O Estado de São Paulo, n. 45450, 26/03/2018. Política, p. A4
Autofinanciamento vira ativo na disputa eleitoral
Adriana Ferraz
26/03/2018
A ausência de um limite para o autofinanciamento de campanhas eleitorais, aliada à proibição das doações empresariais, aumentou a influência de políticos ricos na definição das candidaturas majoritárias. Pelas regras atuais, todas as despesas, desde que não ultrapassem o teto definido para o cargo pleiteado, poderão ser pagas pelo próprio candidato.
Com os partidos obrigados a fazer conta para custear campanhas – ontem o Estado revelou que as legendas querem aumentar o fundo eleitoral –, dirigentes admitem que políticos com maior patrimônio pessoal tornaram-se ativos eleitorais. Em alguns casos, a capacidade de se autofinanciar virou condição decisiva para a montagem dos palanques regionais. Ao menos três pré-candidatos têm fortunas superiores a R$ 100 milhões, como o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles (PSD), e o empresário Flavio Rocha, dono da Riachuelo, que na semana passada confirmou a intenção de se candidatar à Presidência.
Conforme relatos colhidos pelo Estado, a maior parte das legendas pretende dar prioridade à eleição de parlamentares federais, já que o tamanho das bancadas na Câmara é que define a divisão dos recursos dos fundos eleitoral e partidário – compostos por recursos públicos, ambos alcançam R$ 2,6 bilhões e serão fontes majoritárias para bancar campanhas.
Se a resolução que permite o autofinanciamento não for revista, o senador Ataídes Oliveira (PSDB-TO) já afirmou que vai pagar sua campanha ao governo. “Mas eu não vou gastar milhões, não vou chegar nem perto do teto permitido (R$ 21 milhões). E o partido vai ter de contribuir também”, diz o tucano, que declarou R$ 28 milhões de patrimônio em 2014 (hoje, cerca de R$ 35 milhões em valores corrigidos).
As regras para o autofinanciamento estão sendo questionadas no Supremo Tribunal Federal (STF), que ainda vai julgar o tema (mais informações nesta página). Enquanto o caso não se define, o senador Wilder Morais (PP-GO), candidato à reeleição, já projeta os custos. “Venho da iniciativa privada, onde se valoriza cada centavo. A campanha terá organização, metas e fiscalização. Quanto aos doadores, certamente serei um deles, mas com a parcimônia.”
João Doria, por exemplo, teria condições de bancar até 100% de sua campanha ao governo e ainda ajudar candidatos ao Legislativo.
Com patrimônio pessoal estimado em R$ 188 milhões, o prefeito deve fazer algo semelhante à campanha de 2016, quando arcou com 32% das despesas – cerca de R$ 14 milhões. Ao Estado, o tucano disse que seguirá as regras eleitorais e a orientação do partido. “Se o partido assim definir (que colabore financeiramente), seguirei”.

Prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), declarou que pretende manter o contato da PPP da Iluminação, de R$ 6,9 bilhões Foto: Amanda Perobelli/Estadão
Presidente do Novo, Moisés Jardim afirma que o pré-candidato do partido à Presidência, o ex-banqueiro João Amoêdo, assim como todos os demais, terá participação financeira na própria campanha. “Mas a gente entende que é fundamental que a campanha não seja 100% autofinanciada, até para que não se torne um projeto pessoal”, disse. Jardim admite, no entanto, que o patrimônio dos candidatos seja um dos critérios do Novo para a escolha de seus candidatos.
A cinco meses da data obrigatória de registro das candidaturas, a estratégia dos dirigentes partidários é deixar caminho aberto para formação de alianças nos Estados. Presidente nacional do PP, o senador Ciro Nogueira (PI) diz que o planejamento da legenda só será anunciado após o término da janela partidária, em 7 de abril. “Mas, no PP, ninguém olha imposto de renda na hora de escolher candidato”.
Já o ex-presidente do DEM, senador José Agripino, diz que a legenda vai gastar com as campanhas mais viáveis. “É a viabilidade eleitoral que vai ditar quem vai receber os recursos.”
Supremo. No início do mês, quatro partidos – PT, PDT, PSOL e PCdoB – entraram no Supremo Tribunal Federal (STF) com um ação de inconstitucionalidade contra a resolução do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que trata do autofinanciamento de campanhas eleitorais. As legendas argumentam que a regra afeta o equilíbrio da disputa.
A resolução do TSE prevê que no pleito para a Presidência da República o limite de gastos do próprio bolso dos candidatos será de R$ 70 milhões. Na disputa para o Senado, o teto fixado é de R$ 21 milhões nos Estados com mais de 21 milhões de eleitores. E nas campanhas para a Câmara Federal, os candidatos podem tirar de suas contas até R$ 2,5 milhões.
De acordo com os partidos que questionam a regra, o autofinanciamento viola “os princípios republicano, democrático e da isonomia” do processo eleitoral. Além disso, ressaltam que a resolução do TSE é contraditória, pois limita doações realizadas por pessoas físicas a 10% os rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano anterior à eleição, mas ignora o artigo que define regra para autofinanciamento.
Para o cientista político Marco Antonio Teixeira, da FGV-SP, o STF tem de derrubar a regra atual a fim de resguardar um mínimo de isonomia entre os candidatos. “A manutenção do autofinanciamento dificulta a renovação política, torna a competição desigual e consolida as elites que se mantêm no poder pela força do dinheiro”, afirma. Teixeira observa que muitos dos candidatos que se autofinanciam também bancam campanhas parlamentares locais, a fim de conquistar o poder e também a garantia da governança.
O relator do caso no STF, ministro Dias Toffoli, já se posicionou contrário ao autofinanciamento sem limite, podendo levar o tema a plenário a qualquer momento. Segundo o TSE, a regra está prevista na Lei das Eleições há mais de 20 anos.