Valor econômico, v. 18, n. 4990, 25/04/2018. Política, p. A6.

 

Fux diz que registro de Lula dependerá de STF

 Ricardo Mendonça

25/04/2018

 

 

Num evento ontem em São Paulo, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luiz Fux, deu a entender que a corte só aceitará analisar o pedido de registro da candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se houver uma ordem emitida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), do qual também faz parte.

Lula foi condenado a 12 anos e 1 mês de prisão pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), o que o enquadra na condição de inelegível pela Lei da Ficha Limpa. Mesmo assim, a direção do PT promete fazer sua inscrição na eleição no dia 15 de agosto. Se levado adiante, o entendimento de Fux manifestado ontem contraria o interesse dos petistas, que querem abrir a discussão no TSE.

Diante de uma plateia, Fux concedeu uma entrevista aberta promovida pela revista "Veja". A questão sobre registro de candidatura foi colocada no fim de uma conversa sobre "fake news". Sem citar o nome de Lula, um participante perguntou se existe a possibilidade de um condenado em segunda instância, já cumprindo pena, ser candidato a presidente.

O magistrado inicialmente riu. Disse que aquilo não parecia uma pergunta, mas uma consulta. Em seguida, disse que iria responder "abstratamente". Fez então a seguinte explanação:

"Hoje, o candidato condenado em segunda instância é considerado inelegível [...] Aí eu pergunto o seguinte: o Barack Obama resolveu se tomar de amores pelo Brasil, veio aqui e quer se inscrever como candidato a presidente da República. O TSE pode receber esse pedido de registro de candidatura, muito embora dentro do nosso coração palpite o desejo de ter um candidato parecido com ele? É claro que não."

Ele falou então sobre o que tende a ser discutido no plano abstrato. "Se hoje um candidato é inelegível, ele já é hoje inelegível, ele não é um candidato que está sub judice. Sub judice é o candidato que, no momento do registro, ainda não teve julgada a sua situação", afirmou.

E prosseguiu com o seguinte raciocínio: "Quando a lei permite que o candidato sub judice se inscreva, ela diz, ela procura as virtualidades da lei. Os antecedentes da lei estão no seguinte: 'Olha, eu fui derrotado no TRE [Tribunal Regional Eleitoral]; tô recorrendo ao TSE, meu recurso ainda não foi julgado, estou sub judice; quero me registrar, eu tenho potencial de vencer o recurso'".

Outra hipótese de candidato sub judice, segundo Fux, é a do "candidato limpo, que não tem nenhuma inelegibilidade antecedente" e que esbarra em algum problema documental para o registro. "Ele diz: 'Eu apresentei a documentação, o tribunal não aceitou aquilo'. Ele recorre do indeferimento do registro de candidatura. É um candidato sub judice".

O jornalista que conduzia a conversa disse que não estava entendendo e repetiu a pergunta original, se existe a possibilidade de inscrição de um condenado em segunda instância.

Foi quando Fux levantou a hipótese de interferência do STF. "A lei prevê que o acesso ao Judiciário é cláusula pétrea, é uma garantia fundamental de todo cidadão", afirmou. "Então, evidentemente, se o Supremo Tribunal Federal deferir uma liminar, o TSE vem abaixo dele. Aí de novo aquela regra: manda quem pode, obedece quem tem juízo [...] Se o STF emitir uma ordem, eu terei, necessariamente, que cumprir."

Apenas nessa situação específica, Fux reconheceu que há hipótese de um condenado em segunda instância se inscrever na disputa. Ele não deu entrevista aos outros jornalistas presentes no evento.

Minutos depois, no mesmo evento, o também ministro do STF Gilmar Mendes, ex-TSE, falou com os repórteres sobre o mesmo assunto. "Nós temos muitas dúvidas sobre essa questão de inelegibilidade", afirmou. "Mas aqui, pelo menos, eu acho que há consenso: condenado em segundo grau está inelegível. Essa é uma inelegibilidade, eu diria, aritmética. A não ser que ele [Lula] conseguisse reverter a condenação por crime de administração, o que não parece que esteja dentro das perspectivas."

