajudar a família nos gastos. “Família a gente sempre ajuda. Vou começar a dizer que não vou ajudar mais”, brinca.

Chateada por ter adiado a consulta ao dentista para poupar dinheiro, Angélica critica a gestão dos governos, em geral. “Não tenho mais esperança. Não vou nem votar. Prefiro pagar a multa”, afirma. Ela diz que o Brasil poderia ser um lugar melhor para todos e, como professora, lembra que o país só pode ser renovado por meio da educação, o que, na opinião dela, está longe de acontecer.

Adriano Severo, educador financeiro, destaca que um problema pouco considerado por quem se preocupa com as finanças na terceira idade é que os aposentados têm mais tempo disponível para gastar dinheiro. “Quando a pessoa trabalha, ela não está passeando, não está consumindo água em casa, energia e fazendo outros gastos que, quando se acumulam, pressionam o orçamento. Com tempo livre, o dinheiro sai mais rápido”, explica. Severo também ressalta outra característica dessa fase da vida: “As pessoas idosas gastam mais com saúde, que é algo caro e deixa pouca escolha. Não tem como não gastar com médicos e remédios”.

Compromissos

Para a aposentada Conceição Silva, 78 anos, foi mais fácil seguir o caminho contrário ao de Angélica Martini. Ela explica que não costuma pegar empréstimos nem abusar do cartão de crédito. “É assim que eu vou equilibrando para conseguir me manter”, ilustra. E diz que, quando percebe que alguma compra pode deixá-la endividada, ela simplesmente corta a despesa.

Recém-aposentada, Izelda Carvalho, 58, trabalhava na área de políticas públicas do Governo do Distrito Federal (GDF). Ela também é um exemplo de alguém que foge das dívidas. No passado, ela já se viu enredada com cheque especial e empréstimos pessoais, o que a levou a se desdobrar para honrar os compromissos. “Além do emprego no GDF, fui trabalhar na loja da minha irmã. Finalmente, consegui pagar tudo o que devia, Agora, dívidas jamais!”, proclama.

Izelda conta que se aposentou para aproveitar a formatura do filho, que se torna bacharel de direito este ano. “Meu filho está se formando. É menos uma dívida de quase R$ 2.000 por mês. Por isso, optei por me aposentar agora”, explica. Ela diz estar consciente de que, a partir de agora, a renda deve diminuir e que, portanto, a batalha ainda não está ganha. Por isso, pensa em voltar a trabalhar com a irmã para ocupar o tempo livre e tentar manter a qualidade de vida.

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Débitos totais

06/05/2018

 

 

O saldo de dívidas total para pessoas físicas é de R$ 1,7 trilhão, o que representa um crescimento de 5,9% em 12 meses finalizados em março. O cartão de crédito, uma das formas mais comuns e fáceis de se endividar, soma R$196,4 bilhões, um aumento de 9,2% no mesmo período. Vários motivos contribuem para que as pessoas assumam compromissos financeiros que não podem cumprir.

Para educadores financeiros, é necessário ficar atento às dívidas “boas e ruins”. As “boas” são as referentes a compromissos que são necessários e precisam ser parcelados, como uma cirurgia de emergência, ou até mesmo o financiamento de uma casa. As “ruins” são aquelas parcelas que se podem deixar para outro momento.

Na opinião do professor de finanças públicas Fabio Gallo Garcia, da Fundação Getulio Vargas, a divisão proposta entre dívidas “boas” e “ruins” ajuda as pessoas a tomarem a decisão de se endividar ou não. “Nas ruins, é sempre bom ter alguma outra opção ou gerar uma poupança para depois gastar”, explica.

Débitos “ruins”, como endividamentos com viagens e compras parceladas, devem ser evitados, prega Gallo. O ideal para esses casos é juntar dinheiro para comprar à vista e, assim, fugir dos compromissos financeiros e dos juros que seriam assumidos nas parcelas das compras. “Tem-se que pesquisar muito. Manter um orçamento familiar, com isso, você consegue saber o que cabe no seu bolso”, explica.

Já as dívidas boas são aquelas que precisam ser assumidas. Ele explica que poucos são os brasileiros que podem comprar um imóvel à vista, por exemplo. “A pessoa demoraria de 40 a 50 anos para juntar esse dinheiro. Ela pode organizar o orçamento e depois entrar em um endividamento imobiliário”, afirma. Embora essas sejam as dívidas consideradas boas, ele explica que é “proibitivo” assumir qualquer dívida sem planejamento prévio.

 

Planejamento

Quem optou pelo caminho das dívidas “boas” foi a nutricionista Giovana Carvalho da Silva, 28 anos, que mora em Caetité, na Bahia. Desde que casou, em 2015, tudo é planejado para evitar pendências financeiras.

“Eu comecei a minha vida financeira quando casei. Criei uma meta de nova família”, conta. Ela destaca que sempre conviveu com uma família com perfil de ter dívidas e que isso pode ter sido um motivo para que se tornasse uma pessoa preocupada com o orçamento. “Talvez algo na minha infância. Convivi com a minha família que, até hoje, tem um perfil a favor de dívidas. Optei pelo caminho contrário”, explica.

A opção pelos pagamentos à vista é um a preferência de Giovana, até para aproveitar os descontos do formato de compra. Como está no segundo mês de gravidez, os planos são sempre feitos com cautela. “Resolvemos fazer investimento com o dinheiro já poupado. Estamos começando a entender o Tesouro Direto”, diz. Além disso, todo o dinheiro gasto com lazer por ela e o marido, Rafael Lourran Santos, são economias poupadas com um objetivo certo.

Para a planejadora financeira Letícia Camargo, o ideal é que sejam feitos planejamentos financeiros que comportem o estilo de vida que deseja ser seguido. Para isso, a melhor maneira de fugir das dívidas é juntar dinheiro para cumprir com as necessidades de consumo. Uma boa estratégia seria deixar uma quantia de dinheiro investida. “Você vai pagar com desconto. Parte dos juros vão te ajudar. É uma forma de planejamento”, elucida. (AR e BSR)