Correio braziliense, n. 20073, 06/05/2018. Mundo, p. 12

 

Esperança nas urnas

Jorge Vasconcellos

06/05/2018

 

 

ORIENTE MÉDIO » Ao fim de nove anos de instabilidade, o Líbano tenta uma nova fórmula eleitoral para renovar o parlamento. Divisões históricas entre as múltiplas comunidades religiosas e o impacto da guerra na Síria desafiam a habilidade dos líderes políticos

O Líbano se reencontra hoje com as urnas, na primeira eleição legislativa em nove anos, depois de três prorrogações dos mandatos na atual Assembleia Nacional, em meio a uma persistente instabilidade política. São 976 candidatos na disputa pelas 128 cadeiras, em um pleito que marca a estreia da nova lei eleitoral, aprovada no ano passado. Entre as novidades estão a adoção do sistema de votação proporcional e a permissão para que libaneses expatriados participem pela primeira vez do proccesso. Um aumento significativo no número de candidaturas femininas, em comparação com a eleição de 2009, é outro destaque: elas saltaram de 12 para 111.

Dos 3,7 milhões de eleitores, pouco menos de 83 mil vivem no exterior e votaram antecipadamente no último final de semana, em seis países árabes e mais 33 na América, Europa, África e Oceania. A participação dos eleitores, em média, foi de 64%. “Isso marca o começo de uma faixa que não vai parar até o retorno de todos os libaneses ao país”, comemorou o ministro dos Negócios Estrangeiros e dos Emigrantes, Gebran Bassil.

O novo sistema eleitoral, exaustivamente negociado entre os partidos políticos, mescla representação proporcional com um regime de cotas, na tentativa de equilibrar a representação parlamentar das 18 comunidades religiosas. Sob o novo arranjo, o sistema majoritário foi abolido e o limiar necessário para um candidato se eleger diminuiu.

O país foi dividido em 15 distritos eleitorais, formados por 27 subdistritos, e os eleitores votarão tanto em uma lista de candidatos quanto em um único concorrente dessa mesma chapa. As listas oferecem uma mistura de concorrentes de diferentes partidos e religiões que foram previamente acordados. Por isso, várias forças políticas tradicionais figuram na mesma chapa de outras que são adversárias.

A Assembleia Nacional do Líbano é um parlamento unicameral. Por meio de um acordo firmado no pós-2ª Guerra Mundial, as 128 cadeiras são divididas igualmente entre cristãos e muçulmanos. Esses dois grandes grupos confessionais, por sua vez, se subdividem entre representantes das diferentes seitas. Também segundo esse arranjo, o presidente da República é sempre um cristão maronita. Os muçulmanos sunitas têm o cargo de primeiro-ministro e os xiitas, o de presidente do parlamento. A convivência, em um mesmo gabinete, entre credos e ideologias diferentes está na raiz das principais turbulências políticas vividas nos últimos anos, que tiveram na guerra civil da Síria um dos principais fatores de instabilidade.

Equilíbrio tenso

Na composição atual da Assembleia, os partidos que formam o governo representam as maiores bancadas. Em primeiro lugar, a Corrente do Futuro (33 assentos), liderada pelo primeiro-ministro Saad Hariri, um muçulmano sunita, aliado do Ocidente, detentor de cidadania saudita e crítico do Irã. A segunda força política, com 19 cadeiras, é a Corrente Patriótica Livre, do presidente Michel Aoun. Ele tem o apoio do Hezbollah, organização política e paramilitar xiita, que detém 13 cadeiras e é aliado de Teerã em delicadas questões regionais, como o apoio ao presidente sírio, Bashar al-Assad.

O Líbano volta às urnas no momento em que se recupera da crise aberta em novembro com a renúncia de Hariri, anunciada durante viagem à Arábia Saudita. Na ocasião, ele acusou o Hezbollah e o Irã de controlarem o Líbano e citou ameaças à sua vida. Dias depois, recuou e reassumiu o governo.