A reportagem do Valor perguntou a Gilmar se, nesse caso, o TSE deve receber o pedido de inscrição de candidatura, analisar e julgar ou se não deve sequer receber. "Essa é uma pergunta que vocês deveriam ter dirigido ao ministro Fux. Esse é o debate que marca a estratégia do PT: retardar ao máximo o registro e tentar fazer com que o TSE se pronuncie sobre isso na undécima hora."

Segundo Gilmar, a hipótese de não recebimento de pedido de inscrição "é uma questão que aflige o tribunal muito antes do caso Lula". Ele citou o caso do ex-governador Joaquim Roriz (DF), que teve a candidatura cassada quando a campanha já estava no fim. "É um debate sobre o qual a Justiça Eleitoral vem se debruçando, e faz esforço para evitar o que ela entende que é uma manipulação da Lei da Ficha Limpa." (Colaborou André Guilherme Vieira) 

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

Celso de Mello se torna elo entre alas opostas na Corte

Maíra Magro 

25/04/2018

 

 

Com o Supremo Tribunal Federal (STF) dividido em dois blocos antagônicos, uma figura emerge como ponto de equilíbrio: a do ministro Celso de Mello, o decano. Nos julgamentos mais recentes de casos criminais ruidosos, que deixaram a Corte sob holofotes ampliados pela Operação Lava-Jato, ele representou uma voz de ponderação. Ora alinhou-se a uma corrente que apoia o atual rigor das investigações criminais contra políticos e outros réus de colarinho branco; ora somou-se ao grupo que vê abusos nessas operações.

Nas próximas semanas, Celso revelará sua atuação como revisor das ações penais da Lava-Jato na Segunda Turma do STF. O posicionamento é aguardado com ansiedade no meio jurídico, já que os ministros irão se debruçar novamente sobre o conceito de crimes como corrupção e lavagem de dinheiro. O relator da Lava-Jato, Edson Fachin, já se tornou conhecido pelos votos duros. Além de Celso e Fachin, integram a Segunda Turma Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski, que em geral têm votos divergentes do relator.

Na segunda-feira, Celso liberou para julgamento a ação penal contra o deputado Nelson Meurer (PP-PR), primeiro réu da operação a ser condenado ou absolvido. Advogados apontam "tranquilidade" em saber que a análise de provas e atos processuais estará também nas mãos do decano, o segundo a votar nesses casos, após o relator.

Defensor contumaz da presunção da inocência, Celso nem por isso deixa de ser firme em questões criminais, como demonstrou no caso do mensalão. Mais recentemente, no habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que gerou pressões sem precedentes sobre o STF, ele deu um dos votos mais eloquentes a favor da prisão somente após o trânsito em julgado da condenação, com o esgotamento de todos os recursos judiciais. Ao defender a mudança da atual jurisprudência, que permite a prisão em segunda instância, ele se pôs do mesmo lado de um grupo que já vem mostrando coesão em outras questões criminais - o de Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Marco Aurélio Mello.

Já em outros casos, como no habeas corpus do ex-ministro Antonio Palocci, Celso acompanhou uma corrente que tem votado de acordo com Fachin, e da qual o ministro Luís Roberto Barroso é visto como liderança. Desse grupo também fazem parte Rosa Weber, Luiz Fux, a presidente da Corte, Cármen Lúcia, e, embora com menor frequência, Alexandre de Moraes.

Para Celso, não há contradição entre defender fervorosamente a presunção da inocência e negar habeas corpus a investigados presos antes da condenação. Segundo ele, havia fortes indícios de que Palocci continuou cometendo crimes após ser preso preventivamente, por isso a medida não seria um cumprimento de pena, e sim uma prisão cautelar destinada a evitar a reincidência

Enquanto alguns colegas apontam que o STF deve ouvir a voz das ruas, Celso defende que o juiz só pode votar de acordo com a Constituição e as leis. Para ele, seria um desvio grave deixar submeter-se a pressão popular, sentimentos pessoais ou preferências ideológicas.

Anos atrás, um sobrinho do ministro foi vítima de latrocínio. O crime bárbaro contra o jovem chocou a família. Nem por isso Celso deixou de alterar a direção de seus votos envolvendo autores de crimes contra a vida. Em conversa recente com o Valor ele contou que, quando entende que não estão cumpridas as condições para a prisão, ele concede o habeas corpus, ainda que a acusação seja de roubo seguido de morte.

