Título: Governo avalia duas MPs para a poupança
Autor: Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 21/04/2012, Economia, p. 14
Duas minutas de Medida Provisória estão sobre a mesa do ministro da Fazenda, Guido Mantega, propondo mudança nas regras da caderneta de poupança. Na avaliação do governo, mexer na mais tradicional modalidade de investimentos do país tornou-se urgente para não comprometer a política de cortes da taxa básica de juros (Selic), que, desde agosto do ano passado, recuou 3,5 pontos percentuais, para 9% ao ano, devendo alcançar 8% até julho próximo.
Apesar do desconforto e do desgaste político que terá de enfrentar, sobretudo neste ano eleitoral, a presidente Dilma Rousseff está convencida de que chegou a hora de encarar as alterações na caderneta.Mudanças que evitarão um grande desarranjo no mercado financeiro e deixarão o Brasil mais parecido com o mundo civilizado. A poupança tem rendimento fixado em lei de 6,17% ao ano mais a variação da taxa referencial (TR), incompatível com uma Selic de 8%, que serve de parâmetro para os ganhos nos fundos de renda fixa e DI, principais financiadores da dívida pública.
A primeira minuta de MP sendo avaliada por Dilma é bem simples e agrada a maior parte da equipe econômica e o mercado financeiro. Os ganhos da caderneta serão atrelados à taxa Selic. Os investidores embolsariam o equivalente a 80% dos juros básicos da economia, mantendo, é claro, a isenção de impostos sobre os rendimentos.
"Essa medida é a mais interessante, pois tornaria a poupança igual a todos os outros produtos financeiros", avaliou André Perfeito, economista-chefe da Gradual Investimentos.
A segunda proposta prevê a criação de faixas de remuneração para diferentes níveis dos juros básicos da economia. Com a Selic acima de 8,5% ao ano, a caderneta continuaria a pagar 0,6% ao mês, como atualmente.
Entre 8% e 8,5% ao ano, a rentabilidade seria de 0,47% mensais.
Caso a taxa básica despencasse para um patamar abaixo de 4% anuais, o ganho da poupança seria determinado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
Seriam no mínimo seis e no máximo nove faixas de remuneração.
Também nesse caso, a remuneração continuaria isenta de Imposto de Renda.
Uma terceira possibilidade está no horizonte da equipe econômica: ressuscitar um projeto elaborado pelo ministro Guido Mantega durante o governo Lula, quando a Selic atingiu seu piso histórico, 8,75%, por causa da crise mundial. Por ele, o ganho das cadernetas com depósitos acima de R$ 50 mil pagaria IR.
"Tudo está sendo avaliado neste momento. Nossa meta é preservar ao máximo a caderneta, principal fonte de recursos para o financiamento da casa própria.
Discrição O governo pretende, no entanto, tratar do assunto com a máxima discrição. Tanto que, ao ser questionada ontem sobre as propostas do governo de mexer na caderneta, antecipadas pelo Correio, Dilma se esquivou. "Isso é da área do ministro da Fazenda, em consulta com o Banco Central.
Isso não é uma área sobre a qual eu me posiciono", disse, em evento no Itamaraty. Justamente pelo fato de o BC e a Fazenda estarem liderando o processo de mudanças na poupança, ela proibiu Alexandre Tombini, presidente da autoridade monetária, de viajar para os Estados Unidos, e ordenou ao ministro Guido Mantega que retornasse de Washington antes do prazo previsto. Tudo para que façam uma reunião no início do próxima semana para bater o martelo sobre o tema.
As propostas alterando as regras da caderneta estão tão avançadas que mesmo o PT, o partido da presidente, sempre refratário ao tema, já admite a necessidade de ajustar a modalidade de investimento.
O mais importante, na visão de integrantes da legenda, é levar o mundo para patamares mais baixos de juros. Isso, segundo ele, vale tanto para os empréstimos e financiamentos, para a Selic e para o rendimento dos investidores.
"O Brasil mudou, temos de corrigir distorções que já nos custaram muito caro", afirmou um assessor de Dilma, filiado ao PT. "O mais importante é adotarmos um bom discurso, que afaste qualquer vinculação ao confisco promovido pelo governo Collor (1990)." "Se o governo não fizer nada na poupança, o BC perde o instrumento de política monetária por excelência, que é a Selic. Isso talvez seja desenhado na ata do Copom (Comitê de Política Monetária), a ser divulgada na próxima semana", alertou Perfeito. Para Luís Otávio de Souza Leal, economista- chefe do Banco ABC Brasil, a caderneta precisa é de uma mudança definitiva e radical.
A forma como ela existe hoje é uma herança do período de hiperinflação", afirmou.
Repercussão Na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), o Banco Central deixou em aberto a possibilidade de novos corte na Selic. No mercado futuro, a maioria das apostas é de pelo menos mais um corte de 0,5 ponto percentual, para 8,50%.
Ontem, após reportagem do Correio, as taxas desabaram ainda mais na expectativa de que as regras da caderneta sejam alteradas. Caso mais um corte se confirme, os fundos de investimento de renda fixa e DI com taxas de administração mais altas estariam obrigados a reduzir os custos para não perderem patrimônio e clientes para a poupança.
Para o governo, o ideal seria levar os juros para 8% e colocar mais combustível no crescimento do país, que promete ser inferior ao desejado pelo Palácio do Planalto—talvez abaixo de 3%.
O ministro da Fazenda, em Washington (EUA), negou que um juro a 8% seja desejo do governo.
Porém, disse que gostaria que os juros dos bancos privados e públicos caíssem para o nível do de países avançados. "A Selic é o Banco Central quem sabe", disse. "Não sei quem pensou, quem imaginou que iríamos discutir poupança. Eu falei que não vou discutir. Vocês acham que só existe a poupança para discutir? Nós temos várias coisas. Por exemplo, a Resolução 72, que não foi votada na semana passada e será votada na próxima semana", afirmou.
(Colaborou Juliana Braga)