“Não estou certo de que qualquer momento seja propício para eleições no Líbano, dada a contínua falta de estabilidade. No entanto, sem uma eleição, a paralisia no governo continuaria. Com uma eleição, há uma esperança, mesmo que pequena, de que algumas questões de direitos e reformas possam ser abordadas”, disse ao Correio Scott Lucas, professor de ciência política e relações internacionais da Universidade de Birmingham, no Reino Unido.

“A situação é ainda mais complicada pela crise síria, bem como pelas perspectivas de um novo conflito entre o Hezbollah e Israel. Mesmo que o novo sistema eleitoral tenha trazido um vislumbre de mudanças, é provável que isso seja suspenso por causa da questão síria, dos milhões de refugiados no Líbano e o apoio do Hezbollah ao govern de Assad”, acrescentou Lucas.

Frase

“Não estou certo de que qualquer momento seja propício para eleições no Líbano, dada a contínua falta de estabilidade”

Scott Lucas, professor da Universidade de Birmingham (Reino Unido)

3,7 milhões

Total aproximado de eleitores

976

Total de candidatos às 128 cadeiras do parlamento

111

Total de mulheres na disputa — elas eram 12 na última eleição

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Eleição municipal mobiliza a Tunísia

06/05/2018

 

 

Cinco milhões de tunisianos estão habilitados para eleger hoje os conselhos municipais, na primeira votação livre na esfera local, há muito esperada para fortalecer a democracia no país que foi berço da chamada Primavera Árabe — a onda de manifestações e protestos que varreu ditaduras do Oriente Médio e do Norte da África em 2011. “Nunca houve eleições municipais livres e competitivas”, recorda Michael Ayari, pesquisador do International Crisis Group (ICG). As anteriores foram realizadas sob regime de partido único.

No início do ano, a Tunísia voltou a ser tomada por protestos, impulsionados pela entrada em vigor de um orçamento de austeridade. A previsão dos observadores para hoje é de elevada abstenção: sete anos após a Primavera Árabe, muitos tunisianos se dizem desmotivados diante da inflação, do desemprego persistente e de acordos partidários que dificultam o debate democrático. Em outro sinal de desinteresse, a votação antecipada de policiais e militares, no fim de abril, teve participação de apenas 12%.

As duas principais forças políticas do país — a legenda islamista Ennahda e o Nidaa Tounes, partido fundado pelo presidente Beji Caid Essebsi — são as únicas que apresentaram listas de candidatos em todas as cidades, em condições de conquistar boa parte dos municípios. Adiada quatro vezes, a eleição de hoje envolve 350 municípios e 57 mil candidatos. Os locais de votação estarão abertos das 8h às 18h (das 4h às 14h, em Brasília). Cerca de 30 mil agentes das forças de segurança foram mobilizados, e o país permanece em estado de emergência desde os ataques extremistas de 2015.

A votação marca o primeiro passo tangível da descentralização prevista na Constituição, que era uma das reivindicações da revolução lançada nas regiões marginalizadas por um poder hipercentralizado. Na era do partido único, os municípios administravam apenas parte de seu território e tinham pouco poder de decisão, sujeitos à boa vontade de uma administração central que muitas vezes era clientelista.

Desde a queda do ditador Zine Abidine Ben Ali, em 2011, as cidades são administradas por delegações especiais nomeadas pelo governo, e muitas vezes não conseguem atender as demandas dos moradores. Mas a Tunísia tem agora um Código do Governo Local, votado no fim de abril, que, pela primeira vez, confere independência e liberdade administrativa às entidades.

Os observadores não excluem uma surpresa na eleição, com a participação de muitas listas independentes, o que poderia perturbar os complexos equilíbrios de poder em nível nacional. As municipais serão seguidas pelas eleições legislativas e presidenciais, em 2019.