Celso acredita que há maioria de seis votos no STF para reverter a possibilidade da prisão em segunda instância. Para ele, a rediscussão é imperativa e poderia ocorrer ainda na gestão de Cármen Lúcia, que termina em setembro, quando Toffoli assumirá a presidência. Celso costuma dizer que considera Cármen uma pessoa sensata e com sensibilidade para compreender que haveria uma demanda de revisitar o julgamento.

Ao votar no habeas corpus de Lula, Celso afirmou que "a Constituição não pode submeter-se à vontade dos poderes constituídos nem ao império dos fatos e das circunstâncias." Também embasou seus argumentos em leis como os códigos Penal e Militar. Citou ainda que as Constituições da Itália e de Portugal trazem a mesma previsão do cumprimento da pena só após o trânsito em julgado.

Apesar das convicções pessoais, o ministro colocou a instituição STF acima de interesses estratégicos em torno de um placar na votação. Partiu dele a iniciativa de evitar que Marco Aurélio fizesse algo inédito na Corte: uma questão de ordem colocando em xeque, publicamente, a decisão de Cármen Lúcia de não pautar as ações que discutem o tema de forma genérica, sem um réu específico. Celso pediu a Marco Aurélio que aguardasse e, enquanto isso, convenceu Cármen a pautar o tema. A ministra optou, porém, por julgar primeiro o habeas corpus de Lula, o que acabou possivelmente alterando o placar. Questionado se imaginava ser voto vencido, Celso disse que pelo modo com que as coisas se encaminhavam esperava que esse seria, sim, um desfecho possível. No mesmo julgamento, o decano assumiu mais um protagonismo: o de rebater os comentários públicos de militares feitos na véspera da sessão.

Mesmo não se deixando levar pela vontade popular, Celso diz que não se sente acuado neste momento de paixões políticas exacerbadas, nem teme ser alvo de ataques de extremistas de qualquer vertente. Ele costuma andar com frequência por aeroportos, viajando para São Paulo para visitar familiares, e também por shopping centers, onde quase sempre busca uma livraria - e nunca foi abordado de forma agressiva.

O ministro fica incomodado ao ouvir o comentário de que juiz trabalha pouco. Aos 72 anos, 28 deles no STF, sua jornada se estende muito além das sessões, não sendo incomum adentrarem a madrugada. Também se aborrece com insinuações de que seria lento na apreciação de alguns casos criminais, o que contribuiria para a prescrição. Segundo ele, muitas vezes a demora ocorre no trâmite dos casos entre várias instituições.

Leitor voraz e conhecedor profundo da história do Brasil, Celso tem recomendado a amigos a leitura da biografia de Santos Dumont, escrita pelo jornalista Fernando Jorge e relançada pela editora Harper Collins. Para ele, trata-se de um personagem pouco valorizado pelos brasileiros. Ele também está lendo o mais recente livro do ex-presidente José Sarney, Galope à Beira Mar, que reúne anedotas da política nacional.

Indagado sobre os principais nomes da história do Brasil, não titubeia ao mencionar o jurista baiano Rui Barbosa. Lembra com orgulho de quando se sentava ao lado do ex-ministro do STF Paulo Brossard (ele integrou a Corte de 1989 a 1994, e morreu em 2015), nas cadeiras hoje ocupadas por Rosa e Barroso. Quando um ministro criticou o que considerava um excesso de citações a Rui Barbosa, Brossard respondeu de modo original: com um discurso longuíssimo de exaltação ao jurista. 

________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

PF faz busca e apreensão nos gabinetes do PP no Congresso

 Andrea Jubé/ Luísa Martins/ André Guilherme Vieira/ Marcelo Ribeiro

25/04/2018

 

 

Em um desdobramento da Operação Lava-Jato, a Polícia Federal cumpriu ontem mandados de busca e apreensão nos gabinetes e nas residências do presidente nacional do PP, senador Ciro Nogueira (PI), e do deputado Eduardo da Fonte (PP-PE), por risco de obstrução à Justiça. A ofensiva policial ocorre no momento em que o PP desponta como um dos partidos mais cobiçados na formação das alianças por causa do volume de recursos do fundo partidário e do tempo de propaganda na TV. 

