O Estado de São Paulo, n. 45454, 30/03/2018. Política, p. A4

 

Barroso autoriza e ação da PF prende amigos de Temer

Rafael Moraes Moura, Breno Pires e Fausto Macedo

30/03/2018

 

 

Decreto dos Portos. Para ministro do STF, há indícios de que esquema para concessão de benefício público vigorava há 20 anos; ele vê “risco concreto de destruição de provas”

A Polícia Federal prendeu ontem dois amigos próximos do presidente Michel Temer, o empresário e advogado José Yunes e o coronel da reserva João Baptista de Lima Filho, o coronel Lima, em uma operação que investiga favorecimento a empresas do setor portuário a partir de um decreto do governo assinado em maio do ano passado.

Os pedidos de prisão partiram da Procuradoria-Geral da República e foram autorizados pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso, relator do inquérito na Corte que investiga o chamado Decreto dos Portos, assinado por Temer. Ao todo, foram expedidos 13 mandados de prisão temporária (de cinco dias, podendo ser renovado por mais cinco) e 20 mandados de busca de apreensão.

Também foram presos temporariamente o presidente da empresa Rodrimar, Antonio Celso Grecco, e o ex-ministro da Agricultura e ex-presidente da Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp) Wagner Rossi, outro aliado de Temer. A Rodrimar é uma das empresas que a investigação suspeita que seriam beneficiadas pelo decreto. Quatro acionistas indiretos da empresa Libra Terminal também foram presos temporariamente na operação.

Em janeiro de 2016 o Estado mostrou que uma emenda parlamentar incluída pelo então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), na nova Lei de Portos, beneficiou o Grupo Libra, um dos principais doadores de campanha do vice-presidente Michel Temer em 2014.

Temer é um dos alvos da investigação e já teve quebra de sigilo bancário autorizado por Barroso. Em fevereiro o ministro autorizou a prorrogação do inquérito por 60 dias, a pedido da Procuradoria-Geral da República.

Ao determinar a operação, batizada de Skala, Barroso apontou indícios de um “esquema de concessão de benefícios públicos no setor dos portos em troca de recursos privados para fins pessoais e eleitorais” em vigor há mais de 20 anos. A suspeita tem como base informações de um inquérito já arquivado pelo STF, mas que foi resgatado para a investigação atual.

O Decreto dos Portos foi assunto de um diálogo no dia 4 de maio de 2017 entre Temer e seu então assessor Rodrigo Rocha Loures, alvo do grampo da Polícia Federal. A interceptação ocorreu em meio ao processo de delação premiada de executivos e acionistas do Grupo J&F, entre eles Joesley Batista.

Segundo a investigação, a Argeplan, de Lima, recebeu recursos de empresas interessadas na edição do decreto e distribuiu os valores para os demais investigados. A PF tentava ouvir o coronel há meses, mas sem sucesso.

O coronel, de 74 anos, sofre com problemas de saúde e foi levado pela PF em uma cadeira de rodas. Ele seguiu sob escolta em uma ambulância do Samu até o hospital Albert Einstein. No início da noite, Lima teve alta e foi levado para a custódia da PF na capital paulista. A amizade de Lima e Temer é antiga. A mulher do coronel, arquiteta Maria Rita Fratezi, elaborou, inclusive, o projeto de reforma da casa da filha do presidente, Maristela Temer.

Yunes, outro amigo de longa data de Temer, tem 81 anos e também é alvo do inquérito. O empresário foi assessor de Temer na Presidência.

Ele pediu demissão do cargo em 2016 após a revelação do conteúdo de delação premiada do exexecutivo da Odebrecht Claudio Melo Filho. Yunes disse, na ocasião, que teria sido “mula involuntária” do ministro da Casa civil, Eliseu Padilha, ao pedir que ele recebesse um “pacote” em seu escritório.

‘Risco concreto’. Barroso apontou que as medidas de prisão de buscas e apreensão têm por objetivo esclarecer pontos centrais da investigação da qual é relator. O ministro citou “risco concreto de destruição de provas” para expedir os mandados.

Ontem, em Vitória, Temer evitou comentar sobre a operação da Polícia Federal. Em discurso, ele afirmou que o cargo que ocupa é “dificílimo” e que está “sujeito a bombardeios a todo momento.

 

PARA LEMBRAR

Segovia indicou arquivamento

Era véspera de carnaval quando o então diretor-geral da Polícia Federal (PF), quando surgiu a entrevista de Fernando Segovia na qual indicava uma “tendência” para o arquivamento do inquérito do sobre o Decreto dos Portos, o mesmo que levou agora à decretação da prisão de 13 acusados. De 9 de fevereiro, data da publicação de suas declarações à agência Reuters, até a sua queda – 27 de fevereiro – Segovia foi acossado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso, que exigiu esclarecimentos do delegado, por entidades de classe da PF e até pela Comissão de Ética da Presidência da República. Para ele, não havia, até sua entrevista, “indício de crime, indicando a tendência de arquivamento do caso”. O delegado não era o único a duvidar da eficácia do inquérito. O ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, o considerava um “desperdício de dinheiro”. Um dia antes da queda de Segovia, Barroso decretou a quebra do sigilo bancário de Temer, indicando que os investigadores do caso pensavam de forma diferente de Segovia e de Marun.