Após a janela partidária, o partido se tornou a terceira maior bancada da Câmara, mas também possui o maior número de parlamentares investigados na Lava-Jato, além do vice-governador da Bahia, João Leão. Nas próximas semanas, vai alcançar outro marco: um deputado do PP, Nelson Meurer (PR), será o primeiro denunciado da Lava-Jato a ter a ação penal levada ao julgamento do plenário no Supremo Tribunal Federal (STF). O processo foi liberado para a pauta pelo ministro Celso de Mello

Na operação autorizada pelo relator da Lava-Jato no Supremo, ministro Edson Fachin, os agentes apreenderam cerca de R$ 200 mil em espécie na residência de Ciro. Também foi preso o ex-deputado Marcio Junqueira, que era do PP e hoje é filiado ao Pros, por Roraima.

De acordo com a Procuradoria Geral da República, Ciro e Dudu da Fonte - como é conhecido o ex-líder da bancada -, tentaram comprar o silêncio de um ex-assessor que colabora com as investigações. Junqueira é apontado como o intermediário do esquema, que incluia o pagamento de despesas pessoais, ameaças e proposta para mudar o teor de depoimentos. 

Expoente do Centrão, o partido que se projetou na política nacional com Paulo Maluf - hoje preso pela Lava-Jato -, e o vice-governador do Rio Francisco Dornelles, foi o mais concorrido na última janela partidária, consolidando-se como a terceira maior bancada da Câmara, com 50 deputados, atrás de PT e MDB.

Por causa do fundo partidário e do tempo de televisão, o presidente Michel Temer, que ensaia a candidatura à reeleição, o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tentam atrair o PP para as alianças presidenciais. Para 2019, o partido quer ampliar a força no Congresso e disputar a presidência da Câmara - terceiro cargo na linha sucessória.

Alvo de dois inquéritos na Lava-Jato, Ciro é um habilidoso operador dos bastidores da política, que garantiu para a sigla o maior espaço na Esplanada: o partido controla os ministérios das Cidades, da Agricultura, da Saúde, e a presidência da Caixa Econômica Federal.

Senador que tentará a reeleição pelo Piauí, Ciro não corre risco de ser apeado do comando da legenda por causa dessa operação. Segundo uma fonte da cúpula do PP, "nem de longe" se cogitou essa hipótese, até porque ele é personagem estratégico na composição das alianças nacional e regionais.

Ciro conduz o partido desde 2013, e desde então, já se reelegeu duas vezes. Em 2015, o grupo de São Paulo, liderado por Maluf, tentou retomar o controle da sigla, sem sucesso. Respaldado pelas lideranças do Nordeste, Ciro também venceu o movimento das bancadas do Sul no ano passado, que tentaram emplacar a senadora Ana Amélia (PP-RS) em seu lugar. Ao Valor, Ana Amélia, que ainda faz oposição interna a Ciro, classificou o episódio como "constrangedor" e defendeu que as acusações contra o presidente do PP sejam apuradas conforme a lei.

Ciro e Dudu da Fonte são alvos, cada um, de duas acusações no Supremo, no âmbito da Lava-Jato, respondendo pelos crimes de organização criminosa, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

Ciro foi denunciado por associação criminosa no inquérito conhecido como "quadrilhão do PP". Nessa investigação, aberta com base na delação do exdiretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, ele é acusado de ser o responsável pela indicação dos repasses de propina da estatal a políticos da legenda, em troca de influências indevidas no Congresso Nacional.

Em outra denúncia, o senador responde por corrupção passiva e lavagem de dinheiro pela solicitação e recebimento de propina de R$ 2 milhões da UTC Engenharia para favorecer a empreiteira em obras públicas do Ministério das Cidades e do Piauí. Ciro responde ainda a outros dois inquéritos, mas ainda não foi denunciado em nenhum deles.

Já o deputado Dudu da Fonte, como é chamado, foi denunciado no mesmo "quadrilhão do PP" por associação criminosa e, em outro inquérito, acusado de receber R$ 300 mil de propina da UTC para dar preferência à empresa em obras da Coquepar, companhia que seria construída no Paraná para o processamento de coque de petróleo da Petrobras.

Em nota, o advogado de Ciro, Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, afirmou que o parlamentar declarou no Imposto de Renda que tem dinheiro em espécie no valor de R$ 180 mil. O restante, segundo ele, pode ser de sua mulher. Por meio de nota, Dudu da Fonte disse que está à disposição da Justiça, confia na Justiça e em Deus